Poucos poderiam imaginar que aquele 11 de março de 2020 seria tão impactante para as nossas vidas. Quando a prefeitura de Caxias do Sul anunciou o primeiro caso oficial de um morador que havia contraído o coronavírus, ninguém acreditou em tantos transtornos e seis meses de dúvidas. Pode-se afirmar que, desde 22 março, nada mais voltou ao normal e ainda não sabemos se voltará. Esse cenário traz incertezas e uma lista de problemas que precisamos encarar de frente.
— Intoxicados de notícias ruins, cansados de ter que dar conta de tarefas que antes não fazíamos. Inconformados de ter que abrir mão de rituais e rotinas que nos deixavam seguros, de perder a privacidade, ter que lidar com as questões econômicas e adiar prazeres. Além de dar conta das frustrações, nossas e de quem mais convive na mesma casa — enumera a psicóloga e psicanalista Suzymara Trintinaglia.
A luz no fim do túnel é uma vacina, mas ainda é muito difícil projetar que ela estará disponibilizada em 2020. O mesmo vale para um tratamento eficaz e cientificamente comprovado. Tudo isso nos leva ao distanciamento social como única alternativa certa e que precisa de muitas estratégias para ser vencido.
— Quem investiu no conhecimento, viu o mundo de outra maneira e não se sentiu tão vazio. Ainda dá tempo de buscá-lo e dar um gás para aquele trajeto que falta até a linha de chegada. Tente drenar os sentimentos de raiva, afinal já podemos frequentar alguns lugares. Aos poucos já estamos fazendo parte novamente da engrenagem da vida, mas não podemos jogar fora o que investimos, mesmo que a ansiedade pareça incontrolável — ressalta Suzymara.
Os últimos seis meses foram intensos e trouxeram mais dúvidas do que respostas. Uma delas era a expectativa de que sairíamos melhores como sociedade ao final desse processo. No entanto, com os meses de isolamento, essa esperança parece estar se reduzindo aos poucos. As notícias de festas clandestinas, aglomerações em praias e uma aparente desistência de esforço coletivo vai contra todas essas expectativas de mundo melhor. Uma pergunta difícil, mas que nos últimos meses a resposta também parece visível.
— Acredito que haverá um paradoxo entre as pessoas que sairão do mesmo jeito que entraram e aquelas que enxergarão a vida por outra perspectiva. Algumas valorizarão a liberdade e cultivarão outros valores. Enquanto os demais, na primeira oportunidade, despejarão sua raiva reprimida no outro ou contra si mesmo. Acredito que haverão muitos excessos, sejam no álcool, no sexo, em descuidos consigo mesmo ou vivendo a vida como se “amanhã não existisse” — opina Suzymara, que complementa:
— Uma parte irá crescer muito, mudar conceitos, romper crenças e paradigmas. Viverá com mais felicidade interna. Já uma outra parte não mudará seu olhar sobre a vida. Quem sabe até use a tão esperada liberdade para manifestar toda a insatisfação que carrega.