A pandemia de coronavírus virou vidas de ponta cabeça, modificou rotinas, impactou a economia e criou um novo normal. O ficar em casa, o distanciamento social necessário foi substituído pelo distanciamento físico ao longo dos meses. Com a reabertura do comércio e dos restaurares e a volta das missas, dos cultos, dos treinos e das escolinhas infantis, recententemente muitos voltaram a sair de casa.
Se por um lado, há aqueles caxienses que desde o início da pandemia encaram com seriedade as medidas de combate e prevenção, também há os que retomam atividades fora de casa. Os isolados estão há quase sete meses sem conversar pessoalmente com quem more em outra casa. Muitas dessas pessoas não têm visto sequer os familiares. Outra parte da população, contudo, não leva as medidas tão a sério. Ou porque não faz parte do grupo de risco e não teme o contágio, ou não tem mais condições físicas e mentais de ficar em casa.
Há ainda os que já encararam o vírus, lutaram contra a doença e voltam a esse novo normal sem a certeza de que estão imunes. São histórias que simbolizam uma nova era e que marcam 2020 como o ano em que cuidar de si se tornou cuidar do outro.
"Eu fiz uma escolha: quis valorizar a vida", conta voluntária que mantém isolamento
Maria do Carmo Rosa Moschen, conhecida por familiares e amigos como Carmem, 60 anos, só saiu de casa uma vez desde que a pandemia começou, há quase sete meses. A saída não foi a passeio, e sim para ir ao médico. O mais difícil neste tempo de isolamento social é ficar sem frequentar os cultos que tanto gosta e não abraçar os amigos e a equipe e pacientes do Hospital Geral (HG), onde voluntaria há 21 anos. Ela também é professora voluntária do Projeto Pescar e mantém as atividades com áudios, vídeos e ligações para atender os alunos.
Carmem mora no bairro Cruzeiro com o marido Marcelino Moschen, 63, que é empresário, e a filha Anna Paula Rosa Moschen, 25, administradora de empresas. Ela conta que, no começo, ficar em casa não foi uma opção e até relutou ao pensar em isolamento. O senso de cuidado e proteção que tem pela família fez com que ligasse para o médico de Mateus Rodolfo Puttow, 24, namorado da filha, para perguntar se o rapaz corria riscos ao sair de casa. O futuro genro é cadeirante desde que sofreu um acidente e Carmem costumava leva-lo às consultas:
— Liguei e perguntei ao médico os procedimentos e, por curiosidade, disse que sou cardíaca, hipertensa, tenho falta de vitamina D e de coagulação. Eu não achei que era tão grave e ainda não tinha 60 anos. O médico disse: "Carmem, você tem que pensar que o risco é muito maior para você do que para o seu genro".
Esse foi o momento em que ela se deu conta da gravidade do vírus e tomou uma decisão.
— Eu fiz uma escolha: quis valorizar a vida. Decidi que ia sair só por extrema necessidade. Essa escolha não é por medo de ser infectada. É para preservar o que temos de mais precioso, que é viver — frisa.
Mesmo em casa, ela contata os pacientes em tratamento no HG. Criou com eles laços de afeto e carinho e faz questão de estar presente para dar força enquanto seguem os tratamentos.
—Não tem sido estressante ficar em casa. O médico diz que é a melhor coisa que eu posso fazer para me preservar e alertou: "a senhora não pode ir em aglomerações, onde tem mais de 10 pessoas respirando o mesmo ar". Eu sigo em casa e faço tudo o que eu gosto, só não posso ir agora onde gostaria de ir —conta Carmem.
Como o marido é saudável, ele mantém a rotina fora do lar. Para se proteger e cuidar de Carmem, tanto ele quanto a filha seguem os protocolos sanitários:
— Quando meu marido chega ele tira a roupa, vai para o banho, troca a máscara até três vezes na rua e tira o calçado na porta. Usamos sabão de glicerina para lavar as mãos com frequência, e ele é quem faz as compras.
Ao chegar com sacolas ou objetos da rua é tudo higienizado.
— As compras são limpas, as sacolinhas, as embalagens. Não guardo imediatamente no armário. Creio que, mesmo quando eu estiver liberada para sair, vou manter os cuidados — acredita.
Ela reafirma:
— Vamos vencer isso e voltar a abraçar quem amamos. Sinto falta de abraços e com esse novo normal é preciso aprender a sorrir com os olhos para acolher as pessoas.
Ela é tão querida pelos amigos que, para matar a saudade, ganhou uma serenata.
— Era um grupo de 15 pessoas. Todos de máscara, distantes, e com capuz porque tinha neblina e chuvisco. A serenata marcou meu coração. O amor que eu levo para as pessoas, eles trouxeram para mim e isso me inspirou a levar essa ideia adiante. Quem é adepto do amor sempre escolhe a vida.
"Meu medo é de contagiar quem amo", conta advogada, que retorna ao novo normal
O novo normal fez com a advogada Andrea Vergamini, 42, entregasse a sala que alugava, onde funcionava o escritório, e passasse a atender os clientes em um coworking, que é um espaço compartilhado de trabalho.
— Quando a pandemia começou, o Fórum fechou e as audiências foram canceladas. Eu entreguei o escritório para reduzir as despesas e migrei para um coworking. Foi um período difícil, mas que nos trouxe lições e alternativas para continuar trabalhando e seguindo em frente — destaca a advogada.
Enquanto na casa dos pais Luís Fernando Vergamini, 73, e Ana Maria Costa Vergamini, 73, tudo é higienizado, na dela as mercadorias saem das sacolas para os armários:
— Não limpo as compras, não passo álcool gel nas sacolas. Uso máscara, é claro, e higienizo as mãos. Tenho cuidados básicos e acredito que as pessoas tem essa noção de fazer o mínimo necessário.
Para ela, a vida foi voltando lentamente a uma normalidade diferente.
— Passei mais de dois meses levando as compras até a porta da casa dos meus pais sem entrar. Hoje entro, mas tenho cuidado com eles. Meu irmão e eu não vamos ao mesmo tempo na casa deles. Quando o vírus era desconhecido, o protocolo era respeitado com mais firmeza e eu só saia o necessário — lembra.
Depois do susto inicial, ela retoma dia a dia as atividades:
—Vou para a academia, almoço fora, tomo café e faço jantas com amigos, atendo aos clientes. Nos reunimos em grupos pequenos e mantemos distância. Cada um leva o próprio copo.
Sem beijos e abraços? — pergunta a repórter
Ela sorri:
— Tivemos que encontrar uma nova forma de nos cumprimentar. Sinto falta dos abraços, mas mantemos distanciamento físico. Sentamos longe um do outro. Tenho vontade de ir em um barzinho, mas sei que se eu não me cuidar não poderei mais ver meus pais. Não tenho medo do vírus, de me contaminar. Meu medo é contagiar quem amo e quem é do grupo de risco. Eu me sinto segura.
Técnica de Enfermagem que já foi contaminada se dedicada a cuidar dos outros
Cristhiane Franqueiro Machado Santiago, 44 , convive com a área de saúde há 20 anos. Trabalhou em emergência, bloco cirúrgico, com doenças contagiosas e pacientes com risco de morte. A técnica em enfermagem foi contaminada com coronavírus em abril. Ela frequenta uma igreja evangélica e trabalha com projetos sociais. Por isso, mesmo depois de encarar o vírus, não parou porque era preciso auxiliar os mais necessitados:
— Tive contato com pessoas infectadas. No começo era tudo muito desconhecido. Ainda estávamos buscando formas de combater o contágio. Tive sintomas leves no começo e depois fiquei mal, com dor no corpo, perdi o paladar e o olfato e tinha uma dor de cabeça insuportável.Passei pela doença, com a graça de Deus.
Ela ressalta que, apesar da incerteza sobre ser imune a um novo contágio, se sente confiante.
— Voltei ao trabalho esperançosa, por mais que não se saiba o que pode acontecer. O cuidado da saúde é olho no olho, no toque. Tenho que me cuidar sempre com pacientes na rua e em casa, porque ainda não tem vacina e não sei se não posso pegar novamente. A minha missão é cuidar bem de mim para cuidar do outro _ afirma.
Ela finaliza que a fé é essencial:
— Eu louvo a Deus porque passei por isso e pude voltar aos projetos sociais e ao hospital com todos os protocolos de segurança. A fé é muito importante em cada área de nossas vidas e, por mais que tenhamos conhecimento em muitas coisas, chega uma hora em que só a fé em Deus te sustenta.
CUIDADOS
No caso de pessoas isoladas que mantêm contato com quem sai de casa, a infectologista Viviane Buffon reforça que os cuidados e protocolos de saúde devem ser mantidos:
— Não compartilhar objetos, reduzir ao máximo contato físico, higienizar sempre as mãos ao chegar em casa, após a retirada de sapatos e roupas usadas no trabalho ou escola. Usar preferencialmente máscara quando estiverem no mesmo ambiente e, quando possível, não compartilhar banheiros e materiais de higiene.
Se houver suspeita de estar com covid-19 e apresentar sintomas, a especialista alerta ainda que o ideal é não ficar na mesma residência.
—Se não for possível, tem que separar a casa em áreas onde os familiares com fator de risco não tenham acesso —orienta ela.
Já àqueles que saem devem respeitar todos os protocolos em vigor, como o uso de máscaras, higienização das mãos, evitar locais com circulação intensa de pessoas e manter o distanciamento físico.