Nos próximos dias, prefeituras pertencentes à Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne) podem deliberar pela adesão a um novo protocolo clínico farmacológico em nível regional para tratamento precoce da covid-19. A medida, se adotada, permitirá uso ambulatorial de medicamentos considerados controversos, como cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes que apresentarem sintomas iniciais da doença.
A tendência de a região aderir ao tratamento polêmico ocorre justamente poucos dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciar o abandono definitivo de testes em hospitais pelo mundo do uso da hidroxicloroquina, justificando a escassez de resultados positivos das evidências nos estudos realizados até então. Além da OMS, diversas outras entidades e o próprio Ministério da Saúde reconhecem não haver a comprovação científica da eficácia do tratamento à base desses medicamentos e que os estudos que declaram maior probabilidade de recuperação não têm escala probatória suficiente.
Entre os 36 municípios da Amesne, entretanto, a visão é diferente. Segundo revelou o presidente da entidade, José Carlos Breda, na última semana, encaminha-se como unanimidade a aceitação da medida por parte das prefeituras que compõem a região, incluindo as maiores cidades do bloco, Caxias do Sul e Bento Gonçalves.
Na tarde de segunda-feira, inclusive, a prefeitura de Caxias emitiu nota reconhecendo a validade do protocolo voltado ao tratamento precoce, que, segundo o prefeito Flávio Cassina teria o "respaldo de mais de 500 médicos (técnicos da área)", embora tenha ressaltado que "o tratamento só acontecerá se for a vontade do paciente e com a devida prescrição médica". Além disso, o prefeito frisou que o protocolo garantiria "segurança jurídica aos prefeitos".
Apesar de Cassina afirmar que há respaldo técnico, entidades como a Sociedade Brasileira de Imunologia e Sociedade Brasileira de Infectologia emitiram notas contrárias ao uso dos medicamentos pela inexistência do aval científico. O próprio secretário da Saúde de Caxias, Jorge Olavo Hahn Castro, afirmou ao Pioneiro na última semana que considera a alternativa "arriscada". A reportagem pediu a opinião de duas entidades e uma infectologista sobre o assunto. Apenas o Sindicato dos Médicos de Caxias do Sul e Região disse ser favorável ao uso dos medicamentos no tratamento precoce à doença.
Posicionamentos
"O Conselho Municipal de Saúde segue orientação dos conselhos estadual e nacional de saúde e a recomendação de grupos científicos médicos contrários ao uso. Não há embasamento científico nenhum que compre o uso da medicação para melhoria da doença. E o próprio princípio da medicina é primeiro de tudo não fazer mal a ninguém. E não temos essa garantia ainda. Não temos nenhuma base científica séria ainda que comprove essa utilização. A grande Europa também não usa, e se não está dando certo e nem utilizado em nenhum local do mundo, por que precisa ser no Brasil? Isso cria falsa segurança e ganha viés político da covid-19 no Brasil. É preciso mais estudos científicos. Essa medicação nem passou pelo Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) ainda. Os governos usam dessa ferramenta para dar uma falsa impressão de que agora tem medicação. Isso de repassar de dizer que a decisão é do médico é passar a responsabilidade para os profissionais sabendo que pode haver efeitos colaterais no uso da medicação, especialmente cardíacos". Alexandre de Almeida Silva, presidente do Conselho Municipal de Saúde de Caxias
"Acho que adotar um protocolo regional sem embasamento científico é muito arriscado, pois os estudos ainda estão em andamento para verificar se essas medicações têm benefícios claramente definidos diante da pandemia de covid. Alguns estudos já foram conclusivos que não há benefício. Adotar isso como protocolo regional é arriscado e perigoso, não são medicamentos isentos de complicações. Devemos aguardar estudos que comprovem sim os benefícios. Enquanto isso não acontece, qualquer medicação usada é arriscada. Mas se o paciente quiser usar, ele vai assinar um termo de responsabilidade, que ele está usando para um tratamento sem evidência ainda e está ciente dos riscos que podem ocorrer. Não vamos negar que o paciente use, mas não vamos incentivar o uso dessa medicação. Vemos várias opiniões divergentes, até médicas, não muito de especialistas, de outras especialidades. Se esse protocolo cair na mão de um médico a favor, lógico que o uso vai aumentar, mas se cair na mão de um médico que só faz medicina baseada em evidências, ele não vai usar." Giorgia Torresini, infectologista
"Estão sendo feitos esforços científicos para se chegar ao tratamento definitivo e a uma vacina, entretanto, não é de resultado imediato e demanda tempo imprevisível. Na situação em que estamos, devem prevalecer o bom senso e a praticidade. Certamente o vírus não vai esperar estes resultados, ele avança e mata. Temos alguns medicamentos de uso corrente há vários anos, aprovados por agências reguladoras em todo o mundo. Vamos nos referir a dois deles especificamente: a cloroquina/hidroxicloroquina e a ivermectina. No Brasil e no mundo, temos inúmeras comprovações do efeito positivo destes dois medicamentos em hospitais, na rede privada e na rede pública. É irrefutável o seu efeito positivo, com evidências na prática e nos resultados. Dois medicamentos, em uso há anos, sem efeitos colaterais significativos e de nenhuma gravidade. Infelizmente, o uso maciço desses medicamentos tem esbarrado no uso político eleitoreiro de vários governadores (o do Rio Grande do Sul é um deles) e de vários prefeitos. Infelizmente, alguns setores da medicina têm se engajado neste posicionamento político." Marlonei Silveira dos Santos, presidente do Sindicato dos Médicos de Caxias do Sul e Região