O que antes era uma escolha e até um luxo, agora virou essencial para a preservação da saúde de toda a população. Esta talvez seja a definição mais direta sobre o processo de ressignificação que ocorre em relação ao serviço de entregas prestado na cidade, sendo a maioria dele realizado por motoboys. Sobre duas rodas, estes profissionais, que sempre foram invisibilizados, vivem uma experiência nova diante da valorização pelo trabalho realizado.
Em tempos de isolamento social como forma de prevenção ao contágio de coronavírus, os motoboys ganharam espaço nas ruas menos movimentadas e viraram heróis que, mesmo sob risco, garantem acesso à alimentação, medicação e outros itens essenciais, colaborando para que uma boa parcela da população possa ficar em casa.
— Todo mundo fala em isolamento agora, mas para mim isso não aconteceu. Pelo contrário, aumentou a exposição com o aumento da demanda. Mas, para todos nós, está sendo muito satisfatório poder ajudar as pessoas a ficarem em suas casas — afirma Ludiano Bergozza, 42, que realiza entregas de lanches e outros produtos por toda Caxias do Sul.
Ele conta que desde o início do isolamento, paralelo ao aumento no número de entregas realizadas — que para ele foi de aproximadamente 40% — também aumentaram as gorjetas e os agradecimentos por parte da clientela, algo que motiva ainda mais o autônomo a continuar trabalhando na área em que já está há oito anos.
— Percebo que é o momento em que as pessoas estão mais retraídas, pedem que a gente fique distante ou mesmo pendure a encomenda no portão. Mas, por outro lado, o reconhecimento está sendo muito maior, algumas pessoas até me parabenizam — relata o profissional.
Durante o dia, Bergozza realiza entregas diversas, sendo que no horário do almoço e à noite cumpre, há cerca de dois anos, as telentregas do Tonico Lanches, que também tiveram um significativo aumento nos pedidos diante do fechamento de bares e restaurantes inicialmente decretado no Estado. Bergozza é um dos três motoboys que prestam serviço à casa de lanches, aberta de segunda a sábado. Somente para ele, a média de 20 entregas por dia foi para 35.
Além do número, os procedimentos também tiveram algumas alterações, seguindo recomendações do Ministério da Saúde, como o uso de máscaras, luvas e a higienização com álcool gel. Os cuidados, que o motoboy considera fundamentais, não apenas para evitar a covid-19 mas outras infecções que possam ocorrer, também são cumpridos no horário de folga, em casa, como forma de proteção a ele e à mulher, com quem mora.
— No meu prédio temos álcool gel para uso do elevador e, quando chego em casa, coloco as roupas em uma sacola ou direto na máquina de lavar, além de higienizar as mãos. Se tivermos esses cuidados, a pandemia vai aliviar — completa.
"Não tenho medo, minha imunidade é forte"
A afirmação é de Sidnei Gonçalves de Oliveira, 59, motoboy que, há pelo menos 15 anos, realiza entregas para a Farmácia Central. O profissional, que também atende a outras empresas, com entregas em toda a cidade e também municípios vizinhos, como Farroupilha e Flores da Cunha, conta que chegou a usar máscara como forma de proteção no início, logo que foram decretadas as primeiras medidas de isolamento na cidade. Agora, porém, ele disse que toma certos cuidados orientados pela farmácia e garante não temer o contágio por coronavírus.
— Não tenho medo, não pego gripe nunca, minha imunidade é muito forte — afirma o motoboy, que realiza de 16 a 20 entregas por dia.
Oliveira conta que desde a confirmação dos primeiros casos viu baixar significativamente a quantidade de fretes que fazia para empresas de setores como de estofaria e de cosméticos, enquanto os pedidos de medicamentos aumentaram, sobretudo pelo fato de os clientes de grupos de risco optarem pelo isolamento em casa.
— Algumas pessoas não querem que a gente chegue perto. Teve um que pegou a entrega usando luvas, máscaras e um óculos de mergulho, pensei que fosse um ET. Mas, se o cliente não quer que a gente chegue perto, a gente não chega — garante.
Mesmo não temendo o coronavírus, Oliveira segue os procedimentos orientados a ele e aos outros motoboys da farmácia, que incluem a higienização das mãos. Embalagens e máquinas de cartão também passam por esterilização, feita pelos atendentes, antes de serem levadas do estabelecimento.
Entregas também de bike
"Criado na farmácia", como gosta de dizer, o adolescente Igor Isaac Vidor Alves, 15 anos, realiza entregas mais próximas à Farmácia Central, pedalando diariamente para bairros como Petrópolis, Cinquentenário, Sagrada Família, entre outros.
Filho do coordenador de entregas, ele conta que, somente para ele, é três vezes maior o número de entregas diárias. Mesmo sendo mais cansativo e também de alta exposição ao coronavírus, o adolescente diz que optou por continuar desempenhando a atividade que tanto gosta, colaborando com as pessoas que realmente precisam ficar em casa, seja por estarem no grupo de risco ou por buscarem evitar o aumento do contágio.
— Eu gosto porque acabo conhecendo bastante a cidade. Neste momento eu me preocupo, mas não tanto, porque sou jovem e, além disso, o exercício de pedalar me dá resistência, ajuda na imunidade — acredita Alves.