Mesmo torcendo para o FC Barcelona, o gorro preto com o escudo do Grêmio é motivo de alegria pra Rodrigo Bardona, de nove anos. Ele é o mais velho de três irmãos — Ruben Cardina, 7, e Abdiel Cardina, 5 — que ainda tentam se acostumar ao frio da Serra Gaúcha, com temperaturas nunca antes por eles sentidas. Junto da mãe, Roxana Solis, 36, os meninos traçaram uma rota migratória cumprida por muitos outros venezuelanos nos últimos anos: deixaram seu país de origem em busca de melhores condições no Brasil.
Roraima foi o primeiro destino e, por lá, durante dois anos de sua vida ainda tão pouco vivida, ele não imaginou que, algum dia, estaria exposto a temperaturas que o fizessem precisar vestir uma touca. Aqui no Rio Grande do Sul, Rodrigo acabou torcendo para o Grêmio. Porém, o símbolo que carrega na testa nem faz diferença. O importante mesmo é que, com o inverno se aproximando e os termômetros baixando, em sua casa, o frio, definitivamente, não terá mais vez.
Além do gorro, outros inúmeros agasalhos foram doados à família. As entregas têm sido quase diárias na casa da família dos venezuelanos e são resultado de uma campanha de arrecadação organizada pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Nova Esperança, na qual os três guris estudam.
Ruben exibe os tênis novinhos que ganhou. Abdiel, o caçula, esbanja estilo com uma calça e um casaco quentinhos, além de um gorro feito à mão, nas cores da SER Caxias. Roxana também foi contemplada com algumas peças, além de material escolar, kits de higiene e cestas básicas que recebe tanto da escola quanto da comunidade do bairro Desvio Rizzo.
— Nunca pensei que fazia tanto frio aqui, mas também nunca pensei encontrar uma cidade tão acolhedora. Matriculei o mais velho assim que chegamos e logo consegui matricular os outros dois. Fomos recebendo ajuda, algo que pra mim é muito importante neste momento. Estou muito agradecida por tudo — destaca Roxana.
Ela conta que, apesar de ser uma região mais quente, o Norte do Brasil não apresentava perspectivas. Sem conseguir trabalho e, com pouca ajuda da comunidade, Roxana contou com auxílio da Organização das Nações Unidas (ONU) para deslocar-se até Caxias do Sul, onde atualmente está empregada.
Mais de cinco mil peças arrecadadas
De camiseta e bermuda na retomada presencial, em pleno outono serrano, os recém-chegados de uma das regiões mais quentes do Brasil chamaram a atenção de professores e funcionários pela falta de agasalhos. Mas não eram apenas eles que estavam expostos às baixas temperaturas. O educandário da rede pública também recebe outros alunos em situação de vulnerabilidade e, por isso, decidiu dar início à campanha.
O que a diretora, Jalusa Schenato Zattera, não esperava era a proporção que a ação ganharia. As doações foram tantas — mais de cinco mil peças — que puderam ser também destinadas a pessoas que não fazem parte da comunidade escolar. Um ponto de retirada foi aberto no Centro Comunitário São Gabriel, em ação que conta com o apoio da Associação de Moradores do Bairro (Amob) do Desvio Rizzo, beneficiando cerca de 250 famílias. Parte dos itens está sendo destinada a outras instituições da cidade.
— Fizemos ponto de retirada nos sábados 21 e 29 de maio, no feriado do dia 26, e provavelmente faremos mais um. Sem falar que estamos distribuindo internamente tênis, toucas, mantas, roupas e outros itens desde que a campanha começou, no início de maio. Não precisamos mais de doações, não temos onde colocar — adverte a diretora.
Ela conta ainda que, além de cobertores e roupas em ótimo estado de conservação, inúmeras peças novas continuam chegando à escola. Recentemente, toucas e mantas feitas especialmente para os alunos foram enviadas com o capricho e o cuidado da separação em pacotes individuais.
— Isso tem um resultado direto que é ver eles mais aquecidos, bem cuidados. Saber que estamos confortando estas famílias é algo maravilhoso — conclui Jalusa.
"A gente dormia junto pra não passar frio"
Cobertores, assim como jogos de lençol, toalhas de banho, roupas de inverno e calçados doados à Escola Nova Esperança contemplaram famílias como a de Maria Fernanda Marques dos Santos, 53. Ela mora no Desvio Rizzo com quatro dos oito filhos que trouxe ao mundo. Acometida por problemas de saúde que a fazem sentir dores pelo corpo, especialmente em dias frios, ela conta que antes de receber as doações, os cobertores que tinha em casa não eram suficientes nas noites mais frias.
— A mais nova dorme comigo, sempre, porque não temos cama para todo mundo, mas às vezes os guris também vinham. A gente dormia junto pra não passar frio — relata a mãe, que vive com três filhos de 24, 22 e 20 anos, além da caçula, de 12 anos, que estuda na escola do bairro.
A proprietária da casa onde a família mora de aluguel é funcionária da escola e intermediou a destinação de doações para Maria Fernanda, que é acamada e tem como renda apenas um auxílio no valor de um salário mínimo, contando, ainda, com a contribuição dos filhos.
— Como a gente sempre prioriza os filhos, faltava roupa pra mim. Acabava ficando só com uma pecinha pra quando preciso ir pro hospital ou algo assim. Tenho muitos gastos com medicação e às vezes deixo de tomar alguns remédios porque preciso comprar comida, ou pagar o aluguel. Essas doações com certeza fazem muita diferença — reconhece.
CAMPANHA DO AGASALHO DE CAXIAS
Cerca de 500 pontos de coleta integram a Campanha do Agasalho 2021 promovida pela Fundação Caxias, que segue até o dia 20 de junho. A ação teve início no dia 8 de maio e, até o dia 31, já havia destinado 37.645 peças para 13 entidades do município. Mais informações sobre a campanha podem ser conferidas no site e na página do Facebook da realizadora.