Quem vivia em Caxias há 10 ou 15 anos deve ter na memória registros de quando o município passou pelo auge dos festejos farroupilhas. Época em que grandes desfiles, com carros alegóricos, milhares de participantes e centenas de cavalarianos ganhavam o centro da cidade no 20 de Setembro. E tempo em que o acampamento farroupilha tomava por completo todos os espaços dos pavilhões da Festa da Uva e em um evento de grande proporção. Foi assim, até 2015, quando, a partir de uma conjunção de fatores, os tradicionalistas depararam com uma Semana Farroupilha praticamente em extinção em Caxias. Diante da ameaça, eles uniram forças e deram início a um processo para se reerguer ano após ano.
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Para o historiador Manoelito Carlos Savaris, entre os fatores responsáveis pelo encolhimento dos festejos em Caxias, estão a falta de apoio do poder público que, para ele, é muito marcante, o não engajamento do comércio e o enfraquecimento dos Centro de Tradições Gaúchas (CTGs), que pode estar relacionada à grande quantidade de entidades e, com isso, a pulverização dos participantes. Somado a tudo isso, a vocação trabalhista de Caxias, que deixa o lazer em plano secundário.
– De alguma forma o tradicionalismo é reflexo da sociedade. No momento em que o poder público se desobriga dessa manifestação, que é social, a própria sociedade se retrai, o comércio não participa e isso tudo foi se perdendo – disse Savaris.
Savaris diz, ainda, que a maneira de festejar a Semana Farroupilha difere de um local para outro no Estado. Algumas cidades apostam no desfile, enquanto outras, nos acampamentos:
– É uma questão de história. Começamos com desfiles temáticos em Porto Alegre e (hoje) não fazem mais. Santa Maria faz, Alegrete faz. Em Caxias, o primeiro desfile de 20 de Setembro acontece em 1992 na Avenida Itália. É muito recente. Caxias não teve tradição de desfiles.
Ele aponta que mesmo os desfiles da Proclamação da República, no 7 de Setembro, já foram importantes em Caxias, com participação intensa de escolas e bandas marciais nos anos 70, mas, com o passar do tempo, foram perdendo força.
– Só vejo uma possibilidade, de curto para médio prazo, que é o poder público entender que o tradicionalismo pode ser uma fonte importante de turismo e de receita e de valorização de artistas locais – diz o historiador referindo a necessidade de envolvimento das secretarias de cultura e do turismo do município.
Não há dados sobre movimentação financeira a partir do tradicionalismo em Caxias, mas no Estado, segundo pesquisa feita por Savaris, o volume gira em torno de R$ 12 bilhões, refletindo em arrecadação de ICMS de cerca de R$ 1,5 milhão no ano.
Tradicionalistas tiveram de reinventar evento
Via de regra a Semana Farroupilha é de responsabilidade conjunta da prefeitura, da Brigada Militar e das respectivas Coordenadoria Regional de Educação e Região Tradicionalista. O coordenador da 25ª RT, Rodrigo Ramos, lembra que até 2015 a cidade tinha rodeio e Semana Farroupilha fortes, que o poder público destinava grande aporte financeiro e podia fazer convênios, de onde vinham a maior parte da verba.
Contudo, a partir de 2016, quando nenhum valor foi destinado por parte da prefeitura, apenas apoio com estrutura, e do início de 2017, com a vigência da Lei 13.017, que modificou a forma de parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, que as entidades tiveram de se reorganizar para tornar o evento autosustentável.
– Não é fácil. Um evento que chegou a receber R$ 450 mil em convênios com a prefeitura, em um ano não ter nenhum centavo, ter que começar do zero. Foi quando começamos a visualizar um formato para que conseguíssemos fazer o evento – relatou Ramos.
A organização decidiu buscar patrocínios e as entidades passaram a dar uma participação financeira de R$ 500, com a qual asseguram espaço no pavilhão. Desde então, o dinheiro é usado para pagar o aluguel dos Pavilhões, shows, sistema de som, segurança, limpeza, entre outros serviços. Em contrapartida, os CTGs podem comercializar almoços e jantares para cobrir suas despesas. Neste ano, a 25ª RT comemora uma ajuda maior por parte da prefeitura. Parte da área dos pavilhões foi cedida sem custo, além de estrutura de palco, por exemplo. Também houve mais envolvimento da Secretaria de Cultura que liderou a organização junto com a 25ª RT.
– Isso viabilizou o evento e nos deu gás, quando já estávamos cansados – disse Ramos.
Ramos afirma que o movimento tem ganhado adeptos e que isso é percebido no número de entidades acampadas. Entidades essas que, ele defende, funcionam o ano inteiro e não apenas em setembro. Mas ele concorda que deveria haver mais envolvimento das escolas na transmissão da história e cultura riograndense. Papel que acaba sendo desempenhado pelas entidades para as crianças por meio de brinquedos e brincadeiras folclóricas.
– Temos a consciência de que o legado deixado está sendo tocado adiante, mas se não fossem os Centros de Tradições Gaúchas e lideranças que se destacam dentro das escolas com certeza não teríamos nem Semana Farroupilha – desabafa Ramos.
Os desfiles na história
:: Na primeira metade da década de 1980, os festejos eram mais singelos. Um palco era montado na Praça João Pessoa onde as pessoas se reuniam ao entardecer. No Dia do Gaúcho, era feita uma espécie de caminhada, chamada de passeio de bombacha.
:: Em 1992, o acampamento farroupilha foi montado no Parque Cinquentenário, de onde os tradicionalistas, somente a pé, partiram pela Avenida Itália até a Igreja de São Pelegrino e voltaram para o acampamento pela Avenida Júlio de Castilhos, configurando o modelo de desfile farroupilha.
:: Assim foi até 1995. No ano seguinte, o acampamento foi para os Pavilhões da Festa da Uva e o desfile passou a ser feito na Rua Sinimbu com a presença da Brigada Militar que se integrou aos festejos e com cavalarianos. Nessa época, a prefeitura apoiava com o palanque e sistema de som. Os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) realizavam.
:: Até anos atrás, a prefeitura alocava recursos para a Semana Farroupilha, mas o desfile temático enfraqueceu tanto que, em 2016, não aconteceu por falta de verbas e a Semana Farroupilha quase foi cancelada. Os tradicionalistas resolveram se reunir e fizeram uma passagem pela Rua Plácido de Castro.
:: No ano seguinte também não foi realizado desfile pelo mesmo motivo, mas os tradicionalistas marcaram presença com um passeio de pilchas, como ocorria no princípio, pela Avenida Júlio de Castilhos, e houve uma cavalgada com saída do Monumento do Imigrante até a Praça da Bandeira. Sem palco, sem som, sem estrutura, sem apoio algum e sem qualquer envolvimento do município.
:: No ano passado, capitaneada pela 25ª Região Tradicionalista (25ª RT) foi realizada a 1ª Parada Artística Gaúcha, com demonstrações das danças típicas na quadra da Sinimbu entre a Rua Dr. Montaury e Marquês do Herval, em frente à Praça Dante Alighieri. A ação representou um movimento no sentido de resgatar o desfile e recuperar o público. Resgate que deve seguir neste ano. Desta vez, com apoio da administração local.