Pedro tem seis anos. É filho único de uma família de classe média/alta. Começou 2020 na expectativa de dar início, de fato, à alfabetização na "escola grande". Os pais rodaram a cidade até escolherem a melhor escola para Pedro. Todos ficaram felizes, pois o pai conseguirá deixar o menino na porta do colégio, que é no caminho para o escritório.
João também tem seis anos. Mora na periferia, com outros cinco irmãos, cercado por problemas sociais dos mais diversos. Também está animado após ter conseguido vaga na escola pública do bairro. O pai de João é pedreiro. Sai para trabalhar às 6h30min e só volta à noite. A mãe cuida da casa e fica com os olhos atentos aos dois irmãos menores de João, que ainda não tiveram contato com o ambiente escolar. Todos ficaram felizes, já que não será necessário se deslocar quilômetros, de ônibus, para deixar os meninos no colégio.
Pedro e João jamais imaginavam que uma pandemia fosse mudar o rumo de um ano que começou tão alegre. As aulas pararam. Os pais de Pedro passaram a trabalhar em casa, em home office. Pedro, inicialmente, ficou com eles. Passava os dias brincando, assistindo a desenhos na TV ou no tablet e jogando videogame.
Com tudo parado, o pai de João também parou. Inclusive, de receber os rendimentos da empresa que o havia contratado para executar uma obra grande na cidade e que sustentaria a família. O home office dele virou a sola do sapato em busca de alternativas. Sem aulas, João foi fazer o que mais gosta: jogar bola nas vielas esburacadas do bairro.
Assim que as aulas retornaram, de forma remota, Pedro não teve grandes dificuldades tecnológicas de adaptação. Tinha internet rápida e conseguia acessar os mais diversos conteúdos enviados pelos professores. Chamava o pai ou a mãe quase o tempo todo, sempre que precisava tirar dúvidas. João pouco teve contato com a internet na vida. Os pais, muito menos. Sem internet, usava o celular da mãe, que geralmente não supria as necessidades. O pai, que havia voltado a trabalhar, desdobrava-se para buscar as tarefas impressas na escola e as devolver assim que o menino as tentasse completá-las.
A era forçada do home office e das aulas remotas na pandemia escancarou um abismo social, que historicamente aflige lares brasileiros, entre Pedro e João. Mas também trouxe prejuízos a ambos. Mesmo que em algum momento Pedro pudesse ter vantagem pelos recursos tecnológicos a mais que possuía em relação a João, as telas estão muito longe de substituir o presencial na educação. O 2020 em que se tentou inovar para que um ano inteiro não fosse perdido nas escolas certamente precisará ser recuperado. Resta saber por quanto tempo as sequelas deixadas vão demorar para cicatrizar.
Para ler ouvindo
Nada Será Como Antes, de Milton Nascimento