No continente europeu, com o final do distanciamento social em alguns países, a bicicleta tornou-se uma opção para evitar aglomerações no transporte público. Em Paris, a prefeitura liberou verba pública para construção de mais de 600 quilômetros de ciclovia. Em Londres, a ideia é que bicicletas e caminhadas sejam mais usuais, diminuindo a dependência por metrô e ônibus, por exemplo.
No entanto, essa realidade está distante do que vivemos em Caxias do Sul. No município, conforme a prefeitura, ainda não há um aumento considerável de ciclistas nas ruas. Porém, há discussões em torno do tema para que a infraestrutura da cidade seja mais convidativa.
— Existe a ideia de implantação de ciclofaixas, ciclovias, algo nesse sentido. Inclusive, já levei esse assunto ao Conselho Municipal de Trânsito e Transporte (CMTT), mas, de percepção nossa, com relação a um aumento no fluxo, não percebemos nada — conta o secretário de Trânsito, Transportes e Mobilidade de Caxias do Sul, Alfonso Willenbring Júnior.
Segundo o secretário, os órgãos públicos ainda estão deliberando sobre a implantação de ciclovias ou ciclofaixas, para avaliar quais os impactos gerados. Willenbring afirma que os debates sobre o tema já iniciaram e que, junto com as novas gerações, há uma tendência do uso das bicicletas.
— Isso é uma mudança de pensamentos, a nova geração pensa diferente. Sabemos que a população caxiense é vinculada ao conforto pessoal, e isso, eu diria, é quase um comportamento individualista ao excesso. Mas creio que é uma tendência, que vai chegar para nós e temos que estar preparados para ela — expõe.
Rodrigo Guidini é um dos responsáveis pela União dos Ciclistas Caxienses (UNICCA). Fundada em dezembro de 2019, a entidade luta há cerca de 10 anos para defender os interesses dos ciclistas no município. Atuante na área, ele entende que as bikes estão se tornando uma tendência.
— A maioria das capitais do mundo já está vendo a bike como uma solução, não só para o problema de trânsito, como também para solucionar problemas de aglomeração dentro do transporte público. Até como exercício físico, que acaba reduzindo as chances das pessoas terem problemas cardíacos, diabetes — expõe Guidini.
Nesse período de pandemia, ele cita alguns exemplos pelo mundo em que a bicicleta tornou-se meio de locomoção corriqueiro. Além disso, conforme Guidini, ela é a melhor forma de locomoção.
— Se tu for parar para analisar, Londres e Berlim são cidades que não têm mais bicicleta para vender. Porque todo mundo viu que tu pode não só se deslocar de maneira mais rápida e eficiente, mas tu também vai estar fazendo teu exercício e se distanciando de outras pessoas. Tu não tem a proximidade que o transporte público te dá e tu nem fica fechado dentro de um carro, como é o transporte individual — explica.
Em Caxias, Guidini entende que ainda há barreiras para que os ciclistas possam se locomover com maior facilidade. Uma delas, é o fator econômico.
— As pessoas têm muita resistência em relação ao estacionamento no centro, por exemplo, dizendo que se houvesse uma ciclovia passando pelas vagas, isso ia acabar matando o comércio. Temos que quebrar essa barreira, porque é muito pelo contrário. Se tu for ver, Nova York, por exemplo, teve um aumento de 109% nas vendas depois que as vagas de carro foram trocadas por ciclovias. O ciclista, como está presente na rua, passa mais devagar, tem mais tempo de olhar as coisas, ele também compra mais, o que traz esses benefícios tanto para o comércio e economia quanto para a saúde — explica.
No município, ele explica que já houveram conversas com a Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade e que o primeiro passo foi dado para que haja construção de uma ciclofaixa urbana, cruzando Caxias de Leste a Oeste, e ligando o Parque Cinquentenário à BR-116.
— Tem esse mito de que tem que ter ciclista antes, para depois ter ciclovia. Não, ninguém dirige carro sem estrada. Então, ninguém anda de bike sem ciclovia. Não queremos morrer atropelados. Então, se não tiver uma ciclovia, uma infraestrutura que assegure que vamos chegar ao nosso destino com vida, e, quando chegarmos, não teremos a nossa bike roubada, é fundamental. Conseguimos dar andamento no projeto da primeira ciclofaixa urbana de Caxias. Então, a prefeitura vai arcar com a mão de obra, os equipamentos e executar a obra, e nós, da UNICCA, vamos em busca de tintas para sinalizar a ciclofaixa — conta.
O que pensam as lojas do segmento
Em Caxias, há diversas lojas voltadas ao segmento de bicicletas. A Guenoa Apetrechos, por exemplo, ficou fechada durante dois meses como medida de prevenção à pandemia. No entanto, quando reabriu, os proprietários perceberam que havia muita demanda nas redes sociais de busca por produtos.
— Resolvemos abrir e começamos a responder as perguntas das pessoas. Percebemos que, apesar da chegada do frio, do vírus e do isolamento, as pessoas continuaram usando a bicicleta. Não houve um aumento, o que a gente percebeu é que as pessoas começaram a sair de bicicleta, "ah, já que estou em casa, vou dar uma pedaladinha" — conta um dos proprietários da Guenoa, Jean Finkler.
Finkler entende que o segmento não é um dos que entrou na crise econômica. Ele compreende que, mesmo aqueles que perderam o emprego, estão optando pelo uso da bicicleta para economizar com gasolina. Além dos que investiram em reformar uma bike antiga que estava escondida num cantinho da garagem.
— Eu acho que já era uma tendência. Mesmo antes da pandemia, as pessoas já falavam "eu não gosto de fazer natação, ou ir para academia, prefiro a bike". Tinham pessoas que procuravam a bicicleta como atividade física, como atividade de lazer. A gente já percebia um movimento maior de procura de bicicleta, principalmente as de iniciante — expõe.
O proprietário da Go Bike, Eduardo Baldasso, compreende que houve uma demanda maior antes da pandemia. No entanto, com o grande número de lojas do segmento no município, também há complicações financeiras.
— Houve um aumento antes da pandemia. Mas também aumentou muito o número de lojas para acompanhar o aumento no número de ciclistas. Quando nós abrimos, eram seis lojas do segmento em Caxias. Hoje são mais de 30 — explica Baldasso.
O comerciante entende que esse aumento no número de ciclistas é uma tendência, pois as pessoas buscam esportes individuais que não exijam agendamento prévio. Segundo ele, muitos optam pela bike para poder executar uma atividade física nos minutos que sobram na rotina. No entanto, Baldasso defende que, para ter uma demanda considerável de ciclistas, Caxias precisa criar um local adequado para locomoção.
— Caxias precisa urgente de mais infraestrutura para o ciclista, não temos quase nada de infraestrutura em comparação com outras cidades. Carlos Barbosa, por exemplo, é uma cidade muito pequena que tem uma ciclovia muito bacana. Eu acredito que, no mínimo, para a pessoa usar como meio de transporte, teria que ter uma via que cruza a cidade no sentido Norte-Sul e outra no sentido Leste-Oeste, para as pessoas poderem usar a bike sem precisar disputar espaço com o carro — defende.
O proprietário da Go Bike também compreende que a melhor opção seriam ciclovias para manter os ciclistas mais seguros. Além disso, no caso de ciclovias intermunicipais, que ligam uma cidade a outra, ele compreende que é uma boa oportunidade para gerar turismo aos locais.
— Isso vai criar turismo diferente na região, o turismo da bicicleta. Imagina que legal uma ciclovia que saísse de Caxias e passasse em Farroupilha, Bento Gonçalves, em vários locais interessantes da nossa região. Ia trazer pessoas de muitas regiões para pedalar nesse caminho, criando um tour muito bacana — vislumbra.
Eles são adeptos da bike
A paranaense Maruska Guarda da Silva, 25, reside em Caxias do Sul há 14 anos. Desde a infância, ela sempre teve o hábito de pedalar e crê que isso seja de suma importância como atividade física para aumento da resistência e auxílio na respiração.
— Fiquei um período em home office, sem andar de bike, e quando eu voltei, senti que estava mais "sedentária" — conta a assistente comercial.
Residente do bairro Santa Catarina, ela usa a bicicleta como meio de locomoção. Maruska conta que, antigamente, tinha mais dificuldades, pois residia em outro bairro, com mais morros. Mas, agora, consegue trabalhar e ir ao mercado sempre utilizando as bicicletas e evitando o transporte público e aglomerações, especialmente, neste período de pandemia.
— O ruim é que não tem espaço para a gente, não pode andar na rua e nem na calçada. Se tivéssemos ciclovia, muita gente estaria andando de bicicleta. No meu ponto de vista, tu perde muito tempo para se locomover com o transporte público — opina.
O personal trainer Deivid Junior Magrin, 25 anos, adquiriu o hábito de andar de bicicleta durante a pandemia. Há cerca de um mês, ele adquiriu uma bike e, desde então, a utiliza como atividade física.
— Sempre fui muito ligado ao esporte, mas a bike nunca esteve muito presente na minha vida. Comecei a trabalhar numa academia, dar aula de bike indoor e comecei a criar gosto pelo ciclismo. E agora estou andando praticamente todos os dias, como esporte mesmo — conta.
Além de atividade física, ele também usa a bicicleta como meio de locomoção, para ir a lugares mais próximos de casa, como a barbearia, por exemplo, substituindo o uso do carro. No entanto, como não reside na zona central da cidade, ainda utiliza o veículo para percursos mais distantes.
— Infelizmente, a nossa cidade não tem uma cultura de ter ciclovias espalhadas. Complica um pouco porque a nossa região é de Serra, tem muitos morros. Mas o que mais complica é ter que andar no meio dos carros e não ter ciclovia para maior segurança — diz.
O auxiliar administrativo Jonnathan Tibes, 24 anos, utiliza a bicicleta como meio de locomoção e como atividade física há cerca de quatro anos. Além disso, antes da pandemia, ele tinha o costume de conhecer o interior da cidade pedalando.
— Eu conheci mais sobre o mundo da bicicleta, diversos lugares que eu não fazia ideia que poderia ir. Conheci mais sobre mim também, como poder fazer 138 quilômetros pedalando, que me fez pensar que era capaz de muito mais — relembra.
Nos lugares que trabalhou, também utilizou a bicicleta como meio de locomoção. Tibes conta que, além de econômica, a opção também é mais cômoda. Nesse período, inclusive, a bike também torna-se uma boa alternativa para evitar aglomerações.
— Nesse momento, tem que ter muito cuidado na hora de pedalar. Eu levo máscara e saio sozinho. Acho meio irresponsável tu sair em grupo porque tu não sabe onde as pessoas que estão pedalando contigo estiveram — alerta.