O ano de 2021 ficará marcado como aquele sem a folia do Carnaval em Caxias do Sul. As medidas de enfrentamento da covid-19, tais como a não realização de aglomerações e distanciamento social impossibilitaram a execução da festa, decisão tomada entre a prefeitura e os representantes de blocos de rua e das escolas de samba ainda em janeiro.
As pessoas que orientam o seu ano a partir do Carnaval são as que mais sentem o impacto. Uma delas é Leonardo Ferrolho, 34 anos, produtor de eventos, organizador e vocalista do Bloco da Ovelha. Segundo ele, no seu caso e dos demais organizadores do Bloco, a máxima de que, no Brasil, o ano só começa depois do Carnaval funciona ao pé da letra.
— O prejuízo emocional é o que mais a gente sente, porque a gente realmente guia o nosso ano pelo Carnaval. Ele é o nosso principal evento. A preparação começa em junho e julho, e a gente já está com a cabeça em fevereiro, organizando uma programação toda, que inicia em outubro, de apresentações e ensaios, até chegar em fevereiro, que é quando ela encerra. Sem ter essa referência temporal, dá uma quebrada no nosso psicológico, fica sem ter um dos principais dias para o nosso ano — explica Ferrolho.
Além de toda a parte sentimental, Ferrolho lembra que o evento afeta toda uma cadeia econômica que gira em torno desses dias de folia.
— Só no Bloco da Ovelha são mais de 130 pessoas diretamente empregadas, tanto na parte artística quanto operacional, sem contar fornecedores, terceirizados e toda a cadeia do poder público. Então, são em torno de 200 pessoas diretamente envolvidas que são impactadas. Outro ponto que afeta bastante é o turismo, porque muitas pessoas vêm de vários lugares para acompanhar o Carnaval em Caxias e, com uma agenda que tem sido extensa, passam vários dias consumindo aqui e trazendo retorno para a cidade e o comércio local — pontua.
Um dos maiores e mais tradicionais blocos de rua da cidade, o Bloco da Velha, não realizará nem mesmo comemoração no formato virtual neste ano. O empresário e organizador Guilherme Martinato, 40, comenta que não existe uma estimativa exata do prejuízo que a não realização do evento vai gerar, mas que isso tem uma representação muito grande. Segundo ele, mais de 300 pessoas trabalham no Bloco da Velha, de forma direta ou indireta.
— Obviamente tem impacto direto a essas pessoas e empresas. O impacto para a cidade também é enorme. Existem vários estudos feitos em carnavais de outras cidades, e também para impactos culturais, que para cada um real investido no evento, volta mais ou menos sete para a sociedade. Representa muito, até porque, só no Bloco da Velha são mais de 50 mil pessoas que frequentam o evento — destaca Martinato.
No entanto, ele ressalta que a vida importa muito mais do que qualquer prejuízo para o Bloco, para as diversas empresas e pessoas envolvidas, ou para a cidade.
— A gente está pedindo para as pessoas, na época de Carnaval, para tentar se cuidar ao máximo, fazer um Carnaval diferente esse ano. A Velha do nosso bloco vai ficar de pantufa em casa, assistindo filme e lendo livro, bem tranquila. É o momento de pensar um pouco mais nos outros e tomar bastante cuidado, para que a gente passe por esse momento e logo volte a se divertir com bastante aglomeração — aconselha.
Para o empresário e organizador do Bloco do Luizinho, Leonardo Santos, 34, mais afetados do que o próprio Bar do Luizinho que deixa de arrecadar sem o Carnaval, são os profissionais que dependem dos trabalhos que a festa gera. Entre eles estão as costureiras, as empresas de confecção de abadás, as equipes de som, luz e estrutura, as equipes de bar e segurança e os vendedores ambulantes.
— Muita gente que trabalha acaba saindo prejudicado, porque um evento grande como o nosso atrai cerca de 20 mil pessoas e demanda em torno de 200 pessoas ou mais, direta ou indiretamente. Então, são valores que deixam de circular sem essa renda dessas pessoas. Prejuízo para nós não têm, no caso, apenas deixamos de ganhar, até porque como o custo é bastante elevado, acaba não gerando lucro significativo. Uma pena mesmo, são as pessoas que dependem muito desse evento, que acabam muitas vezes passando despercebidas — revela.
"A gente não vive do Carnaval"
O motorista autônomo Vagner Santos Macedo, 40, é compositor e intérprete da escola de samba Pérola Negra, de Caxias. Ele afirma que a pandemia só veio para agregar aos dilemas já enfrentados pelos carnavalescos na cidade.
— Ficamos anos sem o Carnaval. Não teve mais incentivo e apoio (por parte da prefeitura). Ficou bem complicado e com a pandemia ficou mais triste ainda. A gente estava se planejando para voltar novamente o Carnaval de Rua de escola de samba, com desfile cenográfico na avenida. Com essa pandemia, todo o planejamento foi por água abaixo. Nessas condições de distanciamento e cuidados que a gente tem que ter, sem aglomeração, não há possibilidade nenhuma — lamenta Macedo.
Segundo ele, durante a pandemia, a escola de samba chegou a desenvolver outros projetos educacionais, além do Carnaval, para não deixar de lado a continuidade do trabalho e manter pessoas ligadas à Pérola Negra. As atividades precisaram ser cessadas mediante os riscos de contágio do vírus. Vagner avalia ainda que é impossível pessoas serem sustentadas apenas por trabalhos carnavalescos no município.
— O Carnaval de Caxias é feito por trabalhadores, que trabalham em outras funções, têm seus empregos, suas profissões em outras atividades. A gente não vive do Carnaval. Muito pelo contrário, a gente tira dinheiro do bolso para pôr no Carnaval, essa é a verdade. Carnaval em Caxias é para quem gosta, para quem tem amor pelo que faz, para quem realmente está ali porque quer fazer a coisa acontecer, não que vá ganhar dinheiro ou vá sobreviver de Carnaval. Infelizmente, a gente faz porque a gente ama essa cultura. Caxias está longe disso (das pessoas sobreviverem apenas do evento) — esclarece.
O presidente da escola de samba Incríveis do Ritmo, o metalúrgico Solano Garcez, 37, relata que no período em que o Carnaval não ocorria nas ruas da cidade em anos anteriores, a equipe estava realizando um evento dentro da comunidade. No ano passado, houve o retorno com apresentação e desfile simbólico na Sinimbu, o que precisou ser interrompido neste ano.
— Os integrantes sentem falta dos ensaios, das festas na quadra, das confecções de fantasias, alegorias, adereços, ensaios da bateria. Para tudo é preciso ter ajuda e aí se aglomeram para que se possa fazer acontecer os trabalhos. Nos reunimos e decidimos que não será feito qualquer tipo de comemoração para carnaval este ano enquanto esta situação do covid não for amenizada. Estamos otimistas que, em breve, tudo se estabeleça e aí sim poderemos voltar a pensar em reunir nossa comunidade para fazer um bom carnaval — projeta Garcez.
Para compensar a falta da folia
Entre os blocos de rua e escolas de samba pesquisados pela reportagem, o Bloco da Ovelha é o único que pensou em novas estratégias para amenizar a falta do Carnaval neste ano. A organização preparou um samba-enredo intitulado “Carnaval não tem cura”, que será lançado nas redes sociais na próxima sexta-feira (19).
Neste ano houve a coroação da Ovelheza 2021, em que foi reeleita Danielle Oss Correa por mais um ano. Ela representa a Comunidade Down Caxias.
O Bloco também estará disponibilizando abadás com ilustração do Epic Studio. Com todos os protocolos sanitários, a sede do grupo, o Bar da Paralela está abrindo desde sábado (13) com reservas de mesas em uma programação alusiva ao festejo.
O próximo passo é organizar estratégias para 2022
A secretária da Cultura da cidade, Aline Zilli, afirma que em função da pandemia não havia expectativa nenhuma de festejo e a decisão foi tomada de forma tranquila com os blocos e as escolas de samba. O próximo passo agora é organizar estratégias para um Carnaval para o ano que vem.
— A gente vai fazer reuniões de escutas, em uma delas o tema é o Carnaval, justamente para a gente poder de uma maneira geral ouvir tanto a sociedade quanto o pessoal das produções, escolas e dos blocos. A partir disso que damos o start e começamos a trabalhar em como pensar 2022, que cenário teremos e quais são as possibilidades — avalia Aline.
A reunião para discutir o Carnaval faz parte da sequência de uma ação que consiste em alinhar projetos e ações, buscando soluções em conjunto entre as esferas culturais da cidade. O encontro está agendado para o dia 2 de março, às 17h, na Secretaria Municipal da Cultura ( Rua Augusto Pestana, 50, na Estação Férrea).