Mais uma vez as famílias que moram próximas ao cânion do Itaimbezinho, penhasco de 720 metros de altura localizado no Parque Aparados da Serra, em Cambará do Sul, convivem com a incerteza e o medo de ter que deixar as casas em que vivem. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu que a posse das terras dentro do parque pertence à União e será repassada ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra o Aparados da Serra.
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Uma dessas famílias é a dos descendentes de Maria de Souza Klipp e Marçal Francisco Klipp. Em junho do ano passado, a 9ª Vara Federal de Porto Alegre havia determinado que os moradores deixassem o Itaimbezinho. Contudo, os advogados da família Klippel, Daniel Bragagnolo e Alexandre Fistarol, recorreram da decisão junto ao TRF4. Novamente, a decisão é em favor da União. A defesa já recorreu da decisão.
- A decisão foi imprecisa, e ficaram lacunas e pontos em aberto, sem a devida fundamentação em alguns pontos específicos. Por exemplo, a decisão tem que englobar todas as pessoas que estão no processo, que são as que vivem em cima desta área, mas há pessoas que não foram sequer qualificadas no processo principal. Entramos com embargos para que a desembargadora se manifeste quanto aos pontos em abertos - explica o advogado Daniel Bragagnolo.
Ele ressalta que o principal ponto é que a União quer tirar os moradores das terras, para passar ao ICMBio, mas o instituto acena com a possibilidade de acordo de permanência das famílias tradicionais no local.
- O ICMBio quer que os descendentes, considerados como famílias tradicionais, permaneçam no espaço. Assim existe uma perda de objeto, portanto não haveria porque existir um desgaste jurídico e emocional, se o instituto permitir que eles continuem por até dez anos no parque. Estamos analisando esse termo de compromisso (acordo) para que nossos clientes (Família Klippel) não sejam prejudicados, e sim que seja de forma justa - diz Bragagnolo.
A Família Klippel tornou-se uma das atrações turísticas do parque. Há um espaço para a visitação, onde estão preservados os utensílios - incluindo a roca e o tear -, os móveis e objetos do casal Maria de Souza Klipp e Marçal Francisco Klipp, que compraram terras no espaço em 1945. Lá, os turistas podem reviver o passado.
- O interesse público prevalece sobre o particular, e como é um parque nacional e tem que ser preservado, há a necessidade de um dia ter que sair. Caso o acordo com o ICMBio de permanência não ocorra, as famílias deveriam ser indenizadas, o que até o momento não ocorreu - explica o advogado.
ANGÚSTIA
Desde que foram notificados sobre a decisão da Justiça, no começo de julho, os casais Maribel Edira Klippel da Silva, 60 anos e Antonio Selomar Rodrigues da Silva, 67, e Loeni Klippel Borges, 68, e Eraldo Klippel, 62, tem convivido com a angústia e o medo.
Maribel e Eraldo são filhos de Maria e Marçal Klipp. Eles lembram como os pais batalharam para comprar uma área de 133 hectares, em Cambará do Sul, na década de 1940. As terras foram vendidas por um madeireiro e o casal pagou em prestações. Em um ponto bem pertinho do cânion Itaimbezinho escolheram construir a casa onde criaram 11 filhos.
As placas no percurso da trilha e as histórias contadas pelos guias turísticos relembram a trajetória da família. Os visitantes podem visitar o Café do Vô Marçal e o Artesanato da Vó Maria, onde ainda são produzidas peças com lã de ovelha, como a matriarca ensinou às filhas e noras. Maria morreu em 2009 e Marçal no ano seguinte.
- Estamos esperando os oficiais de Justiça chegarem a qualquer momento para nos dar novamente um prazo para deixar as terras. Acho que até o final de agosto vão mandar a intimação. Estamos arrasados - desabafa Antonio.
Relembre o caso
As terras, pertencentes às instalações do Parque Nacional de Aparados da Serra, são alvo de disputa judicial desde a década de 1960, quando a União ajuizou a ação de desapropriação. Embora a imissão da posse favorável a União já tivesse sido reconhecida em ação com trânsito em julgado, o extravio dos autos físicos do processo, ocorrido em 1980, fez com que a área continuasse sendo ocupada pelos moradores.
Segundo o último despacho da justiça, a indenização pelas terras já foi paga e, com isso, restaria à saída dos Klippel e de outras famílias da área. A família contesta, e alega que conhecia a sentença, mas que nunca retirou nenhum valor referente ao pagamento pela área, nem antes nem depois da morte do seu Marçal.
- Não queremos sair daqui. As terras são nossas. Foram compradas pelo meu sogro e sogra e com muito sacrifício foi pago, e agora temos que dar para o governo sem receber pagamento algum? Temos escrituras e todos os comprovantes dos impostos que pagamos todos os anos - argumenta Antonio.
Na prática, o último despacho da juíza serve para dar cumprimento àquela sentença da década de 1970. Segundo Bragagnolo, não existe comprovante de pagamento da terra à família Klippel. Ele argumenta que há apenas referências a pagamentos para outras famílias que moravam na região e que, diante disso, saíram do espaço.
Contraponto
A reportagem entrou em contato com a direção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por telefone, e recebeu a orientação de procurar a assessoria de imprensa. O contato foi por e-mail, ainda na quarta-feira (29). Contudo, até o fechamento desta reportagem, o ICMBio ainda não havia se manifestado sobre o assunto.