No Brasil, desde o início da pandemia do coronavírus, em fevereiro deste ano, mais de 6,6 milhões de pessoas foram infectadas com a doença (com dados até o dia 7 de dezembro). Desse número, cerca de 5,7 milhões já se recuperaram da covid-19. Na Serra gaúcha, a taxa é superior a 88% de recuperados. Municípios como Nova Petrópolis, Bento Gonçalves, Gramado, Canela, Farroupilha e Garibaldi contam com mais de 92% de recuperados.
Em Cotiporã, uma das 155 pessoas recuperadas da covid-19 (84,69%) é Catharina Maria Zardo Bessega, 100 anos, moradora do pequeno município próximo à Veranópolis, conhecida como a Terra da Longevidade. Longevidade é, justamente, uma das características que acompanha Catharina, ao lado do bom humor e da força de vontade. Ela afirmou que não pensava em chegar até essa idade. E este ano a comemoração ainda foi em dose dupla.
Um dia antes de completar um século de vida, Catharina recebeu alta no Hospital São Peregrino Lazziozi (HCSPL), depois de enfrentar o coronavírus. O dia 24 de outubro de 2020 ficará marcado na história da família, que devido à pandemia precisou cancelar os planos de fazer uma comemoração, até porque, a aglomeração ia ser grande demais. Catharina tem oito filhos, 30 netos, 44 bisnetos e quatro tataranetos.
Não foi como o esperado, mas Catharina comemorou o centenário de um modo muito especial. Segundo a nora, Rita Zalamena Bessega, que vive com ela há 52 anos, já foram quatro tortas e ainda virão mais. Como eles não puderam se reunir, alguns familiares resolveram presenteá-la com tortas, para que Catharina se deliciasse junto com Rita e o filho Leonel Bessega.
E uma dessas tortas teve um sabor diferente. O médico Rui Steglich resolveu fazer uma surpresa para Catharina, junto com a secretária de Saúde de Cotiporã, Rozeli Frizon, e da enfermeira Fernanda Grosseli, dias após a data do seu aniversário.
— Resolvemos privilegiar a ela e comemorar esta data. Ela ficou muito feliz e lisonjeada. Passava todo o tempo me abraçando e dizia: "não acredito que o senhor está aqui doutor, veio na minha casa, na minha humilde casa". Isso nos ajuda muito a crescer como pessoa, saber respeitar e amar o próximo, independente da idade e da dificuldade que ele tem. Como médicos, a gente tem uma bandeira para zelar, que é ser transparente e poder ajudar e salvar vidas — comenta Steglich.
"A resposta dela ao tratamento foi magnífica"
O filho Leonel afirmou que, realmente, a recuperação de Catharina foi muito rápida. Aliado a isso, segundo o médico, está o tratamento precoce, que faz a diferença nesses casos. Depois da realização de exames, foram seguidos os protocolos de tratamento para a covid-19 utilizados no hospital de Veranópolis.
Dentre os sintomas apresentados por Catharina estavam falta de ar, indisposição, febre, calafrios e perda do olfato e paladar. Ela ficou internada por cinco dias, mas no terceiro foi para o quarto e não precisou mais utilizar o oxigênio para a recuperação.
—A resposta dela ao tratamento foi magnífica. Ela sempre imaginou que fosse uma pneumonia, mas foi feito o teste e ela realmente estava com covid-19. Cuidar de uma paciente dessa idade, para mim, foi um privilégio. Primeiro, por ver aquela "noninha" toda enrrugadinha, miudinha, carinhosa, querida, precisando de atenção e carinho. Isso me comoveu muito, porque perdi minha mãe há dois meses — relata, emocionado, Steglich.
Assim como o médico, toda a equipe do hospital teve o máximo de carinho e atenção com a paciente. Para eles, foi uma grande honra ter ajudado Catharina a recuperar-se da grave doença, que já vitimou milhares de pessoas em todo o mundo. O HCSPL de Veranópolis é um hospital de referência ao idoso. Isso faz com que cada dia a dedicação da equipe seja maior no atendimento a essas pessoas. A vitalidade de Catharina é admirável. Ao ser questionada sobre qual o segredo para chegar aos 100 anos, ela sugeriu alguns comportamentos.
— Eu vou caminhar todos os dias, até lá em cima na cerquinha. Não gosto de ficar parada. Como de tudo, bebo canja de galinha e sopa de capeletti. Acordo às 8h, mas vou descansar durante o dia também — aconselha.
A nora Rita confirmou que ela segue as recomendações médicas, garantindo a longevidade. A alimentação com produtos orgânicos, cultivados na horta da família, é um dos fatores contribuintes. Catharina perdeu o marido há 17 anos. Segundo o filho Leonel, eles tinham uma relação muito boa e participavam de todos os bailes da terceira idade realizados em Cotiporã e região. Ela largou completamente os serviços na agricultura e está dentro de casa há menos de um ano.
— Ela trabalhou até outro dia. Fazia todos os serviços em casa, comida, de tudo. Ela tem muita disposição. Quero seguir os passos dela e viver até os 100 anos também — afirma Leonel, que sempre viveu junto com a mãe.
As cicatrizes e ensinamentos que a covid-19 deixou
Moradora de Veranópolis, Vanice Kachava, 55 anos, também está dentro das estatísticas de recuperados da covid-19. Entretanto, diferentemente de Catharina, a recuperação foi lenta, complicada e as sequelas continuam. Tudo começou no dia 5 de junho, quando ela sentiu-se indisposta e teve febre. Como os sintomas persistiram e agravaram-se, Vanice foi internada no Hospital São Peregrino Lazziozi (HCSPL), onde ficou alguns dias. Após, precisou ser intubada e encaminhada à UTI do Hospital Geral, em Caxias do Sul.
Ao todo, foram mais de 50 dias entre UTI, CTI e quarto. Vanice perdeu mais de 30 quilos, o movimento de um braço e uma perna e desenvolveu feridas preocupantes por causa dos 14 dias de bruços na UTI, entre outras sequelas. Ela sofre de hipertensão e obesidade, mas jamais pensou que a doença causaria tantos impactos. O marido Miguel, 63, e os filhos Rosane, 25, Rudinei, 31, e Rodrigo, 33, também foram infectados pelo vírus, mas tiveram sintomas leves.
— Quero só agradecer a Deus porque eu estou viva. O pessoal não está se cuidando. Eu que não saí de casa e fiquei me cuidando, mas peguei. Rezem para não pegar, porque isso aí não é brincadeira — adverte.
Os dias de internação foram impactantes. Isso porque Vanice estava sozinha e, nos dias em que ficou na UTI, só ouvia barulhos, mas não falava e não enxergava nada. A família, além de lidar com o enfrentamento da doença, precisou segurar as pontas na agricultura e, também, encarar a morte da mãe de Vanice, que tinha 80 anos e faleceu enquanto a filha estava internada em Caxias.
— Desde o início da pandemia, em março, eu evitei visitar minha mãe com medo de poder infectá-la. Imagina quando a psicóloga me contou, mais de uma semana depois, que minha mãe tinha falecido? Eles optaram por não me contar no dia, pois eu poderia ficar ainda mais fragilizada — recorda.
Cuidados intensivos na volta para casa
Depois que recebeu alta e voltou para casa, foram mais oito dias de cuidados intensivos. No entanto, as feridas que ficaram pelo corpo por causa do tempo em que ficou de bruços na UTI, fizeram com que Vanice precisasse ser internada novamente, onde fez uma cirurgia no peito. Depois de 10 dias, retornou para casa e até hoje enfrenta as sequelas do coronavírus.
— Tenho que fazer curativos duas vezes por dia. E, há uns 15 dias, fiz mais uma cirurgia por conta das feridas. A infecção foi muito forte, tanto que continuo usando antibióticos. Segundo os médicos, vai demorar até fevereiro para as feridas estabilizarem.
Além disso, Vanice faz fisioterapia para recuperar totalmente os movimentos de uma perna e de um braço, como também tratamento fonoaudiológico pois, por conta do respirador, enfrenta dificuldades para falar. Nos primeiros dias em casa, dependeu totalmente da família. A recuperação total do pulmão, de acordo com os médicos, levará mais uns seis meses. Entretanto, Vanice diz que já melhorou cerca de 80%.
— Eu chorei e rezei muito. O dia em que me intubaram para me encaminhar à UTI, eu disse para as enfermeiras: "Nossa Senhora de Lourdes está aqui e vai me trazer de volta viva". Uma das enfermeira disse que, nesse dia, pensou que só um milagre me traria viva, pois conforme os médicos as chances eram pequenas. Foi um milagre. O médico avisou meu filho, em Caxias, que eu teria mais 72 horas de vida, pois o pulmão estava tomado. Eu só tenho que agradecer por ter me recuperado, por ter aberto os olhos de novo para o mundo — conta, emocionada.