Todos os números e estatísticas apontam para o quadro crítico que a pandemia do coronavírus está causando na rotina das pessoas. A lotação dos leitos de UTI em todo o território gaúcho alcançou a marca de 94% na sexta-feira (26) e vem em crescimento desde 9 de fevereiro.
As internações em leitos clínicos dobraram em poucos dias – crescimento de 204% em sete dias, segundo levantamento do Comitê de Dados do governo do Rio Grande do Sul. Caxias do Sul e a Serra gaúcha seguem a tendência. A média ponderada no modelo de distanciamento controlado ficou em 2,8 na última semana – a mais alta registrada até o momento. É nesse contexto que o Estado entra para o protocolo de bandeira preta neste sábado (27) até o até o dia 7 de março, prazo que pode ser estendido.
Esse cenário não irá mudar sem a adesão da população. Todos precisam ter paciência e compreensão. O primeiro ponto é de que apenas a redução da circulação de pessoas é capaz de frear a disseminação.
Por mais que leitos de UTI sejam abertos nos próximos dias, ainda faltam profissionais para atender os pacientes e novas estruturas não significam que todos irão se recuperar. Os dados do governo do Estado apontam que cerca de 60% dos pacientes em tratamento intensivo acabam morrendo. Outra ponderação é de que, mesmo em bandeira preta e com toda a população cumprindo as regras, os números não devem arrefecer na próxima semana. As internações hospitalares aumentarão e o número de mortes seguirá a mesma curva.
— Ainda está tendo um número enorme de exames positivos. Esses pacientes recém positivados, se eles complicarem com uma pneumonia será daqui 10 dias. Ainda teremos muita gente se contaminando, as complicações são para 10 a 14 dias depois. Então, vamos com três a quatro semanas bem problemáticas — alerta a médica infectologista Giorgia Torresini.
Essa onda é mais agressiva, como mostram todos os números analisados nas últimas semanas. Para se ter uma base, Caxias vê um crescimento exponencial de pacientes com a infecção ativa desde o dia 3 de fevereiro. O município saiu de 1.278 (um número bem alto) para 3.196, na última sexta-feira (26). Indícios de que a P1, conhecida como variante de Manaus, seja a responsável por esse crescimento, uma vez que o poder de propagação é maior. Cada paciente ativo pode contaminar de duas a três pessoas.
— Está diferente das outras vezes. Esse aumento era visto, mas não tão acelerado quanto essa terceira onda. Por isso são necessárias medidas drásticas e todos esses protocolos, como o município que declarou calamidade pública. Em uma semana, os hospitais lotaram — relata Giorgia.
Num quadro bastante alarmista e sem a colaboração de todos, é difícil que a vida retome a normalidade em 8 de março.
Variante e comportamento, como chegamos à bandeira preta
É difícil cravar uma data que indique quando o vírus se alastrou ainda mais, o que fez a região e o Estado sair da bandeira laranja para classificação de risco altíssimo para o contágio. No entanto, é possível analisar que os cuidados básicos reduziram em janeiro, quando a população vivia uma situação que lembrava a normalidade – a pandemia completou um ano no Brasil na sexta-feira.
Vários fatores podem tentar explicar, mas o comportamento geral é o mais evidente.
— A gente esperava esse surto após o Ano-Novo, só que ele não veio e talvez isso tenha nos dado a falsa segurança, junto da vinda das vacinas, que as coisas estavam resolvidas. Isso pode ter levado o povo a acreditar que isso não iria mais acontecer e ele não se cuidou – pondera Giorgia Torresini.
É nesse contexto que a variante manaura pode explicar tantas mudanças em menos de um mês. A primeira notícia que a mutação circulava no Estado é de 13 de fevereiro. A P1 foi encontrada no diagnóstico de um idoso de 88 anos, morador de Gramado e que sentiu os sintomas em 29 de janeiro – ele faleceu em 10 de fevereiro. Como a vítima não tinha histórico de viagens, trata-se de uma contaminação comunitária e se pode afirmar que o vírus circulava na Serra desde a segunda quinzena de janeiro. Tudo ainda carece de comprovação científica. Só que essa propagação volta ao ponto inicial: o comportamento da população, que precisará mudar. Somente o distanciamento e a restrição de pessoas nas ruas são capazes de evitar colapso hospitalar e perdas.