Na Serra, o fim da primeira semana de confinamento foi marcado por protestos de parte da sociedade e manifestações públicas de entidades que defendem o isolamento apenas para idosos e pessoas com doenças pré-existentes, além de cuidados pessoais com a higiene e distanciamento. Entidades empresariais da região, como a Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul e o Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves, manifestaram-se por um retorno gradual das atividades do comércio e da indústria por conta do impacto na economia que o isolamento pode ocasionar. Em entrevista ao programa Gaúcha Hoje na rádio Gaúcha Serra na manhã deste sábado (28), o presidente da CIC de Caxias do Sul, Ivanir Gasparin, disse que a situação pode impactar a própria disponibilidade de insumos para a saúde.
— Os empresários têm solicitado que pelo menos fique um pouco aberto. Juntamente com os sindicatos que integram a entidade, estamos pedindo que haja uma abertura gradual a partir da semana que vem ou, quiçá, na outra semana. Na próxima semana, também a grande maioria das empresas fizeram férias coletivas.
Gasparin sinaliza a importância da produção econômica para haver condições de enfrentar a pandemia.
— Como você vai conseguir recursos, tanto do município, como Estado e federal, para combater essa terrível doença que se avizinha, sem estar com um mínimo produzindo em nossas fábricas? (...) Nós somos fornecedores de diversos componentes e, mesmo para produtos de primeira necessidade, precisamos que algumas fábricas realmente reabram o mais rapidamente possível para que não haja falta de produtos essenciais para a sobrevivência do ser humano.
Ouça a entrevista com o presidente da CIC na íntegra:
O manifesto que a CIC de Caxias do Sul divulgou na sexta-feira (27) defende que a indústria e comércio voltem a operar com 25% da capacidade e que permaneçam em distanciamento social apenas os idosos e as demais pessoas dos grupos de risco da covid-19.
O que defendem os médicos
O médico infectologista Juliano Fracasso aponta que a quarentena horizontal, que reúne a população em geral e não somente os integrantes dos grupos de maior risco, como os idosos, teria de durar pelo menos 14 dias, ou até mesmo mais duas semanas a partir de agora. Quinze dias é o período previsto em decreto da prefeitura de Caxias do Sul para a restrição das atividades em geral. Seria necessária, portanto, pelo menos mais uma semana neste regime.
O decreto de Caxias do Sul foi flexibilizado na sexta-feira (27), permitindo a abertura de lotéricas e padarias, por exemplo. Em entrevista ao Pioneiro, o prefeito Flavio Cassina (PTB) afirmou que a construção civil voltará à atividade na semana que vem.
— O momento inspira muita cautela em função dessa decisão, apesar de eu compreender a dimensão da repercussão econômica e financeira que se assola com essa crise sanitária, a recomendação é que se persista sim com as medidas restritivas — assinala o médico.
Fracasso explica que, em um período de duas semanas, mantendo a quarentena geral da população, poderia-se ter uma ideia mais clara da evolução da pandemia e da demanda pelos serviços de saúde. O tempo de 14 dias corresponde ao período em que a pessoa infectada começa a apresentar os sintomas.
O infectologista também explica que ainda não é possível dizer se o período de isolamento até agora, de cerca de uma semana, foi eficaz, justamente porque não chegou aos 14 dias.
— Eventos e aglomerações vinham ocorrendo até a data do decreto — lembra.
Em São Paulo, o secretário estadual da Saúde, José Henrique Germann, afirmou que a estratégia de isolamento social está dando resultado. Nesta sexta, disse que, em dez dias, a curva de novos casos no estado de São Paulo cresceu 467%, enquanto a do Brasil foi de 939%. Também na sexta em São Paulo, o Instituto Butantan afirmou que um estudo feito em parceria com o Centro de Contingência do governo estadual mostrou que a taxa de contágio do coronavírus caiu. Se entre os dias 15 e 16 de março uma pessoa infectada contagiava outras seis, essa taxa caiu para três no dia 20 e duas pessoas no dia 25.
Profissionais da saúde também apontam que a medida de isolamento vertical, apenas para os grupos de risco, precisa estar associada à possibilidade de testagem em massa da população, a fim de identificar os casos e isolar as pessoas infectadas. Atualmente, seguindo protocolo do Ministério da Saúde, os testes só são feitos em pacientes que precisam de internação e profissionais da saúde.
Em Bento Gonçalves, 20 médicos gravaram um vídeo para pedir que as pessoas permaneçam em casa ainda por mais alguns dias. Um deles é André Kruel, que também destaca que, até agora, não se geraram números suficientes para que se possa tomar uma decisão informada do que fazer.
— O gestor público determinou essa quarentena e o mínimo que podemos fazer é cumprir esse período — opina.
Com isso, a quarentena teria que prosseguir em Bento Gonçalves, conforme previsto inicialmente, ainda ao longo da primeira semana de abril. Na cidade, o CIC pede a reabertura de atividades no meio da próxima semana em 1º de abril.
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O médico também observa que mais uma semana com as restrições seria um período importante para que o município continue se preparando, obtendo mais equipamentos de proteção individual e até buscando uma mobilização junto ao setor empresarial para conseguir testes para a população.
— Precisamos de testes. Como você vai estabelecer o tamanho da epidemia se não tem teste? — questiona, comentando ainda que a quarentena vertical não funcionou em alguns lugares do mundo — queremos que a quarentena encerre o quanto antes mas, para isso, precisamos de testagem.
Kruel cita o exemplo da cidade de Milão, na Itália, onde há um mês houve uma campanha para as atividades retornarem normalmente e o prefeito chegou inclusive a pedir para os turistas continuarem indo à cidade, que hoje está com elevado número de mortos.
— A gente nunca vai errar escolhendo o lado da prudência — destaca.
E explica uma diferença em relação à pandemia de H1N1 em 2009: diversos pacientes com sintomas da doença tendo que ser atendidos ao mesmo tempo.
— Não teve isso no H1N1.
Conforme o Hospital Tacchini, há três pacientes na UTI com respiradores, um confirmado com coronavírus e outros dois aguardando resultados dos testes. Além disso, há sete internados em quartos isolados com sintomas respiratórios, um confirmado e outros seis casos suspeitos.
Para o presidente da Associação Médica de Bento Gonçalves, Fernando Tormen, é preciso confiar às autoridades a decisão final com base nos dados disponíveis.
— Estamos passando por uma época com situações nunca vividas pelas gerações atuais. Ninguém sabe ao certo quais são as melhores decisões, mas tudo indica que, especialmente na nossa região, mais algum tempo de isolamento parece ser a melhor decisão. No entanto, entendemos também que existe todo o aspecto econômico e logístico relacionado, e sabemos também que existem muitas projeções já utilizando cenário sem quarentena total. Confiamos às autoridades competentes a decisão final baseada em todas as informações possíveis de ser analisadas — destaca.
Para Tormen, o isolamento apenas de pessoas de grupos de risco ou com sintomas é eficaz, embora menos do que na quarentena total.
— Existem alguns modelos já sendo trabalhados em alguns países que mostram que poderíamos apenas isolar grupos de risco e liberar para o trabalho pacientes de menor risco. Não se tem resposta exata em relação ao número de casos que poderão surgir dentre as pessoas que saírem da quarentena. Nossa grande preocupação é que o término do isolamento possa aumentar substancialmente o número de casos; e nosso sistema de saúde, mesmo sem a pandemia do covid, já se encontrava sobrecarregado.
E alerta:
— Mesmo pessoas jovens em alguns casos precisam hospitalização e até mesmo UTI. Temos muito medo que, ao liberar do isolamento da quarentena horizontal, o número de casos possa alavancar rapidamente. Se as pessoas deixam de tomar os cuidados básicos, pior ainda.
O infectologista Juliano Fracasso explica que uma das estratégias da quarentena vertical é que os jovens, que na grande parte dos casos não têm uma evolução grave do quadro, contaminem-se.
— Enquanto isso, o tempo passa e a maioria das pessoas fica imunizada, não transmitindo mais a doença — explica.
Mas ele descarta essa medida para este momento, porque, da mesma forma, os jovens poderiam entrar em contato com grupos de risco e a velocidade de expansão da doença poderia ser muito rápida, extrapolando a capacidade de atendimento hospitalar.
— Para não haver tanto impacto, poderiam ser feitas pausas, interrupções na quarentena — sugere, projetando uma possível maneira de administrar a situação.
Equipamentos de proteção e doações:
Fracasso faz um apelo para doações de aventais para as equipes médicas. O item ainda é suficiente, mas poderá faltar em breve diante da necessidade de utilização. Ele sugere que sejam dirigidas doações ao grupo formado pela CIC Caxias, Mobi Caxias e prefeitura. Mais informações sobre como doar estão disponíveis em www.caxiascontracovid19.com.br
Em Bento Gonçalves, a associação médica segue arrecadando doações para construção de uma nova ala hospitalar junto à UPA, que deverá abrigar 40 leitos de internação. Conforme Fernando Tormen, a meta é chegar a R$ 150 mil, dos quais R$ 50 mil foram recebidos. Doações podem ser feitas por este link: https://abacashi.com/p/vencercoronavirus.