Foi-se, definitivamente, o tempo em que "viajar de ônibus é mais barato", como sugeriam campanhas publicitárias de anos atrás. Os tempos modernos e o avanço cada vez mais acelerado da tecnologia estão trazendo novas — e algumas vezes, bem mais baratas — opções para quem costuma pegar a estrada. O resultado disso é o esvaziamento das rodoviárias por todos os cantos do país. Em Caxias do Sul, o fenômeno não é diferente. De 2014 para cá, o movimento na estação da cidade caiu cerca de 40%.
O período de Carnaval, que sempre foi de alta demanda para o setor, está se transformando em um verdadeiro pesadelo. Filas quilométricas para comprar passagens? Talvez, elas fiquem apenas na memória de quem as enfrentou. Na quinta-feira (20) à tarde, por exemplo, o movimento nos guichês da rodoviária de Caxias do Sul era de um marasmo que chegou a assustar a gerente de vendas Valéria Gazzola.
— Na quinta-feira que antecedeu o Carnaval do ano passado, mais de 6 mil pessoas passaram por aqui. Nossa expectativa era que hoje (dia 20) Caxias inteira desabasse por aqui. Mas o dia inteiro é isso que estamos vendo — destacou, apontando para as filas mirradas nos guichês.
Até por volta das 15h, aproximadamente 1,5 mil pessoas haviam passado pelos guichês da rodoviária. Às 17h30min, horário em que o fluxo costuma se acentuar no local, apenas três pessoas estavam na fila para comprar passagens. Pior: a expectativa para sexta-feira (21), véspera do que para muitos será um feriadão prolongado, não é das mais animadoras. Tanto que as empresas disponibilizaram apenas oito ônibus extras para as linhas de todo o Litoral Norte, destino mais procurado nesta época do ano. Para se ter uma ideia, em 2019, apenas para Curumim, foram oito carros a mais colocados à disposição, por dia. Torres, outro destino que costuma atrair visitantes da cidade, terá três veículos a mais nesta sexta (21) e apenas um extra no sábado (22).
— Se formos pensar, quatro pessoas em um carro, dividindo o combustível, torna realmente a viagem mais barata. No entanto, as pessoas estão avaliando apenas a questão financeira, mas esquecem da segurança no trânsito. Dificilmente você vê notícias de ônibus das empresas com as quais trabalhamos envolvidas em acidentes, que podem ocorrer com mais facilidade em um carro, por exemplo — defende Valéria.
Promoções
O único caminho visto por quem trabalha com o transporte intermunicipal e interestadual para tentar tirar as estações rodoviárias do ócio e salvar empregos — só em Caxias do Sul são 44 funcionários — são com promoções e modernização. A rodoviária da cidade disponibiliza totens para a compra de passagens para facilitar a vida dos passageiros. Além disso, os descontos para estudantes, professores e pessoas com mais de 60 anos aumentaram sensivelmente e podem chegar a 40%. Há facilidade também para quem costuma levar cães e gatos para viagens mais longas. Antes, os donos de animais pagavam metade do valor de uma passagem normal para o pet. Hoje, eles estão isentos.
— A gente precisa pensar em formas de voltar a trazer a comunidade para dentro da rodoviária. E isso só vamos conseguir com coisas diferentes, que chamem a atenção. Não só nos ônibus em si, mas no complexo da Rodoviária. Mas pode-se dizer que a nossa realidade é um grande incógnita — ressalta.
Aplicativos oferecem preços mais vantajosos
A mudança de comportamento dos caxienses com relação à locomoção diária devido aos aplicativos de mobilidade, como Uber e 99, cada vez mais populares, provocaram uma forte queda no número de passageiros da Visate, também tem afetado o transporte rodoviário. Conforme Valéria Gazzola, não há dúvidas que um dos motivos para a diminuição do movimento se deve às novas tecnologias.
Um dos aplicativos específicos para viagens mais longas, o BlaBlaCar disponibiliza caronas de carro. O motorista traça a rota que fará e disponibiliza os três ou quatro lugares restantes no carro aos usuários do aplicativo. Assim, os custos da viagem são divididos — os valores são sugeridos pelo próprio aplicativo, mas o motorista tem autonomia para ajustá-los. O motorista também define um ponto de encontro para a partida. Que geralmente é na própria rodoviária.
— Hoje (dia 20) à tarde já vi três carros de aplicativos estacionarem aqui e saírem lotados — destaca Valéria.
O diretor da Rodoviária de Caxias do Sul, Gláuber Gobatto, participou nesta quinta (20) em Porto Alegre de uma reunião com outros dirigentes de outras estações do Estado. A pauta: a busca por alternativas para tentar amenizar os efeitos da drástica diminuição de usuários.
— Temos que trazer outra mentalidade aos caxienses. Dar descontos para compra antecipada, como ocorre nas companhias aéreas, modernizar o nosso espaço e voltar a atrair o público. Temos um projeto para isso e precisamos acelerar para não ficar ainda mais para trás — frisa Valéria.
"Eu confio mais no ônibus"
Alheia às novas tecnologias, o aposentada Janes Domingos, 65 anos, aguardava na Estação Rodoviária de Caxias, na tarde de quinta (20), o horário do embarque para Arroio do Sal, onde vai passar o Carnaval. Moradora da cidade, ela estava ansiosa para ver o filho, Jeferson, 42, e principalmente o neto, João Antônio, de quatro anos, que moram na praia.
— Eu sempre viajei de ônibus. Para mim, é o transporte mais seguro e confortável — destaca.
A filha Alessandra até já tentou argumentar com a mãe que o transporte por aplicativos é mais vantajoso, mas sem sucesso:
— Ela viaja direto dessa forma. Mas eu não vou, confio mais no ônibus.