Apreensão, incerteza e medo. É assim que os moradores do bairro Primeiro de Maio, em Caxias do Sul, se sentem depois da decisão judicial que condena a prefeitura de Caxias a pagar a dívida milionária que tem com a família Magnabosco. Mesmo que, a princípio, o processo não envolva os moradores, a comunidade teme que as famílias sejam obrigadas a deixar as moradias.
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A presidente do bairro Primeiro de Maio, Ilves Maria Teixeira, 69 anos, conta que, desde que a decisão foi confirmada durante julgamento nesta quarta-feira (27) no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a incerteza paira no ar.
— Estamos assustados porque não sabemos o que pode acontecer conosco. Sempre quisemos pagar para morar aqui e nos propomos a pagar valores fixos. Há 25 anos, fizemos uma reunião no bairro para montar uma cooperativa e chamar a família para negociar. Eles não quiseram e falaram que a dívida seria cobrada do município na Justiça. Mas qual o reflexo nos moradores agora? — questiona a presidente.
O morador Evandro de Lima da Silva, 39 anos, também teme o futuro do bairro. Ele afirma que as pessoas não conhecem a realidade dos moradores, que lutam diariamente por uma vida melhor:
— Moro aqui desde que nasci. Estamos todos com medo porque é o nosso lar. Ficamos tensos até com a situação do município no processo. O mais triste é que a maioria das pessoas desconhece a realidade do Primeiro de Maio porque é visto apenas como violento, mas 80% dos moradores são pessoas boas e que trabalham para conquistar as casas onde moram e se manter. São pessoas simples e batalhadoras que não têm para onde ir.
A moradora Izolde da Silva Córdova, 63, também está com medo.
— Não consegui dormir à noite depois que a decisão saiu. Eu não tenho para onde ir. Se nos cobrarem um valor fixo, mesmo que ficasse ainda mais apertada, eu pagaria. A maioria dos moradores pagaria. É justo — afirma.
Um dos moradores mais antigos do bairro, Valdir Hoffmann, 72, garante que nunca se negaram a pagar.
— Moro há 41 anos no bairro e não tenho medo que nos tirem daqui, porque é o nosso lar. Nós estamos à disposição para negociar, e pagar, porque sabemos que é o certo a fazer — ressalta ele.
A moradora Kelly Soares, 33 anos, afirma que os pais dela sempre estiveram dispostos a pagar pela área.
— A maioria dos moradores sempre se dispôs a pagar para continuar morando no bairro. O assunto foi debatido com políticos ao longo dos anos, e nunca conseguimos chegar a uma decisão porque quem representava o município empurrava com a barriga. Saiu a decisão, e agora? O que acontece conosco? — questiona ela.
Embora os moradores demonstrem preocupação, a derrota no município pode ter sido de certa forma positiva para a comunidade. Caso o município saísse do polo passivo do processo, só restaria aos Magnabosco cobrar uma indenização ou pedir a desapropriação diretamente aos moradores. Com a decisão do STJ, a responsabilidade pelo pagamento é apenas da prefeitura. Já o município, caso não reverta a decisão do STJ, poderia, por exemplo, cobrar valores dos moradores.
Entenda o caso
O processo se arrastava há mais de 30 anos na tentativa de tirar o município da posição de réu no caso. A área de 57 mil metros quadrados que a família Magnabosco doou em 1966, para construção da Universidade de Caxias do Sul (UCS), foi ocupada por centenas de moradores, dez anos depois, dando início ao bairro Primeiro de Maio, na área central da cidade.
A indenização pode chegar atualmente a R$ 820 milhões, segundo cálculo feito pela defesa da família Magnabosco. O valor oficial não está calculado, uma vez que o processo de cobrança dos precatórios de parte da dívida estava suspenso em razão do julgamento da ação rescisória.