Pacientes que sofrem com transtornos mentais enfrentam dificuldades quando precisam de atendimento de urgência e emergência em Caxias do Sul. Uma mãe de 63 anos reclama da demora no atendimento psiquiátrico na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Central, o antigo Postão. Ela precisou de consulta de urgência para o filho dela, de 38 anos, no último dia 23. Ele passou mal durante o dia, vomitou e foi levado para atendimento na UPA.
— Meu filho se separou e está enfrentando problemas com depressão. Passei um bom tempo com ele na UPA Central até que fosse medicado e atendido.
Depois da consulta, mãe e filho voltaram para casa. Por volta das 19h, ele começou a manifestar novos distúrbios. As crises se intensificaram e, às 2h, ela teve que acionar o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu). A equipe foi até a casa dela e, em meia hora, o técnico em enfermagem conteve o homem. Na UPA, a espera foi longa.
— Eu estava cansada de cuidar dele o dia inteiro. Já tinha estado na UPA e acabamos ficando quase 24 horas esperando pelo atendimento psiquiátrico. Foram mais de 30 horas ao todo. Tinha uma idosa com uns 70 anos e ela esperou dois dias pelo atendimento, bem como outra moça que estava com o irmão esperando internação há 48 horas. É difícil lidar com isso, ficar ao lado de alguém surtado, sem controle e não poder fazer nada —lamenta ela.
A mulher questiona ainda se esse é o tratamento adequado. Ela conta que há anos é voluntária e ajuda pessoas que enfrentam dependência e precisam de atendimento especializado:
— Tiro crianças das drogas há anos. Essa luta não é só pelo meu filho, e sim por aqueles da rua, aqueles que atendo, dou comida, que não tem ninguém por eles. Tem que tratar essas pessoas, elas têm direito a tratamento. Caxias do Sul está cheia de pessoas com problemas com álcool e drogas.
Para ela é necessário ampliar a equipe de profissionais.
— Tem que contratar mais psiquiatras porque a demanda é imensa e os que estão trabalhando não conseguem atender todos. Demorou, mas ao menos ele foi bem atendido. Agora meu filho está medicado e tem respondido bem ao tratamento, mas é preciso mais profissionais que possam ajudar quem precisa — desabafa.
Contraponto
O diretor da Rede Municipal de Urgência e Emergência, Fabio Baldisserotto, admite que há demora no atendimento. Ele explica que a situação se repete há anos devido à dificuldade de contratar psiquiatras que aceitem trabalhar no serviço público. A baixa renumeração seria um dos motivos para a baixa adesão de profissionais:
— O ideal seria termos mais psiquiatras na rede e que os atendimentos fossem nos Caps. Assim, o paciente passaria pela UPA Central e iria para o atendimento especializado, onde o psiquiatra definiria se ele seria internado ou não. Talvez passasse apenas a noite na UPA, por exemplo.
Baldisserotto ressalta que ampliar o número de profissionais é um desafio.
— A nossa luta é conseguir médicos interessados em fazer concurso para atuar na rede pública. Isso passa pela mudança na legislação para contratar especialistas porque eles fizeram especializações e não vão trabalhar por salários baixos. Os que ficam são mais velhos e pensam na aposentadoria, mas não conseguimos atrair o interesse dos mais novos. É um problema que tentamos resolver a cerca de oito a dez anos — explica ele.
O diretor explica que não há portaria que determine a presença de psiquiatras na UPA. Ele acredita que a unidade de Caxias do Sul seja uma das poucas que conte com o serviço justamente por causa da deficiência na rede. Contudo, o profissional atua apenas 6 horas no serviço de urgência e emergência, e não é sempre que há médico disponível para ser escalado, por isso, ocorre a demora:
— Atendimento psiquiátrico na UPA é uma particularidade de Caxias porque temos dificuldade em contratação para a rede de saúde metal. Ele será atendido pelo clínico primeiro. Depois, temos médico psiquiatra durante seis horas por dia de plantão, mas não 24 horas à disposição. Optamos por centralizar na UPA Central porque o psiquiatra estará ali e é ele quem vai decidir quem irá ser internado ou não.
Segundo o diretor, a média de atendimentos psiquiátricos fica em torno de oito a 12 pacientes por dia. Esses são os que ficam para avaliação encaminhados pelo clínico geral que estiver de plantão e que avalia a necessidade de passar pelo especialista. Os demais são atendidos e liberados.
— Sabemos que há demora, mas é a maneira que conseguimos para atender. Às vezes acontece de o paciente chegar pela manhã e ser atendido pelo especialista só no outro dia à tarde. Há muitos casos em que o paciente fica na UPA mais de 24 horas, mas não conseguimos resolver essa situação se não pudermos atrair o interesse dos profissionais para trabalhar na rede pública de saúde.
Como funciona
:: O Samu somente atende casos quando há risco iminente de vida, ou seja quando a pessoa pode machucar a si mesmo ou outras pessoas. Caso, a pessoa em surto esteja com uma arma de fogo ou faca, o Samu vai acompanhado da Brigada Militar (BM) e, nos demais casos, pela Guarda Municipal (GM).
::Na ambulância, está um técnico de enfermagem e motorista. Se o técnico percebe que há risco de vida no transporte, ou se a pessoa já tentou se machucar e está ferida ou inconsciente, ele aciona a unidade avançada que leva o paciente para a internação hospitalar.
:: Nos demais casos, o paciente é levado para a UPA Central, que conta com serviço de psiquiatria. A primeira avaliação é com o clínico geral. O médico avalia a situação e decide se a pessoa precisa de atendimento psiquiátrico, se apenas a medicação basta ou se será encaminhado para um dos serviços da rede.
:: Caso precise do especialista, o paciente terá que esperar porque nem sempre há um profissional disponível, já que eles cumprem carga de cerca de seis horas e, às vezes, há médico pela manhã e em outras à tarde ou à noite.
:: Se o indicado for a internação, o paciente é cadastrado na Central de Leitos. Enquanto aguarda o leito, ele fica em uma ala da UPA, medicado e com demais pacientes. Antes, havia uma ala específica para atendimento psiquiátrico, mas devido à pandemia de coronavírus, as salas precisaram ser reorganizadas;
:: Os leitos de psiquiatria não têm demanda reprimida, mas para que o paciente seja internado, é preciso ser transportado. Só há uma ambulância, o que pode fazer com que demora ainda mais para que ele seja levado para o serviço indicado.
Aumento na demanda devido à pandemia
A diretora da Rede de Atenção Psicossocial, Marina Guerra, afirma que a procura por atendimentos aumentou em função da pandemia de coronavírus. Não há um levantamento atual, mas em outubro a demanda no setor, que já era reprimida, havia aumentado em algumas especialidades e reduzido em outras. Em agosto, a lista de espera contava com 2.625 adultos e, em outubro, o número passou para 2.695. Na psicoterapia, eram 2.046 e, agora, são 2.421. Já na psiquiatria infantil, em agostodo ano passado havia 290 crianças esperando por atendimento e, agora, há 215 na lista de espera. Na psicoterapia infantil, eram 1.829 pacientes na fila há dois meses, sendo 1.935 atualmente.
— É sabido que a demanda aumentou em virtude da pandemia, seja pela questão da doença e também pela questão financeira já que muitas pessoas perderam os empregos ou tiveram que abrir mão do plano de saúde. Não temos números, mas é evidente a sobrecarga na rede. Temos nos organizado para atender a demanda do momento e para qualificar ainda mais os serviços.