“A nossa casa ficou sem alegria. Os dias custam a passar. Saudade dos almoços de todos os domingos e das nossas brincadeiras. Não vejo a hora que tudo termine”. O relato emocionado é da caxiense Niva Maria Cambruzzi Felippi, 86 anos, que sente na pele a ausência dos bisnetos, que costumavam preencher a casa. A história dela e do marido, Angelin Pedrinho Felippi, 89, se tornou comum entre bisavós e avós do mundo todo devido à pandemia de coronavírus. Integrantes do grupo de risco, eles precisam ficar longe de bisnetos e netos para proteger a saúde e evitar a disseminação do vírus.
A convite da reportagem, Niva e Angelin, que são casados há 66 anos, escreveram uma carta para matar um pouquinho da saudade dos pequenos Isabelle, nove anos, Leonardo, seis, e Rafael, dois. O caçula mora em Porto Alegre e há mais um bisneto, Eduardo, a caminho. Já os dois mais velhos, mantinham convivência diária com o casal.
– É muito difícil, porque eu era muito acostumada com eles. Eles vinham aqui em casa e chamavam “bisa, bisa”, e agora eu não estou mais escutando a vozinha deles e isso me deixa muito triste. Dá vontade de deixar tudo e dar um beijo e um abraço bem apertado, mas é impossível, não posso porque temos que nos cuidar – desabafa Niva.
Apesar de não ter o costume de escrever, dona Niva adorou a experiência:
– Só escrevendo cartas, porque a saudades é muito grande. Eu vejo eles de longe na rua, da minha janela, é muito sofrimento ficar longe. A primeira coisa que vou fazer quando puder é abraçar e beijar eles e fazer as comidinhas preferidas. O Léo chegava e dizia “bisa, tu me faz uma massinha, me faz café com leite, me dá sucrilhos com Nescau e leite?”. Sinto muita falta deles, amo eles demais – desabafa a bisa.
Antes da pandemia forçar o distanciamento social, Isabelle e Leonardo ficavam na casa da bisa diariamente.
– Eles (os bisavós) ficavam com eles (os bisnetos) de manhã e, às vezes, à noite, quando nós temos que trabalhar. São muito apegados – diz a neta, Merielen.
Ela conta que Leonardo chegou a chorar quando perguntou à mãe se os bisavós vão poder ir ao aniversário dele, comemorado no próximo dia 4 de maio. Já Isabelle lembra com saudade dos dias aproveitados ao lado de dona Niva e seu Angelin.
– Sinto saudades de jogar carta com a bisa, ajudar ela a fazer o almoço, comer com eles e assistir aos programas de animais com o biso – diz a menina.
“Ser avó é diferente”, revela dona Erci
Há um provérbio que diz: “melhor que filho, só neto”. Essa frase dita por Erci De Carli Rizzotto, 73, resume a relação profunda e de amor intenso que liga os avós aos netos. Ela e o esposo, Arlindo José Rizzotto, 74, também aceitaram o convite de presentear os netos com palavras cheias de carinho e saudades. A ausência é profunda, e a falta das crianças por perto tão avassaladora que se torna difícil ressignificar a vida sem a presença deles.
O casal via João Guilherme,15, Luis Otávio e Benjamin, ambos de oito anos, Sophie, três, e Maya, de um ano e seis meses, com frequência. Com a pandemia causada pelo novo coronavírus, eles ficaram sem ver os netos por um mês.
– Fiquei 30 dias sem vê-los.Depois passamos a nos ver de longe, mas sem poder abraçar, beijar e sem pegar os pequenos no colo. O mais velho, de 15 anos, fiquei 40 dias sem ver. Foi difícil. Senti falta do abraço, de pegar no colo as mais pequeninhas, deles ficarem aqui, mas tivemos que ir levando a situação e nos resguardar, porque estamos em uma idade de risco – conta Erci.
Ela escrevia cartas quando jovem, mas nunca chegou a mandar nenhuma pelo Correio. Em nome do casal, Erci pegou papel e caneta para contar aos netos o que eles têm sentido na ausência deles:
– A experiência foi boa, gostei de traduzir os sentimentos em palavras, pensei que não conseguiria escrever, mas fluiu, e escrevi para eles. Ser avó é uma fase diferente, porque os netos são tudo de bom, só vemos coisas boas, não se vê defeitos – emociona-se.
Proprietária de uma confeitaria e de um café, Suelen, 33, é mãe de Luís Otávio e de Maya. Ela conta que o contato dos filhos com os avós era diário:
– Eles viam meus filhos todos os dias. Meu filho nasceu na casa deles, até nosso apartamento ficar pronto. E a Maya minha mãe cuidou dela o ano passado todo, até ela ir para escolinha este ano. Os outros dois mais novos eles viam todas as semanas e o meu sobrinho mais velho pelo menos a cada 15 dias.
“Ela me ensinou a ser carinhosa”, diz Rosita
Helena, quatro anos, chegou para mudar a vida de Rosita Rech, 61. A assessora de legislação acadêmica da Universidade de Caxias do Sul (UCS) conta os dias para poder abraçar a neta novamente.
– Nos falamos todos os dias pelo celular e aos sábados ela ficava comigo, e agora não tenho visto ela. Em um mês, nos vimos duas vezes, dentro do carro, porque fui até a farmácia e minha filha estava com ela. Nós três de máscara, sem poder abraçar e beijar ela. Sinto muita falta dela porque ela é muito carinhosa e foi ela que me ensinou a ser carinhosa, eu não era assim com a minha filha, a Fernanda, mas a Helena faz tudo de uma maneira tão natural e espontânea. Ela me ensinou a ser carinhosa. Abraçar e beijar.
Ela relembra com emoção da primeira vez que pegou a netinha no colo:
– No dia que ela nasceu e trouxeram ela para o quarto eu a peguei no colo e olhei aquele rostinho e eu não sei explicar o que senti. É uma alegria sem medida, parece que o coração vai explodir.
As brincadeiras e momentos compartilhados são lembrados com saudades.
– Quando estamos juntas é uma alegria. Nós dançamos, desenhamos, brincamos, jogamos bola. Ela tem muito carinho e atenção com os bisavós. A minha ligação com ela é muito intensa, é um amor profundo, sem medida – declara-se a avó.
“Não vejo a hora de ver meus netos”, conta avó emocionada
A saudade dos netos Rafael, 22 anos, Bernardo, 14, e João Vitor, 10, tem apertado o coração de Olindia de Oliveira Wagner, 73. Mãe dos caçulas, a filha de Olindia, Rosiane Wagner, 39, está no sétimo mês de gestação. Estar longe da filha durante a gravidez e sem poder ver os netos aumenta a solidão:
– Minha relação com eles é profunda e de puro amor. Espero poder ver o Caetano quando ele nascer. Almoçava todos os dias com os mais novos. Ajudava eles a estudar, pedia a tabuada para o caçula. Lia para eles e eles liam para mim. Tenho sentido muita falta deles porque moro sozinha, mas foi preciso me isolar, estou só dentro da minha casa, esperando tudo passar. Não vejo a hora de ver meus netos – lamenta.
Cultivar essa relação mesmo de longe é fundamental para passar pelo período de distanciamento social. Escrever cartas, telefonar e fazer chamadas de vídeo tem se tornado parte da rotina para suportar a distância de quem mantém a casa cheia de amor e alegria.