Arquitetos com experiência em patrimônio histórico avaliaram os requisitos do edital para contratação de uma empresa que ficará responsável por fazer um estudo sobre a ocupação do complexo da Maesa, em Caxias, e os consideraram adequados. Um dos profissionais acha que o serviço poderia prever ainda mais uma etapa.
A empresa, que será selecionada a partir de uma licitação em andamento, terá como objeto de trabalho a elaboração de um plano geral, chamado pelos arquitetos de Plano Master, sobre o complexo de edificações onde, no século passado, funcionou a Metalúrgica Abramo Eberle (Maesa), no bairro Exposição. O valor previsto de pagamento à empresa vencedora é de R$ 460 mil. O prazo para a execução é de 120 dias a partir da assinatura do contrato.
O plano consiste em um estudo dos bens imóveis que formam o conjunto, com uma proposta de diretrizes que colaborem para ordenar a ocupação a longo prazo, de acordo com a disponibilidade administrativa e financeira do poder executivo municipal. Segundo a prefeitura, para compor as exigências previstas no edital, foram considerados os apontamentos feitos por duas comissões que já trataram da ocupação (uma em 2015 e outra em 2017) e, principalmente, as especificidades do complexo que foi tombado como patrimônio cultural de Caxias por seu valor histórico e arquitetônico.
A ocupação prevê que a área de 53 mil metros quadrados tenha mercado público, museu da metalurgia, centro de convenções, multipalco para teatro e dança, sala de cinema, biblioteca e estrutura para abrigar órgãos públicos.
A arquiteta Heloíse Salvador, que até o ano passado dirigia a Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Dipahc) e atuava no Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc) de Caxias, avaliou as exigências como procedentes.
– Quem for fazer o trabalho tem que ter experiência. Não é um projeto simples. Achei que até poderia ter mais comprovantes de trabalhos realizados. Aqui em Caxias tem sim muitos profissionais capacitados para isso – declarou a arquiteta.
O arquiteto Carlos Eduardo Mesquita Pedone, especialista em Teoria, História e Crítica da Arquitetura, também avaliou o edital como adequado. O profissional foi cedido pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) ao Dipahc por meio de um convênio que a prefeitura firmou com a instituição em 2012.
– O edital está bem montado, requer comprovação técnica, basicamente tem os elementos necessários – observou.
Pedone participou da elaboração do edital para restauro do prédio onde funciona o Campus 8 da UCS. À época, a preocupação foi dar peso maior à qualificação técnica (70%) do que ao menor preço (30%). O vencedor foi um escritório do Paraná. No caso da Maesa, ele acredita que vai depender do interesse que o edital vai despertar em escritórios de fora do Estado.
– Dependendo do interesse em âmbito nacional, ficamos um pouco mais prejudicados em Caxias pela questão da capacidade técnica. Nesse da universidade, alguns escritórios de Caxias concorreram mas não conseguiram ter a mesma performance do escritório (do Paraná) vencedor – ponderou.
A coordenadora do Projeto Maesa, Rubia Frizzo, disse que a empresa está sendo contratada por meio de licitação para dar suporte ao município e terá de comprovar capacidade técnica para executar o serviço. Segundo ela, o edital foi elaborado pelo quadro técnico da Secretaria de Planejamento, com a Central de Licitações e a procuradoria jurídica do município.
– Quando se trata de poder público, em geral, os requisitos são muitos porque já aconteceu de escritório achar que tem a capacidade e, depois de vencer a licitação, abandonar por não ter a qualificação necessária – ponderou Rubia.
Além disso, a coordenadora do projeto diz que a prefeitura pensou em estender o edital para âmbito internacional, mas considerou que, depois desse plano geral, cada espaço a ser ocupado será tratado individualmente oportunizando até a realização de concurso em alguns casos, como o mercado público, por exemplo, o que vai possibilitar a participação até mesmo individual de profissionais. Rubia informou que na última quinta-feira, a Maesa foi visitada por um escritório de arquitetura de Caxias.
– Imagino que teremos sim interessados locais. Não sei dizer em relação as características mais técnicas do edital, mas imagino que tenham (Seplan) se baseado em outros editais existentes para ser factível. Mas também não podemos deixar de imaginar que se trata de um equipamento grandioso e que precisa ser olhado com essa técnica toda. Sobre ser excludente, acredito que não. Percorremos todos os caminhos legais – disse Rubia.
O estudo
:: O estudo sobre a Maesa prevê que seja executada uma fase de diagnóstico, que inclui a identificação da vocação, ou melhor uso, de cada espaço.
:: Uma segunda etapa é de propostas e inclui a indicação de áreas específicas para cada uma das atividades; indicação de pontos e da viabilidade para instalações hidrossanitárias, elevadores, geradores, centrais de refrigeração, caldeiras e gases combustíveis, acesso de serviços de segurança e conexões com o transporte público, por exemplo, e que tipo de intervenção será necessário, além de medidas de conservação.
Os requisitos
:: Entre os requisitos para que a empresa participe do certame estão: a necessidade de apresentação de documentos e certidões que comprovem a habilitação jurídica e fiscal; a capacidade econômica da empresa, que indique que ela é capaz de iniciar e concluir o trabalho; a inexistência de pendências trabalhistas; e a qualificação técnica por meio dos registros profissionais e comprovações de trabalhos realizados na área de restauração de imóveis reconhecidos como patrimônio histórico cultural, avalizados por órgãos de preservação em alguma das esferas federal, estadual ou municipal.
:: O quadro da empresa deve ter dois arquitetos e seis profissionais auxiliares de desenho técnico.
Divisão de Patrimônio não foi consultada
A publicização do edital pegou a Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Dipahc) da prefeitura de surpresa. É que o documento foi elaborado pela Secretaria de Planejamento (Seplan) sem consulta ao órgão do município especializado no assunto e que é ligado à Secretaria de Cultura.
A atual diretora da Dipahc, arquiteta Rosana Aparecida Guarese, diz que o edital foi elaborado antes de ela assumir o cargo, portanto não sabe se houve ou não assessoramento da Divisão, mas avaliza o trabalho realizado pela Seplan.
– Está totalmente adequado. A intenção do edital é entender a ocupação do todo pra depois trabalhar as partes, então, está correto – analisou Rosana, referindo que o estudo deve apontar qual a vocação de cada espaço para que, depois, sejam trabalhados individualmente.
Segundo o assessor técnico da Dipahc, arquiteto Carlos Eduardo Mesquita Pedone, o edital poderia ser ainda mais exigente no que se refere ao trabalho a ser executado, prevendo que a empresa contratada fizesse um levantamento (informativo e fotográfico) do complexo. Ele explica que esse cadastro tem função de guardar todos os detalhes sobre a edificação, como por exemplo onde há fissuras, infiltrações, o tipo de material usado, medidas, entre outras especificidades:
– Fiquei sabendo desse edital por terceiros, o que é muito estranho para nós. Senti falta do levantamento cadastral, porque as informações que a prefeitura detém do imóvel são ainda de forma genérica, não detalhadas.
Pedone explica que, na arquitetura, as etapas são o levantamento cadastral, o diagnóstico e a apresentação de propostas, que começa pelo plano master e depois parte para cada edifício, e pode ser de restauro ou intervenção a depender do diagnóstico que for feito.
A coordenadora do Projeto Maesa, Rubia Frizzo, disse que a Seplan tem corpo técnico capacitado para elaboração do edital.
Ocupação do local pela Semma é precipitada, diz especialista
Atualmente, dois órgãos públicos municipais ocupam uma pequena parte do complexo da Maesa, a Dipahc e a Guarda Municipal. Além disso, integrantes do Projeto Maesa, da Seplan, utilizam uma sala no local. Sem dar mais detalhes, a diretora da Dipahc, Rosana Aparecida Guarese, disse que o projeto de ocupação de parte da área pela Semma foi apresentado à Divisão que fez pediu mais documentos e devolveu à Semma.
O assessor técnico da Dipahc, arquiteto Carlos Eduardo Mesquita Pedone, avalia como não recomendável que a Semma seja instalada no prédio antes da conclusão do estudo.
– A localização que a Secretaria de Meio Ambiente está pleiteando pode ser adequado, pode não ser. No meu entendimento, é precipitado querer fazer alguma ocupação sem haver este estudo. A Dipahc ocupa uma área que tinha impacto de intervenção, não era uma área histórica do edifício, e a Guarda Municipal está colocada provisoriamente ali mais para garantir a segurança do imóvel. Se for de modo provisório, que possamos reverter essa situação no futuro, a depender do estudo, sim, mas se for de forma definitiva acho precipitado – considera o especialista.
Ele lembra que na época em que a Secretaria de Segurança apresentou um projeto para se instalar na parte onde era uma academia e uma área de festas, a Dipahc observou que seria precipitado.
Sobre a ida da Semma para a Maesa, Rubia Frizzo diz que o prédio que está sendo indicado para ocupação pela secretaria é uma área administrativa do tempo da Eberle e depois da Voges, ou seja, terá as características originais mantidas.
– A escolha do local da Semma foi feita criteriosamente pela prefeitura por se entender que vai estar sendo utilizado com a mesma finalidade que era utilizado anteriormente – declarou.
História
:: Inaugurado em 1948, o complexo Metalúrgica Abramo Eberle Sociedade Anônima, conhecido como a Fábrica 2, concentrava os trabalhos de fundição, mecânica, forja e produção de talheres. Foi lá, por exemplo, que o Monumento ao Imigrante foi fundido, entre 1953 e 1954.
:: O complexo compreende todo o quarteirão entre as ruas Plácido de Castro, Dom José Barea, Pedro Tomasi e Treze de Maio. O prédio segue o estilo das fábricas de padrão manchesteriano e das primeiras de caráter moderno no mundo e no Brasil.
:: Idealizada e projetada pelos arquitetos Silvio Toigo e Romano Lunardi, a Maesa envolve quatro quadras, deixando livre uma grande área verde, uma pracinha, um lago e algumas ruas internas de acesso, onde estão distribuídas galpões e edificações de um e dois andares.
:: Foi doado ao município pelo Estado para ter uso público com finalidade cultural, de equipamentos públicos e de funcionamento de órgãos públicos, garantindo a preservação do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural.
:: Foi declarado patrimônio histórico de Caxias em janeiro de 2015. À época já havia um grupo que discutia a ocupação do espaço. A última empresa a deixar o prédio o fez por determinação da Justiça. Foi a Voges em 2019.