Os estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) do campus de Bento Gonçalves estão preocupados com a falta de atividades remotas desde que as aulas foram suspensas, em 14 de março. Eles entendem que a interrupção é necessária em função da pandemia de coronavírus, e que a medida foi acertada para evitar a disseminação do vírus. Contudo, questionam porque não é possível ter acesso a conteúdo por meio de aulas online para que não percam o ano letivo.
Os líderes de turmas têm conversado para buscar alternativas, enquanto não é possível retornar para as salas de aula. O ensino remoto emergencial foi autorizado pelo Ministério da Educação (MEC) ainda em 18 de março, e prorrogado nos meses seguintes. A medida pretende amenizar os prejuízos causados pela pandemia. Na prática, o MEC autorizou a substituição de disciplinas presenciais por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação em cursos que estão em andamento. A ideia era manter a rotina de estudos dos alunos.
No entanto, a medida não foi colocada em prática no IFRS da Serra, o que gera insatisfação entre pais e alunos. Um dos líderes estudantis é Juan Alexandre Pereira Farias, 18 anos. Morador de Garibaldi ele cursa o 2º ano do Curso Técnico em Agropecuária.
— Acreditávamos que as aulas iam voltar logo, mas não foi o que aconteceu, e agora estamos preocupados. A suspensão neste momento é compreensível porque não queremos nos expor ou expor os outros ao contágio do vírus. Sabemos que não é hora. O que questionamos é o fato de nesses mais de três meses não termos tido aulas ou atividades remotas online. Simplesmente, não nos dão aula — aponta ele.
Farias ressalta que no primeiro mês de pandemia, os estudantes questionaram a direção do IFRS sobre a possibilidade de aulas online. A resposta foi que cerca de 20% dos alunos não têm internet. Os líderes estudantis estão se mobilizando para fazer um levantamento de quantos teriam como estudar à distância, e também em busca da opinião de cada aluno para apresentar à direção, em busca de alternativas para estudar em casa:
— Tivemos algumas atividades, conversamos, jogamos, mas nada de aula com conteúdo ou que possa ser avaliado. No meu caso, tenho 18 matérias e o técnico entre elas. Fica bem difícil recuperar esse tempo. Queremos buscar ideias, alternativas, opiniões e conversar com os estudantes para encontrar uma saída. Vamos mostrar nosso ponto de vista sobre o assunto.
Para não ficar sem estudar, ele lê livros e se mantém ocupado com projetos que já estavam em andamento:
— O mais próximo que eu tenho de estudar é dar continuidade ao artigo científico que estou produzindo porque sou bolsista, e participo de conversas literárias, para me manter ocupado.
DIFICULDADES PARA ESTUDAR
A estudante Débora Coinaski, 18, mora no Vale dos Vinhedos, no interior de Bento Gonçalves. Ela é aluna do curso Técnico de Viticultura e Enologia, integrado ao ensino médio no IFRS. Débora tem aula, mas afirma que nem todos os professores repassam conteúdos.
— Em algumas disciplinas contamos com um amplo amparo dos professores, em outras aulas isso não acontece. Outra coisa que dificulta o estudo em casa é o fato de não termos nossos cadernos e livros conosco. O IFRS conta com armários disponíveis para os alunos e a maioria tem os seus materiais guardados lá. E ainda não conseguimos ter acesso a eles. Estudar sem o contato presencial com os professores é difícil. Alguns estão elaborando atividades facultativas para nos prepararmos para o Enem. Mas essas atividades não irão contabilizar percentual de horas a serem recuperadas. Os meus professores são muito cuidadosos, eles enviam as atividades — relata Débora.
Depois, por meio de fotografias, os alunos encaminham as atividades aos professores, que corrigem o conteúdo. Caso eles não entendam apenas com a explicação escrita, marcam encontros pelo Google Meet.
O QUE DIZ O IFRS
O pró-reitor de ensino do IFRS, Lucas Coradini, explica que o instituto optou por não substituir o ensino presencial pelo remoto por diversas questões. Segundo ele, o IFRS é uma instituição de ensino profissional e, portanto, não há como separar a parte teórica da prática:
— O ensino requer atividades práticas, de laboratório, visitas técnicas e saídas de campo. A parte teórica e prática caminham juntas. Não há como fazer os conteúdos teóricos agora de forma remota e deixar a prática para depois, essa é uma característica dessa modalidade de curso.
Coradini salienta ainda que o instituto conta com um diferencial , que é a realização do ensino, da pesquisa e da extensão.
— São três dimensões que caminham juntas e são importantíssimas para a qualidade e o percurso formativo dos nossos estudantes. Se o ensino de forma remota é precário, imagine realizar a pesquisa e a extensão, que exigem atividades práticas e presenciais. Quem procura o IFRS, procura por esses diferenciais _ afirma.
O pró-reitor ressalta ainda a questão do acesso dos estudantes ao computador e à internet:
— Estamos presentes em 16 municípios do RS, em zonas rurais e periféricas, e temos estudantes em situação de vulnerabilidade social. Fizemos um diagnóstico e o levantamento aponta que há um volume expressivo de estudantes sem acesso à internet e ao computador. Isso torna o ensino à distância excludente porque boa parcela dos alunos seria deixada para trás. Mais do que pensar o acesso é pensar na qualidade e efetividade desse ensino. Não vi até o momento uma análise ou avaliação positivas sobre as redes que estão utilizando ensino remoto.
Ele garante que o IFRS está preocupado com a manutenção do vínculo com os alunos, e pretende utilizar o ensino remoto para reduzir os reflexos no processo de aprendizagem e até de evasão escolar.
— Calendário perdido nos preocupa pouco. Calendário e conteúdo se recuperam. Quem está preocupado em perder o ano teria que se preocupar com a situação da Serra, que é alarmante. Vidas não se recuperam, calendário acadêmico recuperamos quando a situação permitir, de forma presencial e com a qualidade que nos distingue — finaliza.
SEM DATA DE RETORNO
Em reunião na última terça-feira (23), o Conselho Superior (Consup) da instituição votou pela manutenção da suspensão das atividades presenciais, desta vez por prazo indeterminado. Também foi votada a realização de um levantamento de alternativas para atividades acadêmicas durante a pandemia. Um grupo de trabalho composto por representantes de diferentes unidades e segmentos, incluindo os estudantes, irá compilar e organizar o material, com prazo de mais 15 dias. O resultado será apresentado para apreciação em nova reunião do Consup. Enquanto isso, o calendário acadêmico segue suspenso.
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