Por que muros e paredes da Estação Rodoviária de Caxias do Sul não são coloridos? Puffs seriam ideais para o conforto de passageiros na sala de espera? E cadê o bom pastel de rodoviária? Os questionamentos e as sugestões elencados por passageiros e comunidade fervilham dia e noite na mente de quem movimenta as engrenagens do maior terminal de ônibus da Serra.
O desafio de transformar a rodoviária em um centro de serviço e lazer que vá além do prosaico ato de embarque e desembarque vem sendo gestado desde a metade do ano passado e, aos poucos, ganha forma. É dessa premissa que nasceu o projeto Rodoviária Legal
Desde que foi inaugurado há quase 45 anos na Rua Ernesto Alves, o terminal passou por mudanças de atendimento e estrutura muito mais baseadas nas percepções da administração e do Estado, que delega a concessão, do que nos anseios do público. Glauber Gobbato, diretor da rodoviária, quer mudar essa visão e fazer com que o espaço por onde circulam 6 mil pessoas todos os dias tenha um perfil mais acolhedor e proporcione experiências positivas.
Para fazer a guinada, Gobbato e equipe precisaram sair do local de trabalho para entender o que está errado, o que está dando certo e como mudar. Por meio de collabs (parcerias criativas) com arquitetos, associação de moradores de bairro e jornalistas, entre outros, a administração descobriu que a rodoviária é um espaço estimado pela comunidade, mas que precisa estar mais inserida no cotidiano.
A equipe ouviu diversas opiniões. O público cita, por exemplo, que o terminal deveria ter uma farmácia, um espaço Kids, uma banca de revistas, um comércio com produtos típicos da região, muito mais tomadas para carregar celular e o clássico pastel da rodoviária feito na hora, entre outros. Na prática, o apelo é por uma rodoviária eficiente para os novos tempos, mais flexível à diversidade e prazeroso para encontro de amigos no happy hour.
— O conceito de mobilidade mudou e muda o embarque. Na verdade, o passageiro quer vir aqui, fazer todos os serviços que precisa e no ônibus recuperar o seu tempo — cita Gobbato.
O projeto final ainda está sendo esboçado, mas a direção já vem propondo ações disruptivas para os padrões do terminal de ônibus. Em setembro, foi palco para uma invernada mirim. No mês seguinte, sediou palestra sobre câncer mama e trouxe crianças de uma escolinha infantil para passeio e atividades lúdicas_ os trabalhos da meninada estão expostos perto do setor de passagens. Em novembro, a atenção se voltará para a campanha Novembro Azul em parceria com a Associação de Apoio a Pessoas com Câncer (Aapecan). Para atrair os homens, foco da campanha, está prevista uma exposição de carros antigos.
Foco é a experiência positiva
As mudanças não estão restritas a eventos e envolverão as empresas que atuam na rodoviária. Gobbato reconhece que há reclamações do público em relação ao atendimento e o cinza predominante nas paredes do complexo, por exemplo, não transmite a sensação do calor humano que tanto se busca. Um dos muros externos recebeu grafite numa parceria com a empresa Marcopolo.
Alguns investimentos já foram feitos, como a liberação de internet wifi, reforma dos banheiros, mais seguranças, mais carrinhos para bagagens e a remodelação do setor de encomendas, hub que conecta mil cidades do país. A modernização do atendimento automatizado de telefonia foi alterado e entrará em operação com vários menus de informações. Os totens de informação também terão um sistema mais amigável.
— O foco é estimular a experiência boa no terminal. As pessoas preferem esperar na frente do ônibus e não sabem que tem sala de espera — exemplifica a escritora Cris Lavratti, esposa de Gobbato.
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O diretor diz que o projeto final será submetido para apreciação da comunidade. Para tirar do papel, serão buscadas parcerias. Gobbato inclusive reativou uma sala fechada há mais de 10 anos para transformar num espaço de inovação. Para a equipe, a rodoviária é um equipamento urbano instalado numa parte diferenciada da cidade, carinhosamente apelidada entre alguns empreendedores de "Baixo Centro".
— São demandas que não exigem muito investimento. Na verdade, essa região vem passando por uma revitalização por parte da iniciativa privada. A rodoviária precisa ser uma referência positiva e se comunicar com a população — conclui Gobbato.
"Tive que dar uma inovada"
Um dos comerciantes mais antigos da Rodoviária, Umbelino Pedro Lancini, 66 anos, recorda da fama de comida cara e ruim que pairava sobre os estabelecimentos do terminal. Hoje, o restaurante dele tem atraído público cativo da cidade, sinal de que os tempos são outros.
Lancini abriu em setembro um pequeno café — o restaurante está sob a gerência de um filho. A decoração do novo negócio privilegia paredes amarelas para dar um ar aconchegante, quebrando o costumeiro aspecto de que lanchonetes de rodoviária são apenas ponto de passagem.
— Estamos tentando transformar o café num ponto de encontro para amigos, mas não quero que seja um boteco. Fiz para mim e minha esposa. Acredita que tomei café numa padaria em Ribeirão Preto e vi que estamos muito atrasados aqui (em Caxias do Sul). Tive que dar uma inovada, senão vamos ficar para trás — comenta Lancini.
O projeto Rodoviária Legal, por estar no início, é desconhecido do público. Marlene Scopel, de Antônio Prado, vem a Caxias do Sul com frequência e considera o serviço bom.
— Não tenho do que reclamar, aqui tu faz lanche, o ônibus sai na hora.
— O banco (de espera) podia um pouco mais confortável — complementa Carmela Ruaro.
Jocemar Córdova da Silva, de Caxias, diz que é preciso mais limpeza nos banheiros, mais conforto na espera e mais carrinhos para bagagens. Gilmar Medeiros, de Vila Oliva, também cita a falta de bancos de espera.
— Às vezes está lotado e se quer sentar, mas não tem lugar. Mas para mim, o atendimento é bom — comenta Medeiros.
SAIBA MAIS
Além dos serviços básicos, a rodoviária de Caxias do Sul tem 1 restaurante, 5 lanchonetes, 6 lojas de eletrônicos e utilidades, 1 cabeleireiro, 8 salas de transportadoras e 1 setor de encomendas. Ali, operam 12 linhas intermunicipais e 6 linhas interestaduais.