Nos fundos da casa, o agricultor Vicente Remus, 72 anos, observa os canteiros de terra seca, onde as verduras que cultiva todos os anos já deveriam estar prontas para a venda. As mais de 3 mil mudas adquiridas para o plantio exibem folhas amareladas e avisam que o estágio de transplante já venceu.
— Ainda não consegui plantar nada — reclama.
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A família Remus está entre as muitas outras que foram atingidas em cheio pela estiagem que assola as lavouras do Estado. Na Serra, 10 municípios decretaram situação de emergência. As safras de milho e soja estão entre as mais atingidas, com queda superior a 60%.
Remus não lembra de ter enfrentado uma seca tão longa e forte no interior do pequeno município de Santa Tereza. Ele também perdeu a conta de quantas vezes olhou para o céu em busca de nuvens escuras que pudessem molhar a terra e dar alívio para o calor escaldante que, segundo ele, parece queimar os neurônios. Nem mesmo as ave-marias ajudaram, ainda. Toda a semana as famílias da comunidade se reúnem para a novena.
— Rezamos para pedir chuva, mas até agora, nada. Não sei o que fazer.
No ano passado, na área de três hectares colheu 1,4 mil caixas de verduras e 3 mil cabeças de repolho. Este ano não plantou, nem colheu. A safra de milho vai cair de 70 mil quilos para 50 mil.
— Não vai sobrar colono na agricultura. Todos fogem deste sol e vão se mandar para a cidade — alerta.
O sobrinho de seu Vicente, Diogo Remus, 39, também está desolado com sua plantação de milho de grão e de silagem. Ele pretendia colher 1,2 milhão de toneladas.
—Vai dar menos de 300 mil toneladas. O sol tá venenoso, acaba com tudo — relata.
Nem mesmo a cana-de-açúcar, considerada mais resistente que o milho, passou ilesa pela estiagem. Para o também agricultor Paulo Lorenzino, que lida com este tipo de plantação há mais de 30 anos, nunca os arbustos cultivados para fazer cachaça foram tão afetados.
— O bulbo deveria estar o triplo maior. A programação era fazer o corte em julho, mas não vai dar. Vamos deixar a colheita para o ano que vem. A previsão é colher meia safra. E se não chover, pode piorar.
No município de Santa Tereza, cerca de 60% da população (1,8 mil habitantes) vive da agricultura. São 340 famílias que cultivam, principalmente, milho e uva. A estimativa do técnico agrícola da Emater Aldacir Henrique Pancotto, é de que as perdas ultrapassem os 40%.
Em Paraí, queda na produção do soja chega a 47%
A chuva também não chegou no município de Paraí a 150 quilômetros de Caxias. Em fevereiro choveu 36% a menos que a média e, em março, menos de 2 mm. Os resultados são lavouras de soja e milho destruídas. A queda chega a 70% em algumas propriedades. Dos 1,4 mil hectares de área plantada de soja, a previsão da Emater local é colher 37 sacas (de 60 quilos) por hectare. Em 2019, foram 70 sacas. No milho, a situação é ainda pior: de 170 sacas em 2019 para 70 este ano – recuo de 59%.
— Mesmo que chova, não tem mais como mudar este cenário — aponta o técnico agrícola da Emater Orivaldo Trevisan.
A queda na agricultura também vai afetar a produção de leite do município que chega a 50 mil litros por dia. Com o milho produzindo menos grãos, vai ser preciso aumentar em dois quilos o alimento das vacas, segundo Trevisan.
— Se agora, a quebra está em 15%, a partir de abril vai subir para 30%, pois não vai mais ter pasto e nem silagem — prevê o técnico.
Caqui e figo com a metade do tamanho
A Emater de Caxias do Sul, maior produtor de caqui do Estado, ainda não tem uma estimativa de queda por conta da estiagem. Mas as frutas estão metade do tamanho normal.
O engenheiro agrônomo da Emater de Caxias André Kieling diz que vários produtores relatam perdas entre 60% e 80%. Na propriedade de Alceu Pezzi, em Nova Palmira, os caquis deveriam estar muito maiores. No ano passado, foram colhidos de sete a oito mil quilos da fruta. Este ano, Pezzi estima colher menos de 2 mil quilos.
E essa nem foi a maior perda. A produção de figos deve cair mais de 60%. Nesse caso, o tamanho da fruta deveria estar até quatro vezes maior. A colheita iniciou em fevereiro e deveria seguir até maio, mas a partir de agora conforme os produtores, a perda deve ser total. No ano passado, a família colheu 10 mil quilos da fruta, este ano deve ficar em 4 mil.
— No ano passado, quatro figos fechavam a sacola com 400g para vender na feira. Agora, vai precisar de 12 a 15 figos para fechar a mesma sacola com o mesmo peso — conta Pezzi.
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