A prefeitura de Caxias do Sul e o Serviço Municipal de Água e Esgoto (Samae) devem assinar nesta sexta-feira (24) um convênio que vai possibilitar a instalação de reservatórios para os moradores do interior que estão sem água para consumo devido à estiagem. Ainda não há data para que isso ocorra.
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A Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Smapa) do município estima que todas as 3,5 mil famílias de agricultores que vivem nos distritos estejam com algum tipo de problema relacionado ao período prolongado de seca. São pelo menos 14 mil habitantes, considerando a média de quatro pessoas por família. Além desses, ainda há os que têm propriedades rurais, mas não vivem de forma permanente nas localidades.
Moradores dizem nunca ter visto situação parecida. Valério Kich, 81 anos, contou que havia cinco fontes naturais de água nas suas terras e que nos 56 anos em que mora na Linha Sebastopol, em Vila Cristina, esta é a primeira vez que todas elas secaram. Segundo ele, em dezembro "choveu só para molhar o pó" e, desde então, a chuva não veio suficiente nem para reativar as fontes nem para juntar água na cisterna.
– Minhas laranjeiras, abacateiros, parreiras estão secando. As bergamotas estão do tamanho de ovos de codorna e murchas. Nunca, na minha vida, vi coisa igual, tão forte assim. Se demorar mais um pouco, vai morrer tudo e, daí, na colônia, vão fazer o quê? – lamenta o agricultor aposentado.
Mas não é apenas a plantação e os animais que estão sofrendo com os efeitos da falta de chuva. São três pessoas na casa de seu Valério. Além dele, a esposa Edla, 81, e um filho já adulto. Nos últimos dois meses, eles receberam água de caminhão-pipa do Samae por duas vezes para beber.
A vizinha Marlise Rauber, o marido e os dois filhos também enfrentam dificuldades. Eles têm duas vacas de leite, mas a pastagem e o açude secaram. Foi preciso comprar comida para os animais. Ela vendia produtos da agroindústria, como aipim e batata doce, por exemplo. Mas, com a falta d'água, as raízes não se desenvolveram. Ela relata que até a paisagem mudou com a estiagem. Nas matas vistas ao longe o verde deu lugar ao marrom e o Rio Caí está desaparecendo.
– Para beber, temos uma fonte protegida, mas estamos economizando porque baixou bastante – conta a agricultora, referindo que a fonte abastece a família dela e de um vizinho, no total de nove pessoas.
Na propriedade vizinha, de Sandro Luis Finn, 44, são as plantações de goiaba e de figo que estão ameaçadas. No ano passado, o pomar de goiaba produziu 40 toneladas da fruta. Junto às plantas, o agricultor desabafa e projeta a safra deste ano:
– Se chover, talvez dê 10 a 12 toneladas. A pouca chuva que veio praticamente não chegou à raiz. Estamos torcendo para que venha (a chuva) e salve o pomar para o ano que vem.
O Samae, por meio de uma parceria com a prefeitura, chegou a perfurar um poço para uso comunitário na localidade de Sebastopol, mas para que a bomba que puxa a água funcione é preciso uma rede de energia elétrica bifásica e a que passa no local é monofásica, segundo a Smapa. O secretário Valmir Susin disse que terá uma reunião com representantes da RGE, concessionária de energia na região, nesta sexta, às 9h, para resolver a pendência e, dessa forma, conseguir instalar o equipamento e fornecer água aos moradores.
Instalação de caixas d'água deve começar nos próximos dias
A Smapa vai fazer um levantamento de quais locais receberão as primeiras caixas d'água, entre propriedades rurais e comunidades onde mais de uma família possa ter acesso. Inicialmente, conforme o Samae, foram comprados 30 reservatórios e o estudo da prefeitura vai apontar a demanda total. As caixas serão cedidas em comodato ao município para uso dos moradores. E serão abastecidas pelos caminhões-pipas até que a situação se normalize.
O problema é que a situação é generalizada em todos os distritos, Criúva, Vila Seca, Santa Lúcia do Piaí, Vila Oliva, Vila Cristina, 1º Distrito e Forqueta. Em maior ou menor grau, quase 100% das famílias enfrentam problemas com a estiagem no interior de Caxias. A Smapa recebe em média cinco solicitações diárias relacionadas à escassez de água para consumo humano e também para animais na região de campo. Os casos mais graves, segundo a prefeitura, estão nas comunidades de São Luís e São Pedro (ambas na 3ª Légua), São João e Rincão das Flores, em Criúva, e Sertória Alta, em Santa Lúcia do Piaí.
A secretaria segue com duas equipes – cada uma com quatro servidores – para verificar os pedidos, fazer a proteção de fontes existentes ou buscar novas. Entre fevereiro e abril, foram realizadas 14 proteções de fontes. Outras 10 foram abertas de forma emergencial. Ainda há uma fila de espera com cerca de 60 solicitações. Destas, 50% são situações mais críticas que estão sendo priorizadas.
– A preocupação é muito grande porque as vertentes que nunca secaram (até agora) estão secando. E os poços secando. Então, preocupa, porque sem energia as pessoas vivem, mas sem água não se consegue viver – disse o secretário da Smapa, Valmir Susin.
A água tem chegado às famílias que precisam por meio de uma parceria que a prefeitura tem com o Samae que manda os caminhões-pipa para abastecer propriedades que tenham reservatório acima de 5 mil litros. Isso porque não há rede de abastecimento de água na área rural e o Samae é responsável pelo serviço apenas na zona urbana.
Nas produções, segundo a Smapa, as perdas se concentram mais na produção de hortaliças. Alguns produtores estariam adiando novos plantios. Na fruticultura, a quebra é de pelo menos 30%, embora o período seja de entressafra. A prefeitura corrobora com a previsão dos produtores de que, no caso das frutas, os efeitos serão sentidos na próxima safra.
– Nós, emergencialmente, estamos levando água que as famílias precisam apenas para consumo humano. Tem gente que chora, se emociona quando o caminhão-pipa encosta. Mas o Samae não tem como atender todo mundo. Vamos atender quem se organizar e tiver – disse o diretor-presidente do Samae, Idair Moschen.