Mais do que uma opção de lazer, ir às praias do Litoral Norte gaúcho tem ares de ritual obrigatório para boa parte da população da Serra - mesmo no ano em que a pandemia de coronavírus transformou praticamente tudo que era comum. Com expectativa de receber a mesma quantidade de visitantes de 2019, a paisagem em Arroio do Sal na semana da virada do ano segue praticamente inalterada. A exceção são as máscaras de proteção, exigidas por decreto municipal para evitar a propagação do vírus e adotada na circulação pela área central da cidade, mas dispensada por praticamente a totalidade dos banhistas na beira da praia.
Na tarde da última terça-feira (29), a exceção era a família Rossa, na praia de Areias Brancas. A professora de dança Gilmara, 28 anos, aproveitava a folga de cinco dias ao lado dos pais Rosmari, 58, balconista, e Gilmar, 59, promotor de eventos. De Caxias do Sul, eles frequentam a praia há pelo menos 10 anos. Protegidos do sol, na sombra da casinha dos guarda-vidas, o trio também se protegia do coronavírus usando permanentemente as máscaras de tecido.
Hospedada no Hotel Bolzan, a família garante que, apesar de ser a única com o acessório de proteção na praia, se sentia segura para curtir o veraneio. O distanciamento de pelo menos três metros entre os grupos, também previsto em decreto, e os cuidados adotados pelo hotel eram suficientes, segundo eles, para curtir o descanso de fim de ano.
- É importante se cuidar em todos os lugares. Com segurança, a gente precisa cuidar um pouco da mente também, porque foi um ano muito cansativo e estressante - afirma Gilmara.
Enquanto os Rossa pretendiam seguir com o roteiro restrito da areia ao hotel, onde inclusive fazem as refeições, a maioria dos turistas mantém o hábito de circular pelo comércio central de Arroio do Sal. Os proprietários de bares e restaurantes não reclamam do movimento, semelhante ao de outros anos nesta época, mas de uma restrição imposta pelo decreto municipal que trata sobre o enfrentamento da pandemia: todos os estabelecimentos devem estar fechados à 1 hora da madrugada.
Proprietária da sorveteria Urca, localizada na esquina das ruas Assis Brasil e Independência, Roziane Happeck afirma que a demanda, tanto pelo bufê como por embalagens para levar para casa, segue a mesma. O que tem dificultado o negócio é o horário de funcionamento:
- As pessoas gostam de jantar, ver a novela, e só depois dar uma volta, passar aqui e tomar um sorvete. Normalmente a gente atendia até as 4h, ano passado fomos até 5h30min no Réveillon. Isso atrapalha, tá todo mundo reclamando - conta.
Item raro para os banhistas
Quem não parece ter reclamações são os donos de supermercados. Além de atenderem os veranistas mais cautelosos, que preferem fazer as refeições em casa para evitar aglomerações, ainda colhem os frutos de outra mudança de comportamento. Segundo o gerente geral da unidade do Andreazza em Arroio do Sal, Arlei Leite, neste ano o supermercado não verificou a tradicional queda nas vendas no período de baixa temporada, durante os meses de inverno. Desde abril, no início da pandemia, o movimento é constante.
- A gente percebe que houve uma mudança. Quem tem casa por aqui e já está aposentado, migrou de vez. Agora intensificou um pouco mais o fluxo, nós estendemos o horário, mas não é uma diferença tão grande do que vivemos nos outros meses - afirma.
Outra mudança de comportamento dos frequentadores de Arroio do Sal, essa verificada pelos corretores de imóveis Airton dos Santos e Andreia Rodrigues, é a demanda por casas com piscina. Eles contam que perceberam um movimento cerca de 20% menor nos dias próximos do Natal, mas que a procura por aluguéis de temporada se intensificou nas vésperas da virada.
- As pessoas deixaram para decidir na última hora, talvez por não saberem o que ia acontecer, se a praia ia estar liberada ou não. Quem chega agora ainda consegue aluguel, mas com um valor mais alto. No ano passado, em outubro, já não tinha mais nada. E de janeiro em diante é uma incógnita - conta Andreia.
- A gente percebe que as pessoas vieram, mas não estão circulando muito, estão respeitando o espaço público, com algumas exceções, é claro - complementa Airton.
Na beira da praia, o clima que impera é o de um verão como qualquer outro, em que o objetivo é aproveitar o mar e o calor, sem grandes preocupações. Vindo de Estrela, no Vale do Taquari, um grupo de amigas decidiu veranear em Arroio do Sal pela primeira vez. Ao alugar uma casa por seis dias, a atendente Isabel Cristina Schuster, 35 anos, a aposentada Marlene Webers, 56, a médica pediatra Kátia Webers, 30, e a manicure Ana Paula Schuster, 31, só queiram saber de diversão:
- Embora a gente esteja sem máscara agora, estamos nos cuidando. E estamos aproveitando muito, tem sido dias maravilhosos para aproveitar entre amigas - comemora Kátia.
Em Curumim, a tranquilidade costumeira
A tônica de despreocupação à beira-mar se repete em Curumim, praia de Capão da Canoa também bastante frequentada por moradores da Serra. Com ampla faixa de areia, os grupos de banhistas mantinham o distanciamento na manhã de quarta-feira, mas também dispensavam o uso de máscara.
O casal de Caxias do Sul formado pela costureira Dirce Costella, 63 anos, e o metalúrgico aposentado Antônio Costella, 68, apertou o passo rumo à areia, por volta de 8h30min, para garantir um bom espaço para a família, que chegaria meia hora depois.
- Parece que o movimento está menor, mas pode ser porque as pessoas estão mais espalhadas. A gente tem conseguido aproveitar muito bem, usando a máscara para chegar aqui e cuidando da distância depois - afirma Dirce, que vai passar uma temporada de 15 dias em uma casa emprestada por amigos.
Para quem quiser se hospedar em hotel, pelo menos no mais tradicional de Curumim, não vai mais encontrar vagas para a virada do ano. Lívia Morsolin, 18 anos, filha dos proprietários do Hotel Galo, diz que houve cancelamentos de reservas na época em que a faixa de areia foi interditada pelo governo do Estado, no início do mês. Porém, com a liberação e a proximidade das festas de fim de ano, a procura aumentou, esgotando a lotação nesta semana. Para ela, que é neta dos fundadores do hotel criado há 40 anos, parece um verão como qualquer outro, com exceção dos protocolos de segurança exigidos pela pandemia.
- Conseguimos nos adaptar bem, e os hóspedes também estão colaborando bastante, cumprindo o que é necessário. E o movimento no centro me parece até maior do que no ano passado.