Um estudo do Laboratório Central do Estado (Lacen) concluiu que a morte de um morador de Gramado, a primeira causada pela variante P1 da covid-19 no Rio Grande do Sul, aconteceu quando já havia transmissão comunitária da cepa detectada, inicialmente, em Manaus. O rastreamento dos casos mostrou que o gramadense de 88 anos estava em isolamento em uma propriedade no interior do município. Ou seja, ele não tinha histórico de viagens e não teve contato com ninguém que tivesse viajado naquele período.
A partir disso, a Vigilância Epidemiológica municipal rastreou as pessoas que tiveram contato com ele para refazer o caminho que o vírus percorreu até chegar ao idoso. Foi descoberto que uma pessoa que prestava serviço diariamente a ele havia mantido contato, no dia 23 de janeiro, em um restaurante, com um motorista que atuava no transporte de turistas. Esse profissional testou positivo para covid-19, com início dos sintomas no dia 21 daquele mês. Já a pessoa que teve contato com o idoso apresentou os primeiros sintomas em 26 de janeiro e teve um teste RT-PCR positivo cinco dias depois. Essa pessoa teve a forma mais leve da doença, enquanto o trabalhador do turismo precisou ser internado em hospital com sintomas graves. Colegas dele também foram diagnosticados e, alguns, com quadro mais grave, internados para tratamento intensivo.
Para além disso, não foi possível identificar se o profissional foi contaminado diretamente por um turista vindo de outra região ou se por morador local que tivesse retornado de outro lugar. A transmissão comunitária ocorre quando já não é possível identificar a origem do processo de contaminação.
O idoso apresentou problemas respiratórios no dia 29 de janeiro e foi internado na UTI do Hospital Arcanjo São Miguel no dia 3 de fevereiro. Ele morreu sete dias depois.
A descoberta da nova variante em Gramado foi possível por dois fatores: por ser uma região turística, com fluxo de turistas do Brasil e de outros países, a cidade é um dos pontos de coleta de amostras que são submetidas ao sequenciamento genético pelo Lacen; além disso, a Vigilância Epidemiológica do município identificou nesse caso do idoso uma rápida e grave evolução da doença e escolheu essa amostra específica para enviar ao Lacen.
A bióloga Tatiana Schäffer Gregianini, responsável pelo diagnóstico de síndromes respiratórias do Lacen, diz que a análise genômica do coronavírus vem sendo feita a partir de critérios fixos e de casos que chamam a atenção. Com isso, são analisadas amostras de homens e mulheres de diversas regiões do Estado (com atenção à região da Fronteira), amostras de óbitos com diferentes faixas etárias e características de sintomas. Atualmente, o Lacen também atende a solicitações de regiões que estejam observando maior número de internações ou rápida evolução da doença, por exemplo. As amostras são coletadas e enviadas pelas vigilâncias dos municípios.
Segundo Richard Steiner Salvato, enfermeiro do Lacen, que também participou do estudo, é possível afirmar que a variante do vírus que se disseminou em Gramado, apesar de ser da mesma linhagem P1 detectada em Manaus, não tem relação com a vinda de pacientes do Norte do país para o Rio Grande do Sul:
– Apesar de ser da mesma linhagem, elas são geneticamente bem diferentes. Tem perfis genéticos distintos. O que nos permite afirmar que não tem relação com os pacientes que receberam tratamento aqui no Estado.
Salvato explica que a linhagem P1 tem mutações na proteína spike, que é a parte do vírus responsável por se ligar à célula humana e também é a porção que o sistema imune da pessoa tem que reconhecer para combater o vírus. Mutações nessas partes do vírus são importantes porque mudam o comportamento dele. No caso da P1, o vírus se tornou mais transmissível.
Dado divulgado pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), com base em análise de um conjunto de amostras, aponta que em 62,5% delas o vírus detectado era da nova variante, indicando a prevalência dela sobre a original. Há estudos em andamento sobre a relação entre a P1 e o agravamento do quadro dos pacientes e o efeito das vacinas em pacientes contaminados por essa variante. Ambos ainda sem resultados publicados.
Os especialistas alertam que o fato de se ter comprovado a transmissão comunitária no Estado é importante para determinação de medidas de contenção da transmissão do vírus. E prevenção se dá, segundo eles, principalmente, por meio do distanciamento social.
– Impedir que as pessoas circulem pelo maior tempo possível é a única medida que se tem atualmente para conter um vírus com a capacidade de transmissão tão grande. Se a população colaborasse com adoção das medidas que já conhecem, como uso de máscara e evitando aglomerações, conseguiríamos sair desse momento desesperador que todos estamos vivendo – declarou Tatiana.
O secretário da Saúde de Gramado, Jeferson Moschen, disse, nesta sexta-feira (5), que ainda não havia sido comunicado oficialmente das conclusões do Estado, mas que entende que já havia circulação do vírus em outros locais. Afirmou ainda que o aumento de casos é resultado de uma conjunção de fatores e não apenas da variante identificada na cidade e que já tem confirmação também em outros pontos do Estado, como Porto Alegre.
Colaborou Rogér Rufatto, da RBS TV.