A manhã desta quinta-feira (29) foi de movimentação nas escolas de Caxias do Sul, um dia após a liberação por conta da mudança dos protocolos para bandeira vermelha no Estado. Mas engana-se quem percebe a retomada como unânime. A reportagem abordou alguns pais nas entradas de escolas por volta das 7h desta quinta e também contatou outros, que optaram pela permanência dos filhos em casa. Os dois lados do entendimento sobre a necessidade, ou não, de voltar às salas de aula giram em torno, basicamente, da preocupação com o aprendizado, a necessidade de convívio com outras crianças e a problemática de não ter com quem deixar seus filhos enquanto trabalha. Por outro lado, é forte a insegurança com o contágio por covid-19, além do receio pela possível transmissão a integrantes da família que são grupo de risco.
A mãe de Valentina de Souza Pinto passou meses levando a filha de oito anos ao escritório de advocacia onde atua. A empresa permitiu que filhos acompanhassem as mães que não tinham outra opção. Essa foi a realidade para a família até a quarta-feira (28), quando a aluna do 3º ano do Colégio São José voltou às aulas presenciais. Animada, a menina chegou por volta das 7h30min nesta quinta. Alegre, contava:
— Estou feliz, queria muito (voltar). Ontem (quarta-feira) estudei bastante e a gente teve um recreio bem legal! — disse, ao correr pelo pátio até a entrada da sala de aula.
A mãe, Michele Meneguzzo de Souza Pinto, 45, opina:
— Nossas crianças estão "emburrecendo" em casa e ficando extremamente dependentes de equipamentos eletrônicos, sem socialização e desenvolvimento intelectual — diz.
Na outra ponta dos níveis de educação, além do pequenos, há os jovens que frequentam o último ano da escola. Mesmo mais aptos a ficarem em casa sós e serem autônomos para acessar as plataformas de conteúdos virtuais, a estudante do 3º ano do Ensino Médio do São José, Ana Carolina Snovarski Mari, 17, relata que pretende passar em uma universidade federal para cursar Medicina Veterinária.
— Me preocupo porque estou no último ano e é agora a oportunidade de me preparar. Em casa eu achava a aula mais fraca, tinha que fazer muitos trabalhos por fora. Eu sentia que estava ficando para trás no online.
A mãe de Ana Carolina, Viviana Snovarski, era uma das pessoas que participou do buzinaço em defesa das aulas presenciais na segunda-feira (26), no entorno do Fórum, em Caxias do Sul. O irmão de Ana, Eduardo, 13, pedia para voltar à escola diariamente, segundo Viviana.
— É importante que eles tenham, além do conteúdo, a socialização. Em casa é mais difícil tirar dúvidas. E a perda de conteúdo para quem vai fazer vestibular e Enem? A preocupação é grande também por isso.
Com três anos de idade, Vinicius Morais Mello, era deixado pelo avô na escola infantil Pequeno Girassol na manhã desta quinta-feira. Segundo Luiz Carlos Mello, 54, o neto passou os últimos meses na companhia da tia-avó.
— Minha irmã estava ficando com ele. Minha filha trabalha em Flores da Cunha e não consegue levá-lo (à empresa), assim como minha esposa, que também trabalha. Esses dias foram bem difíceis. Temos que trazer na escolinha, não tem o que fazer. E em casa, não se aprende nada também. Para nós é melhor assim — disse.
Em situação semelhante, a mãe de Bianca, dois, Raquel Papke Zimmermann, 38, vivenciou a falta que a filha sentia da escolinha.
— Ela corria riscos também porque precisava ficar com a minha sogra. Meu marido e eu trabalhamos fora o dia todo e, por isso, pegávamos minha sogra todos os dias para ficar com ela. Nessa idade eles aprendem vendo o coleguinha fazer, além de que nós não temos a didática que as professoras têm. Ela está numa felicidade só por voltar. Nos vídeos ela não entendia porque os colegas não falavam e porque a professora não respondia à ela diretamente— diz.
Do nordeste para as salas de aulas de Caxias
A vida de Alcineia Santos Mendes, 33, mudou completamente há cinco meses. Foi nesse período que ela saiu de Paraíso do Tocantins (TO) para ajudar o filho a ver seu sonho tornar-se realidade. Eliandro Santos Mendes, 13, que passou na seleção do Esporte Clube Juventude, é integrante da base do clube, em Caxias. Alcineia e o marido, Eliszandro, fizeram a mudança para a Serra gaúcha logo após a aprovação do jovem.
As mudanças para Alcineia não pararam por aí. Depois disso, ela ainda acolheu o baiano Juan Jacomette,13. Ele é outro que passou pelos pré-requisitos do Juventude. Com dois pré-adolescentes em casa, o desafio foi ainda maior. O clube pediu apoio de Alcineia e do marido para cuidar de Juan até que seus pais efetivassem a mudança da Bahia, prevista para julho. Juan voltou às aulas nesta quinta, no Colégio São José. Eliandro iniciará os encontros presenciais na Escola Estadual Presidente Vargas.
— O futebol também foi paralisado, além das aulas. Foi uma junção de acontecimentos. Os dois em casa comigo o tempo todo e com aulas online. Eles estavam bem ansiosos, ainda mais porque são atletas e tinham uma rotina de atividades bem intensas nos treinos. Por morar em apartamento, estavam muito limitados. No ano passado, todos estávamos amedrontados, mas agora há vontade de enfrentar e ter a esperança de ter uma vida normal novamente — disse.
"Não me sinto segura de enviá-lo", diz mãe de Pedro, de quatro anos
O menino Pedro Ricieri Salvador Wegher, quatro anos, sabe que o seu compromisso de aula é no computador. Há mais de um ano com a mesma rotina, ele participa de todos os encontros ofertados pelo Colégio La Salle Caxias de forma online. E seguirá desta forma, mesmo após a reabertura autorizada esta semana. Em 2020, Pedro perdeu apenas duas aulas. A mãe, Cassiane Salvador Wegher, 42, sempre o acompanha. Mas ele já sabe entrar sozinho no programa de aulas. Isso significa que, com apenas quatro anos, a criança preenche os dados de login e senha no notebook e faz todos os caminhos das páginas virtuais até clicar na aula do dia.
— Nunca dei opção para o Pedro de querer, ou não, assistir aula. Ele participa porque é um compromisso e entende isso perfeitamente. Até espera começar numa "faceirice" só. Ele está se desenvolvendo bem e as professoras conseguem passar dedicação, carinho e aprendizado. Falo isso de coração, não tive problemas quanto à qualidade das aulas — diz.
Pedro mora com a mãe e o pai, Igor Wegher, 41, em uma chácara, entre Caxias e Flores da Cunha. Aluno do Pré-1, ele tem encontros diários com as professoras. Inclusive, aulas de música e Educação Física.
— Faço um ginásio de esportes na cozinha (risos). Ele imita animais, exercita a coordenação usando balões, amarra cordas. As professoras são muito criativas — conta.
Cassiane não trabalha desde que teve Pedro. Ela entende que isso ajuda na decisão de não mandá-lo para a escola, mas acredita que faria o mesmo caso a realidade fosse outra.
— Eu tenho essa oportunidade de estar com meu filho e, mesmo que não tivesse, daria um jeito, porque tenho medo de jogar meu filho agora em meio à multidão. Não custa esperar mais alguns meses para sentirmos se as coisas irão acalmar mesmo. Ao mesmo tempo, entendo o lado dos outros pais e não julgo. Cada um com a sua situação. Eu cuidei até agora para largar? — questiona.
A vida de Cassiane é de isolamento quase total.
— Há um ano e três meses não vejo minha mãe, que mora em Arroio do Sal. Ele não brinca com uma criança nesse tempo todo. Me dói muito também. Sei que ele precisa da convivência social, não tenho dúvidas, mas o cuidado nesse momento diferente que estamos vivendo é tudo.
Davi começa a vida escolar em casa
A decisão de Cassiane é a mesma de Viviane Borges Vieira Bazzi, 38. Mãe de Davi, quatro, ela optou que a primeira experiência do filho em sala de aula fosse adiada. Na Escola São José Capivari, o início da vida escolar é com quatro anos. Desta forma, o menino teria o primeiro dia de aula na vida este ano. Para simular a realidade, Viviane vestiu o filho de uniforme e montou um horário parecido para que ele entendesse a rotina, mesmo dentro de casa. Viviane não está trabalhando, mas garante que sairia do emprego para cuidar do filho enquanto durasse a pandemia.
— Prefiro que ele perca o ano letivo do que perder alguém da minha família. A prioridade agora é o cuidado com a vida — afirma.
Davi mora com a mãe e o pai, Marcelo Bazzi, 42, no bairro Parada Cristal. Como a casa é afastada da área urbana, ele não tem contato com outras crianças. Um dos receios da família é que a mãe de Viviane costuma frequentar a casa e eles também.
— O único lugar que vamos é na casa da minha mãe, em chácara, quando está só ela. Ela é cardíaca e diabética. Se não estivéssemos cuidando, não estaríamos convivendo e ela também depende de nós para ir e vir.
Mesmo com o dia a dia adaptado, a mãe de Davi tem uma queixa. Infelizmente, para ela, as aulas serão gravadas após a abertura presencial, o que impede o vínculo dele com os educadores.
— Tive que explicar que agora ele não veria mais os professores. Esperei até o último momento para ver isso reverter, mas não. Agora, voltar às aulas só com vacina — conclui.