Há quem argumente que a atenção em relação ao coronavírus deveria recair sobre os casos considerados recuperados. Tecnicamente, são classificados assim os pacientes que tiveram resultado positivo para a covid há mais de 14 dias. Isso não significa necessariamente que essas pessoas, que são 93% dos casos confirmados da região, estão saudáveis ou retomaram, já naquele momento, à vida que tinham antes, sem sequelas ou complicações.
Diabético e hipertenso, o advogado de Farroupilha Carlos Roberto Georg, 60 anos, precisou de atendimento médico para tratar um problema vascular no fim de outubro do ano passado. Em 2 de novembro, a mulher, Márcia Georg, 56, percebeu a debilidade física dele, com agravamento respiratório, e o levou para o hospital. Meia hora depois, ele já havia sido intubado em um processo de internação que levou 16 dias na UTI e outros 14 no quarto.
Mais de um mês depois da alta, Carlos Roberto ainda precisa do cuidado constante da família, contou com enfermeiros e fisioterapeuta, além de quatro consultas médicas para tratar uma sequência de problemas. Com a voz debilitada, ele gravou um vídeo para ser usado pela Secretaria de Saúde de Farroupilha como forma de alerta, contando como a recuperação é lenta e complicada. "Eu não sei se o sofrimento é maior lá (no hospital) ou depois, porque as consequências são irreparáveis. Não podemos baixar a guarda", diz.
— São as reação que vêm depois da contaminação. As medicações também trazem as consequências. O rim não funcionou bem, ele teve contingência urinária de 48 horas, problema de circulação, uma das pernas inchou violentamente. E tomou uma medicação que deu problemas na pele, uma reação alérgica fez com que abrisse feridas e a pela descascasse três vezes. Ele também tem problemas motores, dificuldade para erguer os braços, de equilíbrio, o corpo está muito fraco. Ele ainda não está recuperado — enumera Márcia.
O processo doloroso do ponto de vista físico veio na sequência de um sofrimento emocional que ainda não havia sido completamente elaborado. Carlos é filho da primeira vítima da covid-19 em Farroupilha, Dona Edy Fetter Georg, que morreu em maio, aos 92 anos. Ela vivia em uma casa de repouso e não teve contato com a família desde o início da pandemia. Eles souberam que a matriarca estava com coronavírus através de um programa de rádio em que profissionais da área da saúde do município relataram que idosos da casa de repouso teriam contraído o vírus e haviam sido levados ao hospital.
Após oito dias de internação, Dona Edy não resistiu. O velório de uma das cidadãs mais estimadas de Farroupilha, neta de um dos fundadores da cidade, foi o de praxe das vítimas da covid:
— Durou 15 minutos o velório da minha sogra. Não houve uma despedida. Ela não se despediu dos filhos, nem dos filhos dela, nem ela da sociedade. Ela deixou de existir. O ser humano aprende as partes da vida, como se fosse ter um segmento: nasce, quem é religioso tem que ter um batismo, passa pelo processo do casamento, vai conviver com alguém, vai ser avô, até o momento em que tem a tua partida. É por isso que existem atos da despedida. A pessoa foi acostumada ao longo da sua vivência na sociedade a ter o ritual da passagem. E por isso, para todos aqueles que perderam seus entes pelo coronavírus levam muito mais tempo para assimilar — lamenta Márcia.