A recente união do Ministério Público Estadual (MPE) e do Ministério Público Federal (MPF) para recomendar à prefeitura de Caxias do Sul que viabilize a Parada Livre na Rua Marquês do Herval é uma amostra do cada vez mais frequente do trabalho em conjunto das duas instituições, algo que não ocorria no passado.
Ao romper a burocracia e não se prender à delimitação de atuação, a parceria está agilizando decisões e evitando o retrabalho. Mas o grande reflexo é o peso dado às ações em favor dos direitos da população, pois coloca de um mesmo lado instituições de respaldo e com experiências diferentes. A relação possibilita visões mais completas sobre determinados assuntos e uma maior pressão sobre quem deve ser cobrado por respostas.
— Queremos mostrar que o Ministério Público tem uma única posição para atender a comunidade — resume o procurador da República Fabiano de Moraes.
No caso da Parada Livre, Fabiano e a promotora de Justiça Adriana Chesani assinaram documento no dia 17 de setembro solicitando ao prefeito Daniel Guerra que facilite a realização do evento na área pública central e evite impor barreiras como forma de garantir ao público LGBTI a liberdade de expressão contra o preconceito. Adriana e Fabiano usaram 28 argumentos para expedir a recomendação e deixam claro que a aceitação do prefeito evitaria a judicialização do caso e possíveis sanções por improbidade administrativa. Até sexta-feira (27), o município não havia se manifestado sobre a recomendação.
Essa cooperação tem sido diversificada e produtiva, porém, só passou a ser mais visível com a polêmica abertura da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Zona Norte. Com o prédio pronto desde 2014, a unidade permaneceu fechada até setembro de 2017. Um ano antes, o MPF e o MPE recomendaram à prefeitura a abertura imediata do serviço. Sem retorno, as duas instituições ingressaram com uma ação civil por entender que havia omissão.
— A iniciativa era de responsabilidade do município, mas sem as vistorias necessárias e o repasse de verbas pelo Estado e União, a manutenção se tornaria inviável. Por isso, ajuizou-se ação conjunta — lembra a promotora.
O município deu uma resposta e inaugurou a UPA no ano seguinte. Aquela foi a primeira atuação em conjunto de Adriana e Fabiano, o que abriu caminho para outras associações entre os membros do judiciário.
Na sequência da UPA Zona Norte, o MPE e o MPF voltaram a trocar ideias em 2018 e costuraram um termo de ajustamento de conduta com a prefeitura para garantir o atendimento de saúde à população a partir do fechamento do Postão 24 Horas para reforma. As exigências incluíram contratação de leitos extras em hospitais, informações sobre o cronograma de obras, entre outros. O caso continua sendo monitorado pela procuradoria e promotoria e os representantes da prefeitura têm sido chamados com frequência para explicar pessoalmente o cumprimento do TAC.
União pela educação
Como atribuições do Ministério Público nos níveis estadual e federal são as mesmas, as demandas são variadas e envolvem desde problemas envolvendo a saúde pública, acessibilidade e outros interesses sociais ou individuais indisponíveis. Assim, segundo Adriana, o MPF e o MPE podem exigir providências das três esferas do governo em uma única ação. Os agentes, portanto, acabam se apoiando um ao outro num cenário onde há muita demanda e poucos servidores.
— Muitas vezes a mesma denúncia é feita lá (MPF) e aqui. Seria contraproducente o andamento de dois expedientes diferentes, com requisições e decisões diferentes — justifica a promotora.
A promotora regional da Educação, Simone Martini, cita o trabalho conjunto do projeto MPeduc, que teve o propósito, por exemplo, de dar andamento à reforma do Instituto Cristóvão de Mendoza. A ação é desenvolvida em todo o pais. Em Caxias, Fabiano e Simone convocaram audiência pública para debater os problemas da decadência estrutural do Instituto de Educação Cristóvão de Mendoza e exigir providências.
A partir do trabalho, a Justiça determinou, liminarmente, que o Estado apresente um plano de recuperação de todo o complexo com o respectivo cronograma de trabalho e a indicação de orçamento que garanta a conclusão da obra, o que inclui o auditório interditado desde 2013. Na liminar de 24 de julho, o magistrado reforçou que a reforma deve começar em até seis meses após a apresentação do plano de recuperação e tenha um prazo máximo de três anos para ser concluída. O caso ainda é discutido na Justiça.
SAIBA MAIS
:: O Ministério Público tem cinco ramos: Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Militar (MPM) e Ministério Público Estadual (MPE).
:: Em Caxias do Sul, a parceria é maior entre o MPF e o MPE. O MPF abrange as esferas cível e criminal da Justiça Federal e da Justiça Eleitoral. O MPE abrange as esferas da Justiça Estadual.
:: A função do Ministério Público é fiscalizar o cumprimento de leis, fiscalizar o poder público, promover a manutenção de direitos individuais ou coletivos da população em áreas como meio ambiente, patrimônio histórico, saúde, acessibilidade, entre outros.
Mudanças em Jaquirana
Fabiano de Moraes diz que a parceria com a promotora Simone Martini foi fundamental para discutir a qualidade da educação em Jaquirana, munícipio com 3,7 mil habitantes.
A atuação começou em 2016 com o objetivo de apontar gargalos na rede pública e entender quais eram as necessidades das gestões municipal e estadual e da comunidade. Na época, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em Jaquirana era apenas 5, quando o ideal seria 6, numa escala de 0 a 10. O projeto foi encerrado em setembro com a criação de uma rede apoio à escola (RAE) no município, que identifica problemas e propõe soluções. A integração reúne moradores, representantes da assistência social, da saúde e do Conselho Tutelar, entre outros.
O MPF e o MPE uniram esforços novamente para responsabilizar a construtora MVC e o Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE) por dezenas de obras de escolas infantis inacabadas em diversas cidades gaúchas, incluindo Caxias do Sul.
— A parceria evita o retrabalho ou mesmo divergência ou duplicidade de atuação. A Regional (do MPE) abrange 48 municípios e o MPF igualmente tem atuação regional, o que facilita nosso trabalho — salienta Simone.
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