O Brasil ultrapassava a China em número de mortes por covid-19, com um total de 7.390, quando quatro médicos gaúchos — um de Porto Alegre e três de Caxias do Sul — embarcaram para Manaus, no dia 5 de maio. A região Norte, que permanece no epicentro brasileiro da pandemia, vinha registrando um aumento significativo de casos e, por isso, a capital do Amazonas, que já contabilizava 649 mortes por covid-19, foi o destino da equipe local.
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O trabalho se deu de forma voluntária, por meio de um programa de convocação do Ministério da Saúde. Durante 10 dias, os profissionais acompanharam de perto a realidade em duas das maiores Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) manauaras, em uma experiência que agora contribui para a continuidade do trabalho local realizado por cada um deles.
— Foi uma experiência bem intensa, complementamos as equipes de lá e tivemos muita troca de conhecimento, mesmo que ainda não se soubesse tanto quanto agora a respeito da doença. Foram trocas bem válidas com médicos de vários lugares do Brasil. Fomos duas vezes para o hotel, no restante do tempo praticamente moramos no hospital. A gente viveu 24h por dia o coronavírus — conta o médico porto-alegrense, Luciano Eifler, 53, que é cirurgião, emergencista e professor do curso de Medicina da Ulbra e da Unisinos.
Logo no primeiro dia, eles foram escalados para o plantão no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, em uma UTI com mais de 20 pacientes internados com complicações por covid-19. Depois, a equipe passou a atuar Hospital de Campanha Nilton Lins, desativado este mês e cujos equipamentos foram redistribuídos pelo Amazonas que, nesta segunda-feira (27), totalizava 3.217 mortes.
— Tivemos uma boa estrutura para trabalhar, estávamos em uma UTI que era referência para a covid-19. Não sei se nessa vida teremos outra pandemia como esta, infelizmente ela aconteceu neste século e nós todos somos protagonistas em relação a tudo o que está acontecendo — comenta o médico, que foi o único do grupo a ser infectado pelo coronavírus durante a missão.
Eifler relata que retornou no dia 12 de maio — o restante da equipe permaneceu até o dia 16 — e apresentou febre e tosse durante três ou quatro dias. O teste positivo e o período de recuperação, que não demandou internação, ocorreram durante o isolamento que ele já havia planejado fazer assim que retornasse. A experiência de atuar no epicentro da doença — e ainda contrair o vírus — hoje é compartilhada em webinars e outros encontros virtuais sobre o assunto.
— De volta ao Rio Grande do Sul, a impressão que fica é de que já passamos pelo epicentro. Entramos em UTIs com mais de 30 pacientes entubados com coronavírus e temos menos receio agora. As diferenças não são muitas, não. Em Manaus, aqui, assim como na Europa, nos Estados Unidos, é triste: pessoas que ficam gravemente enfermas, privadas de receberem visitas e que, quando chegam a precisar de ventilação mecânica, na fase três, na maioria das vezes acabam tendo um desfecho desfavorável — completa o médico.
"À noite conversam, pela manhã estão em coma"
O contato com familiares de pacientes de covid-19 foi um dos pontos que mais marcou a experiência da médica caxiense Priscila Olmi, 36, que também foi para Manaus. Assim como o sofrimento de quem aguarda notícias a respeito de algum familiar internado, pouco se difere, de uma região para a outra, a evolução dos pacientes com covid-19, conforme relata a médica:
— Não ficamos mais surpresos com desfechos inesperados. Alguns pacientes conversam à noite e na manhã seguinte estão em coma. Eles pioram muito rápido. Isso acontecia lá e acontece aqui também.
O acesso à informação em relação aos métodos de prevenção ao coronavírus, assim como os protocolos e a gestão para que os atendimentos do sistema de saúde sejam mantidos são fatores que podem atenuar os impactos da pandemia em nível local, em relação a Manaus, conforme avalia Priscila. A profissional, que atua no Hospital Geral e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Caxias do Sul, conta que ficou angustiada com a situação encontrada no Amazonas.
— Quando aceitei ir a Manaus o meu objetivo era de aprender e trocar experiências para poder aplicar aqui em Caxias. Chegando lá, percebemos que não havia organização, não havia protocolos. A sensação era de que estávamos "secando gelo". Isso porque muito faltou do básico no tratamento aos pacientes. Organizamos o que podíamos, conversamos com as famílias dos pacientes internados e demos a elas um pouco de humanidade — afirma a médica.
Para a médica Samantha de Aspiazu Damiani, 32, outra integrante caxiense do grupo, os intensos 10 dias vivenciados na capital amazonense demonstraram a diferença da atenção primária da Serra gaúcha para Manaus. Segundo a médica, muitos pacientes acabavam descobrindo doenças crônicas durante a internação por covid-19. Os resultados da experiência são percebidos, agora, nos atendimentos que ela presta no Hospital Geral e Hospital Pompéia, de Caxias do Sul, e também na UTI do Hospital São Carlos, em Farroupilha.
— Tive contato com um número maior de pacientes, isso me ajudou no "feeling" para suspeitar de covid-19. Claro que o meu conhecimento e o da comunidade médica ainda está em construção. É uma doença nova, que segue em pesquisa, ainda sem um tratamento definitivo — destaca a médica.