Acesso restrito ou mesmo proibido em áreas de convivência, isolamento máximo com o mínimo contato possível entre hóspedes e funcionários, intensificação dos serviços de limpeza, assim como o adeus às fartas — e tão características — mesas de café da manhã.
Esta é a realidade nos hotéis da Serra gaúcha que se adaptam às transformações impostas pela pandemia mundial de coronavírus, enquanto buscam uma retomada gradativa no atendimento aos turistas que visitam a região. Para permanecerem abertos, todos devem cumprir as normas estaduais, que entre outras regras, determinam a ocupação máxima de 50% para áreas de bandeira laranja.
A redução da circulação de pessoas pelo sistema aéreo, bem como das excursões feitas de ônibus, por meio de agências, segundo administradores e gerentes de hotéis, modifica o perfil dos hóspedes. Famílias e casais que antes vinham de diversas partes do Brasil e até de outros países, agora chegam à Serra de carro, de outras cidades gaúchas ou, no máximo, de Estados como Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Menos dias de estadia e uma concentração maior de público aos finais de semana em relação aos outros dias, também são algumas mudanças geradas por estes fatores.
A possibilidade de afastamento dos grandes centros — onde as restrições e os números de casos de infecção por coronavírus costumam ser maiores —, bem como o acesso a espaços ao ar livre, em meio à natureza, são elencados pelos turistas, mais do que nunca, como os principais atrativos da região.
— A gente queria ter um pouco de vida normal, tomando todos os cuidados, claro. Uma pena que os parques estejam fechados, mas só o fato de podermos ir para restaurantes e lojas, para quem estava praticamente preso em casa, já está valendo muito. Sem contar que os preços estão muito atrativos por causa do baixo movimento — avalia um turista do Rio de Janeiro, que viajou de carro com a família até Gramado com planos de passar uma semana hospedado em uma pousada.
Na tarde ensolarada da última terça-feira, ele passeava com a mulher, os dois filhos e a nora, pela Rua Coberta, ponto conhecido da cidade, praticamente vazia. O gerente operacional carioca, de 43 anos, preferiu não se identificar pois, segundo ele, mesmo que esteja de férias, a orientação da empresa para a qual trabalha é que os funcionários permaneçam em casa, evitando a circulação do vírus. O homem disse ainda que por já ter testado positivo para coronavírus, veio ao Sul mais despreocupado.
EM RETOMADA
Mesmo que ainda baixo, o movimento de turistas é perceptível nas áreas externas de restaurantes, onde o uso de máscaras acaba sendo flexibilizado para consumo de alimentos e bebidas. Lojas abertas e circulação pelas ruas centrais também fazem parte do cenário gramadense, onde os visitantes aproveitam as estadias, sejam elas de uma semana ou de dois dias, como no caso de um casal de Osório, que também passeava pelo centro na tarde de terça-feira.
Há pelo menos 14 anos Gramado é o destino escolhido pelo empresário Márcio Barufi, 46 anos, e pela mulher, a videomaker Aline Santo, 40. Mesmo com a pandemia, eles optaram por celebrar o aniversário de Barufi em uma estadia de dois dias na cidade serrana.
— Estamos tomando todos os cuidados e não trouxemos as crianças para evitar circular o vírus. Notamos que está bem menos movimentado e estamos bem tranquilos com toda a limpeza do hotel, todos os procedimentos que eles tomaram — afirma Aline.
Compreensão às restrições
A mudança na rotina dos hotéis impacta diretamente no atendimento prestado aos hóspedes. Ainda assim, os procedimentos não têm sido empecilho para o aumento gradativo da procura por apartamentos em estabelecimentos como os da rede Laghetto Hotéis, conforme sua reabertura. Localizada no centro de Gramado, a unidade Laghetto Stilo Borges, foi uma das primeiras da rede a abrir as portas, no dia 8 de maio, após a flexibilização dos decretos governamentais. Além dele, outros dois hotéis Laghetto funcionam diariamente em Gramado e três estão abertos somente aos finais de semana.
De acordo com a gerente de marketing, Flaviana Chioquetta, o movimento da retomada foi baixo, mas, nos primeiros finais de semana, começou a aumentar, chegando a atingir 40%. A média dos dias de semana ainda permanece em 10% de ocupação. A expectativa da rede é alcançar lotação máxima — dentro da restrição de 50% — no próximo final de semana, estendido pelo feriado de Corpus Christi, na quinta-feira, e com o Dia dos Namorados, na sexta, data que costuma ter a Serra como destino para muitos casais.
— Nesta época tínhamos hóspedes do Centro-Oeste, Sudeste e até Nordeste. Agora estão vindo de locais mais próximos, em sua maioria de carro. Eles vêm bem conscientes de que encontrarão restrições, como a academia, a piscina e o espaço kids fechados, e a mudança no café da manhã, por exemplo — comenta Flaviana.
Retorno com protocolo rigoroso
Os 85 mil metros quadrados repletos de natureza praticamente no centro de Canela sempre foram o maior atrativo para quem visita a Serra e hospeda-se no Grande Hotel Canela. O empreendimento preserva as origens, mas também garantiu a manutenção e modernização dos espaços ao longo das quatro gerações da família fundadora, que ainda administra o hotel.
Atuando com 50% da capacidade — 47 apartamentos —, o hotel reabriu na última segunda-feira, com 26 hóspedes agendados. Dos quase dois meses e meio nos quais permaneceu fechado, apenas 20% cancelaram definitivamente as reservas, enquanto os 80% restantes optaram por reagendar ou deixar a reserva em aberto, uma vez que o hotel ofereceu o prazo de um ano.
A retomada, que se mostra otimista, tem como pano de fundo um rigoroso protocolo aplicado como forma de prevenção à covid-19, disponibilizado a outros hotéis que tiverem interesse e, sobretudo, a possibilidade de distanciamento que a formatação do Grande Hotel Canela oferece.
Além dos apartamentos convencionais, que passam por rigorosa sanitização e entraram em regime de rodízio quanto à ocupação, o estabelecimento também oferece a opção de hospedagem em chalés. São 34 unidades com um a três quartos, que podem ser ocupadas por um mesmo grupo ou família e permitem pets. Além disso, os amplos salões que sediam as refeições, por exemplo, permitem uma separação dos hóspedes, fomentada ainda pelos horários e pela adaptação no modo de servir, que agora é a la carte.
— Nosso ponto positivo são os espaços grandes. Sabemos que, neste momento, quem viaja, são os menos preocupados com a pandemia. Pensando não apenas no hóspede, mas no colaborador, realizamos treinamentos. Enquanto não tivermos certeza de que é seguro, não afrouxaremos os cuidados — afirma supervisora administrativa e recursos humanos, Fabiana Oliveira.
Aposta na liberdade de circulação
O contato com a natureza e a "liberdade" de circular sem aglomerações é uma das ofertas que fazem o gerente do Hotel Cavalinho Branco, de São Francisco de Paula, João Henrique Barbosa da Rosa, projetar uma retomada rápida, assim que as demais atividades forem normalizadas. Por enquanto, o hotel, às margens do Lago São Bernardo, têm permitido apenas a hospedagem de grupos e famílias do Rio Grande do Sul, sendo a maioria pessoas que buscam menos aglomeração.
— Aqui na cidade temos muita natureza e as pessoas estão cada vez mais atrás disso. Muito do turismo de Gramado e Canela está migrando para cá, mesmo que eles estejam baixando os preços agora. As pessoas não querem preço, querem qualidade, liberdade de caminhar pelo campo, sem máscara — avalia o gerente, que também aposta na proximidade com o hóspede, embora o tempo de pandemia acabe limitando os abraços com os quais ele e a mulher costumam receber os visitantes.
Além dos procedimentos sanitários adotados, o hotel também aproveita o amplo espaço para distribuir grupos de famílias ou excursões, que acabam tendo a possibilidade de se reunir em espaços de convívio, ao mesmo tempo em que permanecem isolados de outros hóspedes, conforme a organização da administração. Apesar das peculiaridades que alimentam o otimismo quanto à retomada, o hotel de São Francisco de Paula já projeta uma perda de 70% no faturamento de 2020.
Sem parques, sem hóspedes
Desde que foi aberto, há cinco anos, o Hostel Cape Town, que fica em Cambará do Sul, teve como objetivo interligar os continentes. A alusão é feita no nome, Cidade do Cabo, capital legislativa da África do Sul, onde fica o parque nacional Table Mountain, com rochas que, de acordo com pesquisadores, seriam uma continuação do Cânion Itaimbezinho, que integra o Parque Nacional de Aparados da Serra, principal destino de quem fica hospedado no hostel. Com o fechamento deste e de outros parques da região, as hospedagens, consequentemente, baixaram.
— Recebíamos pessoas de vários continentes, em sua maioria viajantes individuais, que iam para os cânions e, às vezes, acabavam estendendo o tempo de estadia para conhecerem outros atrativos da região — comenta a proprietária e gerente operacional Renita Licks Carvalho Aguiar.
Desde que reabriu, após dois meses de portas fechadas, o número de hóspedes foi praticamente nulo. Antes da pandemia, o público, formado 40% por moradores da região Sudeste, 20% por estrangeiros e 40% por gente "do Oiapoque ao Chuí", como brincam os proprietários, chegava a uma média de 1,5 mil pessoas ao ano. Com o fechamento dos parques e reagendamento de eventos como o 2º Pedal dos Cânions, que ocorreria no final de março, Renita e o companheiro, Gustavo Deluchi, que também gerencia o hostel, projetam uma retomada lenta após o período de crise.
— Acho que vai demorar, mesmo que tenhamos reagendado as hospedagens previstas para o pedal, por exemplo. As outras, conseguimos remarcar apenas 45% — afirma Deluchi.
O casal acredita, porém, que alguns pontos podem ser favoráveis para o hostel quando as pessoas voltarem a procurar hospedagem na cidade. Um deles é o quesito limpeza, que já tinha o reconhecimento do público por meio de pontuação online e agora pode ser um atrativo diante da preocupação em relação ao coronavírus. Além disso, os hostels que já eram opção para quem procurava baixo custo, podem ganhar ainda mais adeptos em virtude da crise econômica agravada pela pandemia mundial.
Região Uva e Vinho sem feiras
O adiamento da Movelsul — que ocorreria em março e agora tem previsão para setembro —, em Bento Gonçalves, foi apenas um dos impactos gerados pela pandemia no setor hoteleiro da Região Uva e Vinho. De acordo com o Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria (Segh) da Região Uva e Vinho, que abrange 19 municípios da Serra, o turismo de negócios, aliado ao turismo de passeio, é responsável por boa parte da ocupação local, que agora, com 80% dos estabelecimentos abertos, gira em torno de 8% a 10%.
— Exceto por alguns surtos isolados, nossa região está se mantendo bem nas estatísticas de contágio por coronavírus e a perspectiva é de melhora. Além disso, o cenário dos negócios também está começando a melhorar, com o retorno dos passeios aos finais de semana e as vinícolas que começam a reabrir — comenta o presidente do Segh, Vicente Perini, que projeta uma ocupação de até 20% no feriado de Corpus Christi, que inclui o Dia dos Namorados.
PRINCIPAIS MUDANÇAS
:: Recepção
Tapetes com produtos para higienização dos pés, oferta de álcool gel e demarcação de distanciamento entre os clientes que chegam à recepção é praticamente unanimidade nos estabelecimentos. Para inibir a aglomeração de pessoas, o Laghetto passou a incentivar o check in online e o check out por telefone. O local, assim como o Grande Hotel Canela, também mede a temperatura dos hóspedes. O uso de máscara em áreas comuns é obrigatório em todos os hotéis, bem como no hostel.
:: Alimentação
O famoso "café da manhã de hotel" perdeu status com a abolição dos buffets. Como alternativa, a refeição passou a ser servida à la carte, com pedidos feitos pelos hóspedes a partir de comandas. Em alguns estabelecimentos é oferecida, ainda, a opção de receber o café no quarto. Para quem prefere frequentar os salões, em alguns hotéis o horário é estendido e, em outros, adotou-se o sistema de agendamento. Em cumprimento aos decretos governamentais, as mesas ficam afastadas umas das outras. No hostel visitado pela reportagem, o buffet foi substituído por kits que podem ser retirados pelos hóspedes. Os hotéis que ofereciam almoço e/ou jantar suspenderam temporariamente os serviços.
:: Áreas fechadas
Além da redução de 50% no total de apartamentos, áreas de possível aglomeração, como academias, piscinas e espaço kids estão fechadas em todos os estabelecimentos, que também suspenderam a realização de eventos sociais, como jantares temáticos, formaturas, casamentos, entre outros.
:: Higienização
Todos os estabelecimentos intensificaram os processos de limpeza. Os colaboradores usam equipamentos de proteção e passam por capacitação com agentes de saúde. Todos os leitos integram esquema de rodízio, feito de modo que, quando desocupados, permaneçam, pelo menos, 72 horas sem nova ocupação, passando por limpeza com produtos como álcool e desinfetantes. O Hotel Cavalinho Branco realiza um fechamento que dura três dias para limpeza. O estabelecimento também acrescentou cloro na água que abastece chuveiros e torneiras dos apartamentos, e passou a destinar as roupas de cama e toalhas para higienização no modelo hospitalar.
:: Desligamentos
Todos os estabelecimentos visitados efetuaram o desligamento de colaboradores em virtude da redução da demanda por serviços, que vão desde o setor administrativo até o de manutenção da limpeza dos apartamentos. Suspensão de contratos e redução de horários também foram medidas adotadas com o intuito de serem temporárias. Em todos os casos, os hotéis deixaram claro a intenção de readmitir os colaboradores assim que as atividades voltarem à normalidade.
Leia também
Em Caxias do Sul, mais da metade dos casos confirmados de Covid-19 são de pessoas entre 30 e 49 anos