A força criadora e a beleza, atribuídas à palavra, são uma dádiva; graças à multiplicação semântica, a palavra também pode ser rasa, travestida de popular, em virtude de abismos culturais e referências históricas. Quando tudo mudou, lá pelo ano de 1439, com a invenção da prensa gutenberguiana, um invento sem precedente cultural na Era Cristã, a oralidade e os manuscritos, de circulação restrita, eram os meios de transmissão de conhecimento e de informação. A partir de Gutenberg, a palavra "viralizou", conforme a professora de literatura comparada Judith Butler (EUA).
Hoje, a palavra encontra outras plataformas e outras significações, combinando-se com símbolos e gestos inclusivos, mas ainda é essencial, seja verbalizada ou escrita. A um povo letrado, desde o começo da civilização, atribui-se a responsabilidade pelos avanços humanísticos e tecnológicos, que transformam o mundo e as formas de convívio e relação entre as pessoas e as coisas. Podemos atribuir, também, todos os reveses da humanidade.
Talvez nem se evoque mais o mito fundador das religiões monoteístas, o de transformar a palavra em ato. Mas, é quase certo que a grande maioria dos envolvidos com a prática da escrita e da oralidade entende que ela é a causa dos efeitos provocados na ordem mundial. Os oradores, os religiosos, os políticos usam e abusam da palavra falada. Terroristas e suicidas fazem uso dela para deixarem seu descontentamento e suas frustrações. Os escritores e jornalistas servem-se da palavra para o exercício de suas profissões. E os poetas, ah, os poetas fazem os mais variados usos dela; inclusive a abstraem.
Em tempos de livre manifestação e de "achismos" em forma de opinião, os diletantes também se apropriam dela para marcar sua presença no mundo. Porém, é no usufruto deste poder, no direito que cada um tem de se expressar, que mora o perigo. No simbólico, as verdades se diluem antes mesmo de serem confirmadas, as mentiras se fortalecem conforme as interpretações, batalhas são perdidas e conquistas, impostas; rumos são definidos e caminhos são desviados. Afinal, a palavra... ah, a palavra.
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