Cuidar de si mesmo e do próximo tem sido praticamente um mantra desde o início da pandemia de coronavírus. Atitudes que vão desde a utilização da máscara e do álcool gel, passando pela doação de alimentos ou agasalhos e a troca de afeto adaptada em tempos de distanciamento fazem parte da rotina de muitos cidadãos brasileiros.
Com o intuito de despertar ainda mais o olhar ao próximo, a Romaria de Caravaggio traz, em sua 142ª edição, um tema que, em forma de prece, suplica à padroeira: "Ó Maria, Mãe de Caravaggio, ajudai-nos a estar a serviço da vida como compromisso de amor". Na programação, pelo segundo ano adaptada ao contexto pandêmico, as transmissões também carregam o selo "Vida que cuida da vida: rogai por nós", lembrando da responsabilidade que cada um tem sobre a vida do próximo.
— Este lema brota da nossa preocupação de podermos, conscientes, cuidarmos da vida; que devemos superar todo o egoísmo e toda indiferença porque isso desumaniza a vida; que devemos crescer em solidariedade e compaixão, cada atitude em favor da vida é também de sensibilidade cristã — afirma o padre Gilnei Fronza, reitor do Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, de Farroupilha.
Para além da responsabilidade social, algumas pessoas encontram no cuidado ao próximo sua missão de vida. Algo que as leva a escolher profissões que as permitam, justamente, exercer de forma plena o ato de cuidar. São médicos, enfermeiros, cuidadores, além de outros tantos profissionais — dentro ou fora da área da Saúde — que, apesar dos pesares, sentem-se realizados com as escolhas que fizeram.
"Escolhi esta profissão com o coração", diz cuidadora de idosos
Aos 23 anos de idade, Vanessa Camiotto Costa, cuidadora de idosos do Lar da Velhice São Francisco de Assis, de Caxias do Sul, sente-se trilhando o caminho de uma atividade que pretende desempenhar pelo resto da vida: a de cuidar de idosos. A confirmação se deu há pouco tempo, cerca de dois anos atrás, quando sua avó de 87 anos ficou hospitalizada.
— Eu ficava a maior parte do tempo com ela e quando outras pessoas iam cuidar, ela pedia por mim e aquilo me chamava a atenção. Comecei a perceber que aquilo era bom, aprendendo as coisas com muita naturalidade, até que comecei a cuidar de outros pacientes também — relata Vanessa.
Ela conta que não precisou pensar duas vezes antes de deixar o emprego no comércio, onde trabalhava apenas para garantia do próprio sustento, para seguir o que realmente gostaria de fazer pelos próximos anos.
Há um ano e seis meses, Vanessa integra a equipe de cuidadores do Lar da Velhice, onde vivem hoje cerca de 65 idosos. Com uma rotina de seis horas por dia somada aos plantões de final de semana, ela atua em atividades como o auxílio no banho, as trocas de roupa, a alimentação e todos os cuidados demandados pelos idosos da casa. Um trabalho que, segundo ela, requer bastante paciência, mas que traz todas as recompensas que ela poderia desejar.
— Foi a melhor escolha que eu fiz. A vida é um dom que Deus nos dá e, com ela, vem um compromisso. Meu compromisso é este: escolhi esta profissão com o coração. Um dos pilares é fazer tudo de coração aberto que a gente acaba recebendo muita coisa boa em troca — completa a cuidadora.
"Acreditamos na vida, lutamos por ela e sabemos o quanto é significativa",
diz enfermeiro e gerente assistencial do Hospital Geral
Mais de 700 profissionais de diversas áreas, que atuam no atendimento aos pacientes do Hospital Geral, são gerenciados por Richard Alejandro Borges de Barros. Com 20 anos de experiência em enfermagem, período no qual também atuou como gestor em outras instituições, o profissional entende como primordial, para o cuidado com o outro, o exercício da empatia. Palavra que também se popularizou durante a pandemia e que representa nada menos do que o ato de se colocar no lugar do outro.
— Não tenho palavras pra relatar o que vivenciamos hoje dentro do hospital. Quando perdemos uma mãe jovem pra covid-19 sabemos do impacto que isso vai causar nos familiares. Isso nos dá vontade de lutar até o último minuto. Acreditamos na vida, lutamos por ela e sabemos o quanto ela é significativa — afirma o profissional.
Antes de imaginar onde poderia chegar com sua profissão, Alejandro — como prefere ser chamado — preferiu a enfermagem ao invés da medicina. O motivo decisivo, segundo ele, foi a possibilidade de permanecer por mais tempo acompanhando o paciente de perto. De Rivera, no Uruguai, sua cidade natal, ele mudou-se para a capital do país, Montevidéu, onde teve acesso à formação gratuita. Paralelamente, também formou-se técnico de enfermagem. Ao concluir a graduação, em 2007, retornou para Rivera para trabalhar em um hospital. No HG, atua há nove anos.
— O momento exige que estejamos completamente entregues, por se tratar de uma situação crítica mas, cuidar do outro tem disso sempre. Quando escolhemos a profissão, estamos escolhendo um propósito, que agora se intensifica, porque, além de cuidarmos da vida, que é o bem mais precioso que existe, também acolhemos os familiares diante das restrições impostas pelo vírus. Sou muito realizado porque, além de poder desempenhar isso, trabalho com pessoas maravilhosas que entendem o propósito de estar aqui dentro — comenta o gerente assistencial.
"Embora exista gravidade, existe esperança de vida", diz médico intensivista
Assim como Alejandro, o médico intensivista Rafael Lessa Costa é um dos tantos profissionais da saúde que enfrentam, desde o início da pandemia, uma rotina de intenso trabalho, constante perda de pacientes e superlotação hospitalar. No Hospital Geral, onde atua, não há mais capacidade para atendimento de toda a demanda, situação que forma listas de espera todos os dias.
Há dois anos e meio na instituição, Costa também atua como professor do curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Em sua rotina de trabalho e dentro de sala de aula, busca uma atuação que vá além da medicina, algo que considera fundamental para o bom exercício da profissão e que tem sido de extrema importância às famílias atendidas pelo HG.
— Estamos carentes de uma formação profissional global. A medicina não é centralizada nos fármacos, ela envolve também conhecimento acerca da realidade social e um entendimento da espiritualidade alheia. Embora eu pratique o catolicismo, preciso entender a crença dos pacientes para confortá-los de uma maneira que não os deixe ainda mais abalados em momentos de fragilidade — afirma o médico e professor.
O profissional que viu em um tio, também médico, a inspiração para escolher a medicina como trabalho, conta que teve o cuidado ao próximo despertado a partir de seu envolvimento religioso e ações voluntárias que desempenhava por meio da Fraternidade Aliança Toca de Assis, em Montes Claros, Minas Gerais, cidade onde nasceu.
— Eu queria ser um Irmão de São Francisco, mas já estava fazendo cursinho para a faculdade. A experiência de cuidar de pessoas em situação de rua naquele projeto talvez tenha me feito escolher trabalhar no SUS, prestando serviço a pessoas carentes de atenção, de cuidado e de zelo, que não têm a oportunidade de escolher um bom profissional para tratarem de seus familiares — diz Costa.
— A escolha pela medicina vem do "querer cuidar". Quando nos tornamos médicos, por muitas vezes, por causa do cansaço, especialmente na pandemia, os pacientes acabam virando números. Em momentos de fé como este, da Romaria, podemos parar para pensar, novamente, que estamos cuidando do amor da vida de alguém. Isso faz com que a gente execute o cuidado, a medicina — completa.