Com portas fechadas desde as primeiras medidas de restrições referentes à covid-19, as casas de eventos da Serra têm passado por dificuldades financeiras em um cenário que se estende a todos os prestadores de serviços ligados ao setor. O agravamento constante da situação, somado à reabertura de restaurantes e escolas autorizada pelo governo do Estado, assim como a retomada de eventos corporativos, motivou uma mobilização estadual de empresários do ramo, ação que também tem participação local.
Na terça-feira (29), grupos de Caxias do Sul e Bento Gonçalves procuraram as respectivas prefeituras em busca de alternativas para uma reabertura das casas de eventos, começando pelas festas infantis. A pauta, que tramita em âmbito estadual, ainda está em fase de tratativas. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES), reuniões com representantes do setor devem ocorrer ainda nesta semana para tratar do assunto que ainda não tem definição.
— A gente não tem mais condições de ficar fechado, todo mundo está abrindo. Acredito que ficamos em um meio termo entre um restaurante e uma escola, ambos setores que estão funcionando. Além disso, desde março as pessoas seguem nos procurando, algo que aumentou ainda mais após a permissão dos eventos corporativos — afirma Dieli Borges, 37, proprietária da Gatto e Topo Festas e Eventos, fundada há seis anos em Caxias do Sul.
Dieli integra um grupo de 14 proprietários de casas de eventos infantis da cidade, que acredita em uma retomada que comece pelas festas de crianças. Segundo ela, a nível estadual, representantes do setor elaboram um protocolo unificado que possa contemplar as necessidades dos eventos, atentando para a segurança dos participantes assim como de todos os trabalhadores.
Conforme a empresária, a retomada dos eventos em sua casa de festas, que fica no bairro Cinquentenário, se daria com redução de ocupação. Atividades que antes recebiam até 100 adultos e 60 crianças provavelmente não receberão mais do que 50 pessoas no total, incluindo equipe de trabalho. A empresária afirma, ainda, que o protocolo unificado deverá contemplar higienização do espaço, uso de máscara obrigatório, distanciamento — entre mesas, brinquedos e até mesmo entre os carros no estacionamento. Brinquedos como as piscinas de bolinha ficarão desativados. Na entrada também seria controlada temperatura e orientada a higienização de mãos e calçados, entre outras medidas.
— As pessoas querem fazer suas festas, mesmo que seja com este novo método de comemorar. As crianças se adaptam facilmente e terão atividades mais individualizadas. Vai ser uma forma de promovermos as festas de um jeito seguro — afirma.
— Poucos estão cancelando, a maioria está reagendando para o ano que vem ou esperando para quando a casa puder reabrir. Quanto mais tempo demora, pior fica a situação — completa a empresária.
Além das festinhas infantis em espera, clientes como a empresária Istela de Lima, 38, também aguardam pela reabertura do espaço de Dieli. Era lá que ela costumava fazer, três vezes ao ano, o desfile de lançamento das novas coleções de sua marca de lingerie.
— Não fazer estes eventos tem interferido diretamente nos resultados porque os produtos que lancei ao longo deste ano, não tive como apresentar pessoalmente para as clientes — afirma a empresária.
Em função da não realização dos eventos deste ano, que começariam em março, Istela estima cerca de 20% de queda nas vendas.
"Festa em casa não tem a mesma magia"
Tanto para as casas de festa, quanto para os pais de crianças que sonham com festinhas temáticas de aniversário, a alternativa desde o início da pandemia tem sido a comemoração em casa. Uma decoração simplificada, com menos convidados, mas que garante que a data seja celebrada em grande estilo.
Foi assim que Aline da Silva Alves, 28, autônoma de Bento Gonçalves, marcou os dois aninhos completados pela filha caçula, Nicole da Silva Alves, no dia 30 de maio. A festa, que teve como tema do Baby Shark, ocorreu no bairro Vila Nova I, na casa onde vive a família, com a presença de avós, dindos e tios mais próximos.
— Foi bem mais trabalhoso porque mesmo contratando tudo, é preciso ficar cuidando da organização durante a festa — avalia a mãe, que planeja, no mesmo formato, a festa da filha mais velha, Emilly da Silva Alves, que vai completar quatro anos em novembro, com o tema da Frozen.
— Se pudesse fazer na casa de festas, com certeza faria. Até porque manteríamos praticamente os mesmos convidados, mas o ambiente, mantendo protocolos, teria um espaço maior, mais arejado, e mais espaço pras crianças brincarem também. Em casa, elas se divertem participando da preparação e tudo mais, mas não tem a mesma magia _ conclui.
Era no Espaço Luluzinha, casa de eventos de Bento Gonçalves, que Aline contratava as comemorações desde o primeiro aninho de Emilly, em 2017. De acordo com a proprietária do espaço, Camila Martins, 30, a realização de festas em casa tem sido uma alternativa durante a pandemia, porém, não chega a representar nem 50% do total de eventos que ela realizava e gera bem menos receita.
— Poucas pessoas cancelaram, a maioria optou por fazer em casa ou por reagendar para mais adiante, quando pudessem fazer algo maior. Não gostaríamos de estender mais esta situação porque, quando reabrirmos, estaremos comprometidos sem poder atender a novos clientes, vai virando uma bola de neve — comenta a empresária, que mantém a casa há sete anos com realização de diversos eventos, sendo eles majoritariamente infantis.
Ela integra um grupo de 13 empresários de Bento Gonçalves que, na terça-feira (28), formularam na prefeitura um ofício, enviado para o governo do Estado, solicitando a reabertura das casas de eventos.
— Todo mundo está retomando, os casos de covid-19 baixaram e nós estamos esquecidos desde março. Sobrevivendo e acumulando dívidas. Sabemos que as pessoas estão fazendo suas festas, em restaurantes, em casa, com 50 ou até 100 pessoas, isso nos revolta e nos prejudica cada vez mais. Queremos ser enxergados e voltar a trabalhar, com protocolos que sejam seguros para todos. Têm sonhos envolvidos nisso também — destacou Camila.
Para reduzir custos, ela está mudando o espaço de eventos do bairro Maria Goretti para Ouro Verde. A situação, segundo ela, repete-se com outras casas, sendo que algumas chegaram a fechar as portas do espaço físico, transferindo materiais e equipamentos para depósitos.
Profissionais sentem os reflexos
Não foi apenas aos proprietários das casas de evento e seus colaboradores fixos que a suspensão da realização de festas impactou. Isso porque, a cada evento realizado, inúmeras pessoas integram a rede direta e indireta de fornecimento e prestação de serviços, envolvendo setores como o de alimentação, empresas fornecedoras de materiais para decoração, equipe de garçons, sonorização, animadores ou artistas contratados, fotógrafos, monitores, equipe de limpeza e segurança, entre tantos outros.
Aos 33 anos, Bruno Marques já contabiliza duas décadas no setor de sonorização em eventos, sendo oito em Caxias do Sul. Ainda no início deste ano, ele chegou a investir em equipamentos novos para qualificar a prestação do serviço nas festas para as quais era contratado. O material, porém, encontra-se desmontado em um depósito desde março e, há pouco mais de um mês, consegue manter sua família trabalhando como motorista de aplicativo — Marques vive com a esposa e a filha de um ano.
— É muito difícil porque é algo que eu realmente gostava de fazer. Me sinto humilhado vendo tudo o que está acontecendo, porque os eventos corporativos estão autorizados, enquanto nós estamos proibidos de trabalhar. Além disso, muitas festas clandestinas estão acontecendo. No final de semana, eu viro a madrugada levando pessoas pra todo canto, em casas onde já cheguei a ver mais de 50 pessoas reunidas. Acho que todo mundo precisa trabalhar, mas que sejam cumpridos, então os protocolos — desabafa o profissional.
Ele conta que ficou até junho sem atividades, quando decidiu abrir um espaço especializado em transmissão de lives com outros dois profissionais de sua área. A iniciativa acabou não dando o retorno esperado, fazendo, então, com que Marques e sua esposa optassem pelo financiamento de um carro que o habilitasse a trabalhar com aplicativos de carona.
— Nossa ideia era dar estrutura para que os artistas fizessem suas lives, mas não deu certo porque os artistas também estão sem dinheiro para investir nisso. É uma realidade muito triste. Muitos trabalhadores de eventos, tanto da sonorização, como fotógrafos e outros profissionais, estão trabalhado como motoristas, isso é injusto até para os motoristas, porque estamos ocupando a área deles e isso reduz o faturamento de todos — comenta Marques.