Impactados pela pandemia, que fez a atividade econômica despencar em todos os segmentos, os estabelecimentos da Estação Férrea, em Caxias do Sul, começam a perceber um retorno gradual dos clientes. Desde março, três estabelecimentos encerraram as atividades na região: o Mississippi Delta Blues Bar, o Umai-yoo e a La Cantinetta del Mulino. Quem conseguiu superar o momento mais crítico até agora, quando o comércio esteve proibido de atuar, já projeta 2021 em cima do movimento que aos poucos começa a aumentar. A aposta contudo, é que o "novo normal" da estação férrea passe por uma mudança de perfil que já estava em curso, mas acabou impulsionada pela pandemia.
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A saída de cena do Mississippi talvez seja o exemplo mais claro da nova característica da região. As três salas do Moinho da Estação ocupadas pelo bar, darão lugar a empreendimentos gastronômicos previstos para abrirem as portas em março. Esse também deve ser o destino de outras salas vagas, assim como já ocorreu no espaço onde funcionava o La Barra, que deu lugar a uma pizzaria. Além disso, o Pátio da Estação, em construção nas proximidades, também deve contribuir para uma nova vocação.
Conforme a gestora do complexo Moinho da Estação, Eloísa Tondo, o foco na gastronomia tem o potencial de modificar a forma como a população interage com a região, atraindo um público de todas as idades e também recebendo fluxo turístico. Mesmo sem o fim da pandemia, 90% das salas seguem alugadas e a procura pelas que estão vagas é grande.
— Estamos com muita confiança em ser um polo turístico. O poder público está vendo com outros olhos esse local, mais voltado para o turismo. Tem que ser igual a Bento e Gramado — conclui.
Tiago Fiamenghi, co-fundador do movimento Vivacidade, que desenvolve ações para melhorar a relação entre a sociedade e o espaço urbano, também acredita que há uma mudança de vocação.
— Ele deixa de ser noturno e passa a se voltar mais para a gastronomia. Aquela área junto à Secretaria da Cultura seria um grande espaço de serviços, mas também de convívio urbano. Acredito que ali precise de parceria público-privada — observa.
A mudança de perfil também é a alternativa para acabar com as badernas noturnas, que desafiam os empresários, os moradores do entorno e a Brigada Militar (BM). Até então, a aposta principal para resolver o problema era a revitalização do espaço e a instalação de câmeras, dentro de um projeto desenvolvido pela prefeitura. Eloísa apoia a ideia, mas prefere não esperar por entender que é possível revitalizar a convivência sem depender do espaço físico. Por isso, espera que o fim da pandemia seja também um início de um novo ciclo para a estação.
— Gostaria que o ritmo fosse diferente. Não posso voltar ao que era antes porque era muita confusão. Se não tenho segurança e não tenho atrativos, as pessoas não vêm pra cá — analisa.
Projeto não andou
De acordo com o secretário de Planejamento de Caxias do Sul, Adivandro Rech, até 2016 houve conversas iniciais com empresários da região para tirar do papel as melhorias previstas para a estação. A ideia era revitalizar o espaço em uma parceria semelhante às ocorridas para viabilizar a Praça do Trem e a Praça das Feiras.
Segundo o secretário, no entanto, embora haja um projeto básico com bom nível de detalhamento, inclusive com projetos topográficos, não houve avanço nos últimos anos. Ele garante, porém, que a ideia segue nos planos da administração municipal
— Com o redirecionamento de recursos causados pela pandemia também não conseguimos avançar neste ano — justifica.
Segurança e turismo no pós pandemia
Empresários da estação férrea ouvidos pela reportagem se mostram otimistas com a retomada econômica de 2021, apesar de manterem a cautela. Os números até agora mostram que há chances de recuperação, mas eles concordam que é preciso um novo uso para o espaço.
Cristiane Biazus, proprietária da cafeteria Carême, por exemplo, entende ser fundamental que o projeto de revitalização saia do papel para que a estação férrea se viabilize daqui para a frente. Durante a pandemia, o estabelecimento manteve apenas 30% do público. Até as últimas semanas o atendimento havia subido para 50%, mas voltou a cair após o aumento no número de casos de covid. Apesar disso, a empresária aposta em um 2021 bem diferente.
— A expectativa é que o ano que vem volte a funcionar até melhor do que antes. repensamos algumas coisas não só como café, mas como Moinho da Estação. Não para casas noturnas, que é o que descaracterizava aquela região e as pessoas achavam violenta em função da baderna — comenta.
Já Lidia Ribeiro, sócia-proprietária, da Level e da Level Coffee Store, ainda convive com a ameaça de encerramento das atividades da casa noturna, já que as festas ainda não retornaram. Justamente por isso, investiram no segmento de alimentação, no piso inferior. Apesar de atuar em um setor que tende a se tornar minoria, ela também acredita que o futuro da estação passa por transformar o espaço em um destino turístico e com mais segurança.
— Segurança em primeiro lugar, estrutura em segundo e eventos para todos os públicos em terceiro. A estação é da cidade, é do povo. Não podemos querer proibir as pessoas de beberem nas ruas mas assegurar que elas estejam seguras. Ao mesmo tempo não podemos expulsar os moradores do entorno mas sim controlar a poluição sonora e badernas. É inadmissível largar isso aqui, é incompreensível não investir nessa área. Ver empresários indo embora por conta disso dá revolta. Precisamos investir em turismo e cultura na nossa cidade e começar pelos espaços públicos acredito que seja o caminho — argumenta.