Ao não resistir à covid-19 e falecer em São Marcos, dona Ancila Fontana tornou-se, aos 101 anos, a vítima mais idosa da doença no Nordeste gaúcho até agora. A matriarca de uma família de nove filhos, 15 netos e seis bisnetos não tinha nenhuma doença prévia e havia tomado a primeira dose da vacina contra a covid. Ela teve resultado positivo em teste coletado no dia 23 de fevereiro, chegou a ser liberada da internação do Hospital São João Bosco no dia 25 e voltou a ser internada 48 horas depois, falecendo na última segunda-feira (1º).
— A covid alcançou ela enfraquecida pela idade, mas não precisou ser intubada, não foi para a UTI. Ela fez a primeira vacina, então por isso a gente acredita que foi mais leve. Tanto que quando ela baixou o hospital foi porque ela estava com uma febrinha e o médico teve quase certeza que era uma pneumonia leve, porque o pulmão estava bem. Ele fez o teste, deu negativo e ela foi para casa bem. Aí ela teve febre de novo, retornou. Mas ela não teve sofrimento, graças a Deus. Faleceu no quarto, segurando a mão da filha mais nova, que sempre cuidou dela — relata uma das filhas, Maria de Lurdes Fontana Grison, a Lurdinha, que já presidiu a Fundação de Assistência Social (FAS) de Caxias do Sul.
Forte, dócil e trabalhadora, Ancila dedicou a vida à família e ao comércio. Natural de Flores da Cunha, mudou-se para São Marcos com o marido, Evaristo Fontana, logo após o casamento, em 1938. Na cidade, criaram um armazém de secos e molhados que evoluiu com o tempo e foi o local de trabalho de Ancila até os 79 anos. Além da assistência à loja, não abria mão da atenção aos filhos. Cozinheira de mão cheia, Ancila demonstrava o amor pela família através do cuidado e do preparo do prato preferido para cada um que a visitava. Determinada, batalhou ao lado do marido para que todos os filhos pudessem dar continuidade aos estudos.
— Tinha uma coisa linda sobre a minha mãe, que não queria falar errado, pedia com muita humildade que a gente a corrigisse. Ela empregava o português correto, que aprendeu com os filhos. Era muito elegante, caprichosa, gostava de usar salto alto quando mais jovem, de andar com os cabelos arrumados, sempre muito cuidadosa consigo e conosco — descreve Lurdinha.
Ancila só se afastou da loja devido a uma fratura do fêmur. Dez anos depois, com o falecimento do marido aos 96 anos, sentiu a tristeza da despedida e passou a fazer uso de um calmante. Lúcida e ativa, tomava apenas suplementos como vitaminas e sais minerais. Aos 97 anos, superou, com sessões de radioterapia, um câncer. Além do marido, Ancila já havia perdido dois filhos — um deles, Plinio, em agosto do ano passado, também para a covid-19.
— Se eu pudesse me queixar de alguma coisa da minha mãe é que ela tinha muita pressa. Não dava tempo para fazer o que ela nos pedia. Se a gente demorasse um pouquinho, fazia ela. Sempre dizia que dava pulos de sete metros, para dar conta de tudo — recorda a filha Lurdinha.
Apesar de não conversar nos últimos tempos, Ancila ainda entendia e se expressava. A família atribuiu a lucidez ao perfil ativo e à saúde espiritual que ela mantinha através das orações diárias. Com o passar dos anos, a matriarca passou a ampliar as demonstrações de afeto, como lembra uma das netas:
— A vó era uma querida, uma linda inspiração para a gente. Viveu na simplicidade dela, foi uma guerreira e à medida que foi envelhecendo não se tornou uma ranzinza, reclamona. Muito pelo contrário, sempre tinha algo bom para dizer — definiu Aline Fontana.