Não são necessários mais do que alguns minutos de conversa com o professor Mario Michelon para saber o quanto a cultura faz parte da sua vida. Aos 75 anos, ele fez da música a forma de valorizar tudo que seus olhos enxergaram da Serra e o que seu coração sentiu da terra que ele nasceu, cresceu e tanto valorizou em sua vida.
Natural de Antônio Prado, Michelon fez de Caxias do Sul sua casa a partir de 1975, mas tornou toda a região da imigração italiano sua razão de existir.
Com licenciatura em Língua Portuguesa/Inglesa, o professor teve na sua conduta marcante em sala de aula o foco de uma linha de trabalho, que transferiu também para a vida.
— Os exemplos são mais eloquentes do que as palavras. Me lembro do Padre Antônio Vieira: “Palavras sem exemplos, são como tiros sem balas” — afirma Michelon.
A proximidade com as letras, versos e poesias fizeram com que, em pouco tempo, outra paixão se aflorasse: a música. Assim os festivais surgiram na vida de Michelon. Inicialmente, a tradição gaúcha revelou o seu lado compositor. Em 1987, participou da 2ª Primavera da Canção Gaúcha, em Caxias do Sul.
Na competição, participou com duas músicas: Peão e a Rainha, que compôs ao lado de Luís Henrique Hopf, e Noite de Inverno, Sonho de Verão, que fez ao lado de Paulo Cardoso. As duas foram premiadas em algumas categorias, mas a segunda trouxe uma eterna amizade com Cesar Passarinho, que interpretou a canção.
— Uma pessoa extraordinária. Quando vencemos um festival em Lagoa Vermelha, um repórter falou para ele “que interpretação emocionante. Como tu consegue transmitir tanta emoção?”. Ele disse o seguinte: “eu interpreto com alma, quando sinto que o poeta escreveu com o coração”. Foi o melhor elogio que eu recebi — admite.
A amizade durou até os momentos finais da vida do cantor, falecido em 1998, e que era considerado o Rei das Califórnias da Canção Nativa. Pouco antes de morrer, Cesar Passarinho fez uma declaração de amor a Caxias do Sul:
— Eu fui visitá-lo e ele me deu o seguinte depoimento: “Professor Michelon, eu não nasci em Caxias. Mas me querenciei nesta terra e por ela fui adotado como filho. Por isso, se um dia quiserem lembrar de mim, peço para que seja Caxias do Sul o destino de minha última morada. Então minha alma cantará feliz nas Califórnias do céu”. Eu não pude conter o pranto, porque foi um testamento para mim, que era um amigo dele e da família.
Entre os festivais, um marcou em especial Michelon:
— Um festival que me deu muita alegria foi o de Encantado. Foram 417 inscritos, a premiação era um automóvel 0Km. Fiz um trabalho em parceria com o Décio Tavares. Na premiação máxima, que valia o carro, nós ganhamos na escolha do júri e do povo presente no festival. Eu tive a felicidade de ser escolhido como o melhor letrista e o Décio Tavares o melhor interprete.
Além dos festivais nativistas, vieram também os festivais da cultura italiana. A paixão pela região começou a ser traduzida também pelas suas letras e músicas.
— O primeiro foi em Serafina Corrêa, chamado Festitália (1989). Depois vieram mais sete festivais em primeiro lugar. Isso alavancou minha veia artística.
As composições de Michelon romperam os festivais e retornaram para sua terra natal. É do professor a letra do hino de Antônio Prado, primeiro escrito em português, mas depois traduzido por ele para o italiano como “nido d’amore” (ninho de amor).
"A Festa da Uva depende do que fizemos por ela, para que seja grande"
Outro ponto que marca a história e a relevância na trajetória de Mario Michelon é a Festa da Uva. Desde 2002, ele recebeu a missão de compor os temas, que são o espírito do evento traduzidos em canção.
— O senhor Valter Minuscoli queria que a festa daquele ano tivesse um CD com uma música que chamasse através do tema que foi escolhido “Mulher imigrante: graça, força e inspiração” — recorda Michelon, ressaltando o momento que considera marcante entre as canções-tema:
— A grande consagração de divulgação, pois conquistamos o disco de ouro, foi com “A alegria de estarmos juntos” (2006). Achei tão rico o tema, que homenageava o imigrante italiano. Então me lembrei dos meus pais, avós e da minha vivência da cultura italiana. O sofrimento que eles tiveram.
Michelon vive a cultura italiana e a região da Serra. Cidadão caxiense, nascido em Antôniio Prado — onde na sexta-feira (22) recebeu o prêmio Amigo Divulgador de Antônio Prado 2019 —, o professor tem na Festa da Uva sua grande inspiração. O tempo não apaga a tradição, e para Michelon, jamais apagará a que chama de “nossa festa maior”:
— Momentos diferentes exigem participações e adaptações. A Festa da Uva depende do que fizemos por ela, para que seja grande. Se posso fazer um convite à sociedade caxiense, é que deem a sua contribuição para que ela cresça cada vez mais.