Com as crianças mais tempo em casa, a preocupação dos pais também aumenta quanto aos cuidados que devem ter para evitar os acidentes domésticos com os pequenos. Depois das quedas, as queimaduras são as que mais causam internações no país. De acordo com um levantamento da Sociedade Brasileira de Queimaduras, a cada 10 casos de queimaduras, quatro são registradas com crianças.
Para Carlos Gandara, cirurgião pediátrico caxiense que atende os problemas cirúrgicos de crianças e realiza o atendimento inicial em queimaduras infantis, esses casos estão sempre presentes. Mas, com o isolamento dos pequenos, foi percebido um aumento das ocorrências.
— O fato de as pessoas estarem mais tempo de casa, se dedicarem às suas lidas de cozinhar, coisas de casa, tem exposto mais as crianças a risco de acidentes. Isso era comum antes da pandemia, mas a impressão que a gente tem é que a pandemia agravou as queimaduras em crianças — descreve Gandara, que também é chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Geral e professor do Departamento de Cirurgia da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Segundo a Secretaria da Saúde de Caxias do Sul, de janeiro a novembro de 2020 foram registrados oito casos de queimaduras em crianças de 0 a 12 anos. Destes, cinco foram pequenos, dois por agentes químicos e um grande queimado. No entanto, Carlos Gandara enaltece que, na cidade, o número é bem mais expressivo do que o informado pela pasta municipal.
— Só no Hospital Geral atendemos muito mais que isso. Certamente tem um sub-registro dessas queimaduras, porque as graves é que acabam internando e ficando registrado. Mas a maioria das queimaduras são leves e moderadas. No Hospital Geral temos visto e tratado crianças queimadas todos os meses — explana Gandara.
Segundo o Ministério da Saúde, só em 2019, 21.023 crianças com idade de zero a 14 anos foram hospitalizadas vítimas de queimaduras no Brasil. Em 2018, 200 crianças dessa faixa etária morreram por esse motivo e, desse total, 73 tinham entre um e quatro anos de idade. Os menores têm a pele mais fina e se queimam a temperaturas mais baixas e de forma mais rápida.
Conforme explica o cirurgião pediátrico, melhor do que saber como agir em situações de queimaduras, é realizar a prevenção passiva, com ações que evitam esses acidentes domésticos.
— Muito melhor do que uma mãe dizendo “olha fulaninho, não faz isso ou aquilo”, é uma cerquinha ou uma portinha na cozinha mantendo as crianças longe da cozinha. Não precisa tomar uma atitude, o mecanismo de prevenção já está ali — elucida.
Com fogo não se brinca
A história de vida da agricultora caxiense Marina Silvana Menzomo Strapasson, 40 anos, foi caracterizada por marcas e trauma de fogo desde pequena. Isso porque quando ela tinha apenas um ano e meio, estava sentada no colo da tia e, em um momento de descuido, pegou a caneca de café quente da mesa e acabou derrubando por cima do corpo.
— No susto, minha tia colocou a mão sobre a queimadura e deu uma leve pressão e isso ajudou a roupa a grudar na pele. Aí fez uma queimadura de terceiro grau. Uma das coisas que me lembro foi de uma raspagem, com médicos e a mãe me segurando. Depois daquele dia, eles começaram a me sedar para eu não me debater muito, sendo que a raspagem era feita dia sim, dia não, até começar a cicatrizar. Mas assim mesmo ficou uma cicatriz — descreve Marina, que precisou passar por procedimentos estéticos e hoje tem uma pequena marca no peito.
Os dois filhos de Marina, Luiz Felipe, 12, e Liandri, 7, ouvem os relatos da mãe e já sabem que com fogo não se brinca. A experiência e o medo da moradora de São Vitor da 4ª Légua, em Galópolis, servem de alerta para as crianças da casa.
— Eu consegui conscientizar eles que mexer com fogo, bebidas quentes ou qualquer outra coisa que envolva fogão e panela é perigoso e produz marcas irreparáveis, no corpo e na mente. Eles são bem obedientes e não mexem. Até peço para minha mãe se é coisa da minha imaginação ou se realmente aconteceu. E ela sempre fala que isso aconteceu e foi o pior momento da vida dela, pois marcou demais. Falo que é uma lembrança de criança que eu não precisava ter — lamenta.
Marina recomenda que os pais dos pequenos precisam prestar atenção para que previnam todas essas situações dolorosas pelas quais ela precisou se submeter.
— As pessoas têm que se conscientizar que ficam marcas para sempre. A minha história, graças a Deus, é pequena, comparada com as de muitas crianças que têm histórias piores. Se os pais tomarem cuidados, isso é bem evitável — alerta a agricultora.
Como prevenir queimaduras em casa?
:: Manter as crianças longe da cozinha e do fogão, principalmente durante o preparo das refeições.
:: Cozinhar nas bocas de trás do fogão e sempre com os cabos das panelas virados para dentro.
:: O uso de protetores de fogão é um cuidado a mais para evitar que a criança tenha acesso às panelas.
:: Evitar cuidar, ficar perto ou carregar as crianças no colo enquanto mexe em panelas no fogão ou manipula líquidos quentes.
:: Deixar comidas e líquidos quentes no centro da mesa, longe do alcance das crianças.
:: Não utilizar toalhas de mesa compridas ou jogos americanos.
:: Durante o banho do bebê, colocar primeiro a água fria e verificar a temperatura da banheira imergindo a mão inteira na água, espalhando os dedos e movendo a mão por toda a extensão da banheira, para ter certeza de que não há nenhum ponto muito quente.
:: Não deixar as crianças brincarem por perto quando você estiver passando roupa ou utilizando outro aparelho que produza calor, como secador de cabelo. Ao utilizá-los, desligar e tirar da tomada e os guardar longe do alcance das crianças.
:: Evitar brinquedos com elementos de aquecimento, como baterias e tomadas elétricas, para crianças com menos de oito anos.
:: Guardar fósforos, isqueiros, velas e outros produtos inflamáveis em locais altos e trancados.
:: Proteger as tomadas por tampas apropriadas, esparadrapo, fita isolante ou mesmo cobertas por móveis.
(Fonte: Criança Segura Brasil)
O que fazer quando a criança se queima?
:: O adulto deve manter a calma.
:: Retirar a roupa da criança, porque o vestuário mantém o calor e aumenta a queimadura.
:: Levar a criança para uma fonte de água fria (não gelada), seja um chuveiro ou torneira, para interromper o mecanismo de queimadura, na medida em que esfria a pele.
:: Enrolar o pequeno em um pano, toalha ou lençol limpo, e procurar com urgência um centro de atendimento.
:: É importante também manter a criança sem ingerir nada. Muitos procedimentos cirúrgicos e curativos são feitos com anestesias e é essencial que os pequenos estejam em jejum.
:: Em Caxias do Sul, é aconselhável que se direcione para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) ou Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima. Caso for necessário, é feito o encaminhamento ao Hospital Geral.
O que não deve ser feito após a queimadura?
O adulto não deve passar nada na queimadura. Muitas vezes, são depositados produtos como pasta de dente, café ou borra de café e vinagre. O cirurgião pediátrico destaca que é importante que não seja passado nada na queimadura, até mesmo porque isso pode causar ainda mais sofrimento quando for necessário retirar aquilo.