A pandemia de coronavírus e, consequentemente, o medo do contágio, o isolamento e o distanciamento físico desencadeados pela doença tem impacto direto na saúde mental. Especialistas debatem o tema e discutem a chamada "coronophobia" que, em tradução livre, significa "coronofobia". O termo é usado para designar essa preocupação e os transtornos provocados em uma parcela da população mundial.
No Rio Grande do Sul, uma pesquisa realizada pela Coordenação Estadual de Saúde Mental da Secretaria Estadual da Saúde (SES) apontou aumento na busca por atendimento nos postos de saúde e nos serviços da atenção especializada desde o início da pandemia de coronavírus. A pesquisa foi respondida por gestores de 402 municípios gaúchos.
Nos serviços da Atenção Básica, como nas Unidades Básicas e Estratégia Saúde da Família, 78% gestores municipais perceberam um aumento na demanda por este tipo de atendimento. Nos serviços da atenção especializada, os Centros de Atenção Psicossocial, esse aumento foi relatado por 68% dos gestores. Não há um levantamento específico de cada região.
Em Caxias do Sul, a demanda no setor, que já era reprimida, aumentou em algumas especialidades e reduziu em outras. Em agosto, a lista de espera contava com 2.625 adultos e, em outubro, o número passou para 2.695. Na psicoterapia eram 2.046 e, agora, são 2.421. Já na psiquiatria infantil, em agosto 290 crianças esperavam por atendimento e, agora, há 215 na lista de espera. Na psicoterapia infantil eram 1.829 há dois meses, sendo 1.935 atualmente.
De acordo com Diretora da Rede de Atenção Psicossocial, Nívea dos Santos da Rosa, no começo de março as consultas para psiquiatria adulta tiveram um aumento significativo. Contudo, apesar do número de profissionais afastados, o município criou estratégias para atender o maior número de pessoas.
— Conseguimos retomar as consultas, mesmo com o quadro de especialistas reduzido. Temos mantido um índice positivo apesar da demanda reprimida, que já é histórica, e conseguimos reduzir as consultas de psiquiatria infantil, por exemplo — destaca a diretora.
Ela ressalta que em outras áreas a demanda cresceu:
— Na psicoterapia adulta tivemos aumento porque temos serviços que prestam atendimento e as consultas foram suspensas. Então, não conseguimos ter o controle porque não há um prontuário integrado. Já na psicoterapia infantil o aumento foi em virtude da suspensão do atendimento de grupos.
Nívea afirma ainda que a pandemia reflete diretamente nos números, não apenas porque foi preciso suspender atendimentos, reduzir consultas e trabalhar com equipes reduzidas, mas pela necessidade dos caxienses de buscar ajuda para encarar os impactos da doença.
— A pandemia vai deixar sua marca, um rastro de pólvora, e temos muito o que pensar em saúde mental. Pensar a saúde como um todo, em investimento e não como gasto. Nesse sentido, talvez essas filas de espera possam de fato reduzirem — afirma a diretora.
MEDO, ANGÚSTIA E ANSIEDADE
Entre os principais sintomas de saúde mental que estão fazendo as pessoas procurarem mais os serviços de saúde estão o nervosismo ou tensão, a perturbação de sono e o uso abusivo de álcool ou medicamentos e outras drogas. Os medos mais comuns são o de ser infectado e contaminar outras pessoas, especialmente, quem está no grupo de risco; de morrer, ficar doente ou, até mesmo, os reflexos econômicos, como perder o emprego ou passar por dificuldades financeiras. Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental, a psicóloga de Caxias do Sul, Joselaine de Barros, confirma que a busca por atendimento aumentou também nos consultórios:
— A demanda aumentou tanto de pacientes que estavam de alta e voltaram, quanto de pacientes novos. Eu costumo dizer que tudo o que as pessoas tinham antes foi potencializado nesse período, como se a gente colocasse uma lupa sobre os problemas.
Para a psicóloga Gabriela Azevedo, uma das idealizadoras do projeto Rever Psi, criado para incentivar o autocuidado, o maior medo nos consultórios é o de contagiar o outro.
— Esse é o maior medo das pessoas. Não o de adoecer, mas de adoecer e perder alguém próximo. Às pessoas estão mais preocupadas com quem está ao seu redor. Temos visto quadros de sofrimento gerados por medo ou culpa por ter ido passar umas horas com algum familiar e poder ter transmitido o vírus — ressalta Gabriela.
Outro fator é a série de novos hábitos e medidas de higiene que podem contribuir para a intensificação dos quadros associados de ansiedade, incluindo pânico, depressão, angústia, comportamentos obsessivos, acumulação, paranoia, evitar pessoas e situações, desesperança e desespero.
— Uma pessoa que tinha traços obsessivos compulsivos com a questão de limpeza, por exemplo, agora ficou muito mais ligada e brigando com a família porque, por mais que os outros se cuidem, para quem tem o transtorno nunca será suficiente — afirma Joselaine.
ISOLAMENTO E DISTANCIAMENTO TAMBÉM AFETAM A MENTE
O isolamento e o distanciamento físico e as novas rotinas geram oscilação emocional porque há necessidade de certeza e de controle.
— O nosso cérebro não funciona bem com a falta de previsibilidade e de futuro. Muita gente tinha formatura, festas, casamento programados. Tudo isso deixou de existir de uma hora para a outra e a gente não sabe mensurar que tipo de traumas vai deixar. Mas, com certeza, uma parcela da população vai apresentar ou já está apresentando sintomas e traumas em função da pandemia — aponta a especialista Joselaine de Barros.
Para a psicóloga Gabriela Azevedo esse é um fator determinante.
— O isolamento e a falta de contato com a família também geram angústia e afetam a saúde mental. Não é fácil passar meses sem ver amigos e familiares. Isso tem gerado ou potencializado crises de ansiedade, depressivas e outras. A falta de lazer também tem afetado. Isso tem trazido crises de ansiedade mais constantes — frisa ela.
Joselaine ressalta ainda que o ser humano é completamente sociável e a mudança das rotinas provoca prejuízos à mente:
— Esse período de isolamento e afastamento traz prejuízos para as pessoas porque o convívio social é protetor do nosso sistema psíquico. As relações nos fazem bem, nos trazem saúde mental. A interação social é necessária e estamos privados de tudo isso.
A psicóloga Gabriela Azevedo afirma que o corpo emite sinais e que cada um deve ficar atento ao que ele diz, e também manter determinados cuidados para se cuidar e cuidar do outro.
— Temos que estar atentos e ter paciência com as situações que não podemos mudar e cuidado consigo mesmo. É necessário tolerância, temos que entender que existe uma diferença entre sair e ir numa festa clandestina e sair para ir jantar na casa dos pais, irmãos ou amigos . O ideal seria não ir? Seria, mas o ideal também seria que a pandemia não existisse.
Outro fator determinante é o luto sendo que, para muitas famílias, a pandemia tem sido um adeus forçado das gerações mais antigas, levando pais e avós sem permitir uma despedida devido ao risco de contágio.
— O luto é um rito. Ele é um momento que precisa de despedida e velório. Não sabemos ainda como será o desdobramento de não ter esse ritual. Cada pessoa enfrenta e encara essa dor de uma maneira pessoal, mas há reflexos por não poder estar com o familiar no hospital. Isso vai dificultar a aceitação e elaboração desse luto — acredita a especialista Joselaine de Barros.
Transtorno de estresse pós-traumático (Tept)
Estudos apontam que 20% da população poderá apresentar transtornos de estresse pós-traumático (Tept) em função da pandemia.
— É um transtorno que surge sempre depois de um evento importante na vida da pessoa e um evento estressor, normalmente. Como a pandemia ainda é nova não temos dados reais e concretos do que aconteceu com a saúde mental das pessoas. Muitos vão sair mais fortes e preparados para enfrentar os desafios que a vida impõe, outros não — considera Joselaine.
Para ela, o impacto também é diferente para cada geração porque cada ciclo tem um prejuízo diferente e é preciso atenção à população mais vulnerável. Outra parcela que tem sido impactada diretamente são os profissionais da saúde.
— Deveria haver políticas públicas para buscar formas de atender a todas as pessoas que apresentem sintomas e precisem de ajuda.
COMO LIDAR COM O MEDO
Daniela Farias de Azevedo, 22 anos, é recepcionista do Hospital Geral. Ela faz terapia, academia e dança desde o ano passado. Como sofre de transtorno de ansiedade, aliou as sessões com a psicóloga às consultas com uma psiquiatra. No primeiro mês da pandemia, decidiu ficar na casa do namorado para evitar contaminar a mãe, que é do grupo de risco.
— Fiquei preocupada, foi um susto grande porque minha mãe tem doença autoimune. A gente fica meio paranoico. Eu não fazia terapia porque não me sentia à vontade nas consultas online. E cada dia no hospital era uma regra nova. Sentia uma indignação grande de estarmos na linha de frente e com medo de levar o vírus para casa. Eu via falta de empatia e de respeito com o outro.
Ela lembra que, cada vez que atendia um paciente com suspeita do vírus, ficava apavorada. Entre o final de abril e começo de maio, Daniela foi afastada do trabalho devido às crises de ansiedade.
— Tive sintomas psicológicos. Eu ficava: "será que eu peguei? Será que não peguei?". Os primeiros meses foram complicados. Agora me sinto bem mais tranquila. Entendi que se eu fizer a minha parte tudo bem. Se eu saio, me cuido, voltei a fazer o que eu gosto, com todos os cuidados.
O amigo de Daniela, Pedro Cavare, 27, também trabalha na recepção do Hospital Geral e é DJ e produtor de eventos na Level Cult. Com o vírus, ele não pode mais trabalhar com o que mais ama.
— Nunca estamos preparados para o novo ainda mais quando é algo que muda a tua vida da noite para o dia. Uma das maiores paixões da minha vida é tocar e produzir eventos e a pandemia me tirou isso porque não era só um trabalho, era um hobby.
Ele já fazia terapia mas, com o vírus, precisou de remédios para a ansiedade:
— No hospital lidamos com pessoas doentes e temos que estar bem para receber a todos de forma humanizada. Com o vírus, tive que trabalhar essas questões: deixar o que amo e trabalhar com doença todos os dias de cabeça erguida e um sorriso no rosto. Fiquei mal por um tempo e a terapia me fez pesquisar o que fazer para não sofrer tanto. Me aproximei de colegas de trabalho e nos tornamos uma família.
DICAS PARA MANTER A SAÚDE MENTAL
:: Procure manter as rotinas de sono.
:: Faça exercícios físicos.
:: Tenha uma alimentação saudável.
:: Cuidar dos outros também faz bem.
:: Não se exponha tanto às informações ao longo do dia e procure fontes fidedignas e em alguns horários específicos.
:: Evite cigarros, álcool e outras drogas.
:: Mantenha o contato virtual com familiares e amigos.
:: Esteja alerta aos sinais de estresse e raiva nas crianças e idosos.
:: Ajude as crianças a se expressarem, com atividades criativas e lúdicas.
:: Leia livros e ouça músicas.
:: Converse sobre medos e angústias.
:: Busque atendimento médico quando necessário.
Leia também
Atleta que jogou final de campeonato com covid-19 em Gramado vai ser julgado no âmbito esportivo
Aulas presenciais na rede municipal de Farroupilha serão retomadas somente em 2021
Bênção dos Capuchinhos volta para a Praça Dante, após veto polêmico no ano passado