São três grandes passos que fazem a diferença na vida de quem deseja sair das ruas, aprendizado que Marcelo, 30, e Moisés, 41, gostariam de transmitir a outros que desistem na primeira barreira. Na última segunda-feira (18), a dupla apontada como bom exemplo de resgate social da população de rua contou um pouco de sua história à reportagem.
Os dois amigos se conheceram no projeto Hospedagem Solidária no inverno do ano passado e perceberam que poderiam se ajudar em um novo recomeço. Ficaram para trás as noites sobre pedaços de papelão e hoje eles dividem o aluguel de uma casa no bairro São José. Não foi uma evolução fácil, teve sofrimento e exigiu disciplina. A história deles é semelhante a de tantos outros: uso de drogas, briga com familiares e sentimento de invisibilidade.
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Para os amigos, o primeiro degrau a ser superado é próprio ego do morador de rua. Mesmo que a condição de sem-teto soe para muitos como o fundo do poço, nem todos nessa condição pensam assim.
– Eu me achava o cara, pensava que não ia dar nada. Também me via como oprimido. Perdi tudo. O problema era comigo mesmo – complementa Moisés.
O segundo degrau é estar aberto para receber o apoio de outras pessoas quando a família está ausente. Essa lacuna geralmente é preenchida por assistentes sociais, psicólogos, voluntários, profissionais da saúde e alguém que estenda a mão por meio de um emprego.
– Ele tem que dizer para si mesmo que não quer viver assim. Tem que aceitar isso, tem que colocar na cabeça e não desistir na primeira oportunidade. Foi assim comigo – conta Marcelo.
A terceira etapa na jornada de reinserção social é manter a mente ocupada e ter um plano. Esse entendimento é uma contribuição da assistente social Krisiane Zugno, que acompanhou a adaptação de Moisés e Marcelo.
– Tu precisa ter atividades, ter um planejamento do passo a passo, de como você vai sair e como fará para se manter. Se não reduzir a dependência química, não consegue ir adiante – alerta Krisiane.
As regras citadas pela assistente são seguidas com vigor pelos amigos. A dupla sobrevive trabalhando na montagem de palcos para shows, serviço suspenso em razão da pandemia. Eles também participam de cursos profissionalizantes. Em retribuição ao apoio recebido, se tornaram voluntários no projeto de acolhimento dos Pavilhões. Moisés descobriu a vocação para o ativismo. Participou de conferências sobre os direitos da população de rua e só não foi a um encontro nacional por falta de recursos.
Para os amigos, a vida ao relento é muito ruim, sair é igualmente complicado, mas é uma escola para valorizar muitas chances desperdiçadas.
– A nossa luta ainda é grande, estamos nessa batalha, largando currículo para conseguir um emprego, estamos estudando. Muitos não agarram as oportunidades – salienta Moisés.
De 741 pessoas identificadas como moradores de rua em Caxias, a FAS diz ter encaminhado 387 para suas cidades de origem, para tratamentos contra o vício em drogas e álcool ou de volta para suas famílias neste ano. Cerca de 35o homens e mulheres ainda permanecem em calçadas, em terrenos baldios ou prédios abandonados.