A Lei 13.058, de 2014, alterou o Código Civil e estabeleceu como regra a guarda compartilhada para filhos de casais separados. Ela só não acontece quando um dos pais ou ambos não têm condições de exercer o poder familiar ou quando um ou outro abre mão desse direito. Foi com base nessa lei que Juraci Sandro Perez, 46 anos, e Silvia Ferreira Velho, 47, acordaram como seria a guarda do filho, Matheus, 12, depois da separação do casal no final ano passado.
– Sempre tivemos como prioridade as questões do Matheus. Então, por mais que tenhamos tido nossas diferenças para discutir e resolver, o Matheus sempre foi prioridade. Isso temos em comum e atendemos ele de forma combinada – diz o pai.
Matheus tem espectro autista e desenvolve atividades para além das aulas regulares durante a semana, como sessões de fonoaudiologia, hidroterapia e musicoterapia. Segundo acordo do casal, o adolescente teve a residência fixada com a mãe e passava finais de semana alternados entre ela e o pai. As datas comemorativas também foram divididas. Silvia trabalha no setor de Recursos Humanos de uma instituição e Perez tem uma indústria. Na casa da mãe, enquanto ela estava no trabalho, Matheus ficava com a avó materna, que é idosa.
A chegada da pandemia de covid-19 ao Brasil mudou completamente a rotina dos quatro. Silvia seguiu trabalhando, mas Perez teve de parar com a indústria em função de decreto municipal. Matheus teve as aulas suspensas, assim como as demais atividades. Então, em função desse novo cenário e para evitar que o adolescente tivesse contato direto com a avó no período de distanciamento social, como recomendam as autoridades de saúde, há três semanas Matheus passou a morar temporariamente na casa do pai. Tudo foi decidido em conjunto.
Se antes, o adolescente mantinha contato com o pai durante a semana por celular, agora é a mãe que utiliza as videochamadas e outros recursos para falar com o filho diariamente.
– Converso com ele pelo WhatsApp e videochamada. Bate a saudade, porque nunca fiquei tanto tempo distante, mas sei que ele está bem cuidado com o pai. Assim, estamos levando a nova rotina para não deixar ele junto com a avó. Foi o jeito que conseguimos achar até as coisas voltarem ao normal – conta Silvia.
– Tem que prevalecer o comum acordo. Tem que ser algo bem focado para preservar ele, temos que ser bem adultos nessa situação. Ele também precisa passar por essa quarentena, de estar em casa, e foi a forma mais adequada que a gente encontrou – reforça o pai.
Na casa de Perez, Matheus faz as tarefas determinadas pela escola e ajuda nas tarefas domésticas, como lavar louça e passar aspirador na casa, o que, segundo Perez, tem auxiliado na autonomia do adolescente.
– É um aprendizado para nós dois mesmo. Estou bem feliz de poder ter essa convivência com ele – salienta o pai.
Silvia e Perez entraram em acordo também em relação à pensão alimentícia. Como o filho está com o pai, que teve a renda interrompida nesse período, Silvia devolveu parte da pensão para que Perez comprasse o necessário para atender ao adolescente.
– Preservamos muito o bem-estar do Matheus, então, temos uma convivência boa – diz Silvia.
Matheus vai ficar com o pai até o retorno das aulas, ainda sem previsão para ocorrer. Tomadas todas as precauções, o filho passou o final de semana da Páscoa com a mãe.
Todos convivendo na mesma casa
Quando há entendimento entre os pais, as soluções surgem de maneira natural. A reportagem conversou com outro ex-casal que encontrou uma alternativa diferente à situação imposta pelos cuidados adotados em função do novo coronavírus. Eles preferem não ter a identidade revelada, mas contaram que optaram pela guarda compartilhada, à época da separação, para preservar o vínculo afetivo da filha de sete anos com ambos. No acordo, decidiram que a criança passaria parte da semana com a mãe, de 29 anos, e outra parte com o pai, de 54, em suas respectivas casas, para ambos participarem da rotina da filha, e para que também pudessem atender as necessidades profissionais de cada um.
Agora, com a pandemia, a rotina tanto da criança como dos adultos foi alterada. A menina está morando apenas na casa da mãe e o pai passa alguns dias por semana junto dela lá, com os devidos cuidados de higienização. Ou seja, durante parte da semana os três vivem na mesma residência.
– Achamos importante respeitar o isolamento, evitando ao máximo o contato social. Neste momento, entendemos que o bem maior é a criança, e cientes de que a situação é traumática também para ela, resolvemos abrir mão de nossas questões pessoais e estamos a conviver com nossa filha na mesma residência – relatam.
A rotina da filha mudou muito em função da pandemia, por isso, cuidar da saúde dela se tornou prioridade.
– Ela entende pouco do que está acontecendo. Sente muita saudade dos amigos de escola, professores e dos avós. Tentamos minimizar ao máximo essa distância, mas tem dias que a notamos muito ansiosa. Por isso, achamos importante a presença de ambos os pais neste momento, para minimizar os efeitos desta quarentena – declara a mãe.
Conanda recomenda suspensão de visitas
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) recomendou como melhor solução, para não expor a saúde da criança e do adolescente a riscos durante a pandemia, que eles fiquem somente com um dos pais, e as visitas e períodos de convivência sejam substituídos por contatos via telefone e internet. Outra alternativa sugerida seria adotar o esquema previsto para as férias, em que os filhos ficam o máximo de tempo com cada genitor, havendo menos trocas de casa.
A psicóloga Ana Paula Rundgren trabalha com psicologia jurídica e cerca de 80% das famílias que atende estão envolvidas em processos de guarda e alimentos. Segundo ela, a medida do Conanda ocorre para que seja respeitado o distanciamento social:
– Essa questão é maior do que estar indo e vindo para ver a criança, sobretudo para não tirá-la de dentro de casa. As pessoas estão conseguindo entender, na sua maioria, que é o momento de respeitar isso para o bem estar de todos.
A profissional diz que a ideia sempre é evitar ao máximo a judicialização. Mas, nem todas as situações são de fácil resolução. Alguns pais não abrem mão de ver os filhos pessoalmente e, aí, o caso tende a ser resolvido na Justiça.
O advogado da área da família, Alexandre Atti, explica que ainda não há jurisprudência – quando uma decisão acaba servindo de base para as subsequentes – sobre o assunto:
– A avaliação será caso a caso, porque tudo é muito novo.
Conforme o operador do Direito, os pais com guarda compartilhada têm liberdade de alterar o que foi estabelecido no acordo inicial, sem a necessidade de documentar isso.
– O compartilhamento da guarda não se destina a atender os interesses dos pais no exercício do poder parental, já que o maior interesse é o bem estar do filho, que deve encontrar na figura de seus genitores um ponto de apoio e equilíbrio para seu desenvolvimento intelectual, moral e espiritual – pondera Atti.
Porém, segundo o advogado, em princípio, vale o que foi determinado pela Justiça. Se os pais não acordarem novos termos, aquele que se sentir prejudicado pode recorrer.
– A Justiça vai ter de resolver esses casos em que os pais não se entendem – projeta.
– É tudo muito novo. A sociedade, de forma geral, está encontrando saídas. O direito enquanto ciência social está se adaptando a isso também – diz a psicóloga, acreditando que na maioria dos casos o bom senso tem prevalecido.