A explosão de casos de coronavírus deixa o sistema de saúde de Caxias do Sul à beira do colapso. Isso significa que os hospitais estão sobrecarregados e sem margem de manobra para dar conta de tantos pacientes ao mesmo tempo seja com leitos, equipamentos e profissionais. O esgotamento de vagas nas enfermarias e UTIs na rede pública e privada e impacta em todos os demais procedimentos.
— O hospital começa o dia de uma forma e termina de outro. Vivemos hoje o momento mais crítico da saúde sanitária. Existe uma demanda gigantesca por atendimento de casos de coronavírus. É algo que nesse quase um ano de pandemia ainda não tínhamos enfrentado — reconhece o diretor técnico do Hospital Pompéia, Thiago Passarin.
Para se ter uma ideia do panorama, Caxias do Sul conta com 224 respiradores, sendo que 208 estão na UTI, e destes 181 estão ocupados. Passarin revela que há 58 respiradores no Pompéia, na sexta-feira (5), 56 estavam em uso. Ou seja, restavam apenas dois aparelhos.
— Não há como comprar mais equipamentos porque não temos onde colocar os respiradores. Nosso limitante é o espaço físico e a falta de equipe médica e de enfermagem — explica.
No Hospital Geral (HG), não há falta de equipamentos, mas a instituição também atua acima do limite.
— Nos preocupa as demais doenças porque os atendimentos estão limitados. Os casos mais graves temos que atender, e somos referência em cardiopatia e oncologia e esses pacientes chegam até o HG e precisam ser atendidos — ressalta o diretor do HG, Sandro Junqueira.
Quanto aos respiradores, ele afirma que os equipamentos são suficientes para atender a atual demanda:
— Não temos falta de respiradores, por vezes, faltam espaço físico e equipe.
Na rede particular a situação é semelhante: os hospitais operam acima da capacidade. Na prática, são dois hospitais dentro do mesmo espaço, já que os pacientes infectados com o coronavírus precisam ficar isolados dos demais, o que exige estruturas e equipes diferentes. No Hospital da Unimed, por exemplo, há setores preparados para os demais atendimentos que, assim como no Pompéia, não podem ser desativados.
— Cada dia é um novo cenário. A gente não tem nenhum setor do hospital fechado, e a toda hora temos que recriar cenários de atendimento para não deixar os pacientes sem serem atendidos. Nosso Centro de AVC segue aberto e os atendimentos cardíacos também, e não vamos fechar, porque são os atendimentos considerados de urgência que temos 12h no máximo para realizar procedimentos — diz o diretor técnico do Complexo Hospitalar Unimed Caxias do Sul, Vinícius Lain.
Os hospitais, assim como os demais de Caxias, têm buscado estratégias para tentar reduzir a perda de vidas. No caso do Pompéia, a situação é ainda mais crítica porque a instituição é referência em traumato-ortopedia para cerca de 1,5 milhão de pessoas de Caxias e outros 48 municípios da Serra. O hospital conta com um pronto-socorro de portas abertas, que recebe casos de urgência e emergência, e também tem que manter o atendimento de pacientes em tratamentos oncológicos.
— Estamos sem nenhum leito de UTI — desabafa Passarin.
A situação se repete no HG.
— Todos os leitos estão ocupados. Temos pacientes no pronto-socorro em regime de UTI, e estamos fazendo o máximo para atender a todos — explica Junqueira.
Lain segue na mesma linha: ainda há equipamentos, medicamentos e insumos, mas o hospital está indo além.
— Estamos operando com 115% da capacidade hospitalar, então eu precisaria aumentar 15% do hospital para trabalhar no limite. Estamos muito além do limite e isso é conseguido às custas de remanejo de arquitetura hospitalar e dos nossos funcionários.
Impactos
Se um paciente chega com uma fratura no hospital da Unimed, ele será operado e depois como não tem leito para que ele fique no hospital, ficará na sala de recuperação. No Pompéia, acontece o mesmo.
— Temos que atender na sala de recuperação com uma nova equipe para que os pacientes de demais procedimentos não covid-19 possam ficar no hospital. Não temos mais ambientes para recrutar e atender. Todo o redimensionamento estrutural e físico já foi feito.
Na Unimed, segundo Lain, também, não havia leitos na última quarta-feira (3), por isso, a equipe foi acionada para montar três vagas temporárias de UTI com monitores, ventilador e cama dentro da sala vermelha do hospital.
— Percebo que eu não tenho mais onde mexer daqui para lá. Faz um ano que a gente está nesse baile então os nossos funcionários de todos os setores foram capacitados para trabalhar nos demais atendimentos.
Um dos efeitos desse grave problema é que sem leitos de UTI, o paciente não poderá ser intubado em caso de piora no quadro.
— A gente realoca os locais conforme as demandas. No momento (sexta-feira), temos seis pacientes usando máscara com chance de evoluir para um quadro mais grave e estamos sem leitos caso eles necessitem ser intubados — exemplifica o diretor clínico do Pompéia.
Já Lain ressalta que o painel covid, onde constam os dados sobre internações, traz apenas um fotografia de determinado momento:
— Compramos mais 60 bombas de infusão, e temos respiradores, mas a gente já tem notado a diminuição de relaxante muscular no mercado. Essa medicação é usada quando o paciente fica intubado. Não nos preocupamos com oxigênio, mas com medicamento. O hospital estocou os remédios no ano passado, e não faltou em nenhum momento, mas hoje a capacidade de UTI aumentou. É preocupação constante que tem existe, e também o risco de faltar ventiladores, sabemos que pode acontecer — aponta o diretor da Unimed.
Rotina cansativa
Com os hospitais lotados, as equipes estão esgotadas, o que segundo, os médicos é visível nas fisionomias cansadas. Lain conta que o clima é pesado nos corredores do hospital. Ele acredita que a situação será ainda pior porque o número de casos vai aumentar antes de começa a estabilizar. Para ele, as internações são muito mais solitárias do que antes, porque não há visitas devido à pandemia, e nos casos de covid, quando os pacientes são intubados, toda a equipe é afetada:
— É muito triste para todos porque muitos pacientes consideram uma despedida da vida. Não é raro a gente ver funcionários do hospital chorando. A intubação é um procedimento que muitas vezes o paciente vê como uma despedida da vida. Esse momento de solidão e de dor hoje está dentro do hospital. As pessoas caminham pelo hospital e há um silêncio total e uma tristeza muito grande.
Passarin também desabafa:
— Infelizmente, vamos ver aqui cenários como os de Manaus, e vamos ter mortes que seriam evitadas.
Junqueira, do HG, também pede que a comunidade colabore.
— Se cuidem e sigam os protocolos como uso de máscara, álcool gel e distanciamento físico. Evitem aglomerações.
Lain finaliza:
— A sociedade vive duas realidades: aqueles que já viram que a situação é realmente crítica e aqueles que acreditaram que a crise já tinha passado e que o Brasil seria uma ilha de saúde no meio de uma pandemia.
SAIBA MAIS
:: Caxias do Sul tem sete hospitais. Há 224 respiradores, sendo que 208 estão disponíveis na UTI e, destes, 181 estão ocupados.
:: No Pompéia, há 58 respiradores e neste momento 56 estão em uso. Além disso, não há como comprar outros equipamentos porque não há estrutura para ampliação e tampouco equipe médica e de enfermagem para atuar.
:: Os hospitais têm avaliado o cenário diariamente para garantir os atendimentos de urgência e emergência, que são aqueles em que o paciente precisa ser atendido em até 12 horas para evitar agravamento no quadro de saúde. Nessa situação são remanejados leitos, uma vez que as alas, centros cirúrgicos e UTIs estão separados entre pacientes covid e não covid.
:: O setor de urgência bem como Hemodinâmica ou Centro Cirúrgico no Hospital da Unimed, por exemplo, fica reservado todo tempo para esses casos. Se um paciente chega com traumatismo craniano, AVC ou infarto, ele é encaminhado para sala de urgência não covid. Dali segue para realizar exames de tomografia ou ressonância se precisar, e em seguida para o centro cirúrgico ou UTI ou volta para urgência para reavaliação. Até o momento para que ele tenha acesso ao leito, estão sendo remanejados leitos de demais espaços do hospital.
:: No Pompéia, os serviços de urgência e emergência também são mantidos. O hospital reestruturou a sala de recuperação para atender as demais patologias. Também é acionada a Central de Leitos para casos em que o paciente possa ser transferido para demais hospitais da região, que tenham leitos disponíveis para o atendimento.
:: As cirurgias eletivas estão canceladas então os hospitais têm usado respiradores de anestesia, que apresentam condições para uso, e são um suporte em determinados casos.
:: Os hospitais têm aberto leitos com equipes de apoio e médicos de outras especialidades vêm sendo acionados para atender na linha de frente. No entanto, a capacidade de realizar manobras está se esgotando porque todos os setores estão ocupados e faltam profissionais capacitados no mercado.