Quando Hemilly, 8 anos, viu os pais acompanhando a medição e a marcação do local onde a casa nova seria erguida no terreno da propriedade rural, na localidade de Fazenda Colorado, no interior de Esmeralda, ela foi só empolgação. Mas, isso foi há mais de um ano. O tempo foi passando e, nesta semana, a família ficou sabendo que a esperada moradia não deve ser construída tão cedo. É que o governo federal cancelou a publicação de duas portarias que liberariam recursos para a construção de 27.541 unidades habitacionais na área rural em todo o país. A medida vai atingir a 500 famílias no Estado. Destas, 56 vivem em nove cidades da Serra.
Hemilly Cristina Segala Testa, a mãe, Sandra Cristina Segala, 39, e o pai, Hélio Testa, 35, moram em uma residência de madeira, que havia sido desmanchada pelo pai de Sandra e guardada em uma garagem por anos. A estrutura foi cedida à filha e ao genro para servir de moradia enquanto o casal se estabelecesse e conseguisse criar condições de construir a própria casa. Apesar de ampla, as tábuas estão tomadas por cupins, e, segundo Sandra, oferecem pouca segurança aos moradores.
Sandra e Hélio trabalham com o plantio de soja e milho e na produção de leite. A família consegue viver bem com a renda da agricultura familiar, mas o dinheiro não é suficiente para pagar um novo financiamento, já que eles ainda têm pela frente, mais sete anos de prestações da terra. Por isso, o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) era tão importante para estes e para outros beneficiários de Esmeralda. O programa é semelhante ao Minha Casa Minha Vida, só que destinado a famílias de baixa renda da área rural. Por meio dele, a casa de alvenaria, com dois quartos, cozinha e banheiro, seria paga com parcelas de baixo valor e a longo prazo.
– Seria outra vida chegar em uma casa que não tenha cupim e (seja) segura de vendaval. A gente trabalha o dia inteiro... para viver, a gente tem sim, mas não para fazer investimento em casa. Espero que o governo faça alguma coisa, porque contribuir com os impostos a gente faz. O que eles fazem (com o recurso) que não tem essa renda para gente? – questiona a agricultora.
Nos municípios, foram os sindicatos dos trabalhadores rurais que fizeram a triagem dos beneficiários e o encaminhamento da papelada à Caixa Econômica Federal. O presidente do sindicato de Esmeralda, Idelfonso Vieira Fernandes, explica que as famílias são todas envolvidas com a agricultura familiar. Ele diz que algumas têm casa própria, mas as estruturas estão em condições ruins.
– As casas foram medidas, foram marcados os lugares e o pessoal está esperando até hoje. São famílias que têm poucos recursos para sobreviver – declarou Fernandes.
Medida atinge diretamente pequenos agricultores
Assim como Esmeralda, São Valentim do Sul teria nove famílias beneficiadas (veja no mapa, os demais municípios da Serra que seriam contemplados). Todos pequenos agricultores, que atuavam no cultivo de hortaliças, uva e outras frutas. A medida, segundo a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Valentim do Sul, Sônia Maria Rosolen, representa a frustração de expectativas dos agricultores:
– O programa traz qualidade de vida, de moradia e mais conforto para as pessoas que não teriam como arcar, com dinheiro próprio, com a construção e mão de obra das casas. Agora, não se sabe o que vai acontecer.
Os dados dos municípios foram repassados à Cooperativa Habitacional da Agricultura Familiar, Coohaf.
De acordo com o presidente da cooperativa, Juarez Candido, as 27 mil unidades que não serão mais construídas fazem parte de uma demanda represada ainda do governo anterior. Nesse total, o Rio Grande do Sul tem 500 famílias habilitadas de uma soma de 600 que foram aprovadas pelo Ministério do Desenvolvimento Rural desde 2017.
– São três coisas: uma foi cancelada a portaria que iria autorizar a contratar aquela remessa represada. Outra, liberou esse recurso anunciado para obras em andamento e, terceiro, já sentou com a Contag para discutir o programa para este governo – pontua Candido.
O recurso ao qual o presidente da Coohaf se refere é o anunciado nesta quinta-feira de liberação de R$ 20,8 milhões para o programa Minha Casa Minha Vida rural.
O que diz o Ministério do Desenvolvimento Rural
À reportagem, o Ministério do Desenvolvimento Rural disse que a Controladoria-Geral da União (CGU) apontou ao Ministério das Cidades referente ao exercício de 2018 a irregularidade de autorizar as contratações sem que houvesse previsibilidade orçamentária para 2019 e os anos subsequentes. Além disso, havia uma orientação do Tesouro Nacional para que não fossem contratados nem selecionados novos projetos que trouxessem impacto orçamentário e financeiro ao exercício de 2019 ou anos subsequentes e que, portanto, concorressem por recursos com projetos em andamento.
Segundo o ministério, a execução dos empreendimentos previstos (inclui a contratação de 8.889 unidades habitacionais com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social no âmbito do Programa Nacional de Habitação Urbana que está em andamento em fase de habilitação das propostas) representaria um impacto financeiro de R$ 1,5 bilhão, sendo cerca de R$ 870 milhões para o biênio 2019-2020. Considerando o Projeto de Lei Orçamentária para o próximo ano, enviado ao Congresso Nacional no dia 30 de agosto, o orçamento do ministério para o programa habitacional estará reservado ao pagamento de contratos já celebrados. Deste modo, a manutenção das portarias iria de encontro ao disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), podendo se configurar em uma 'pedalada fiscal'.
O MDR reforçou que tem priorizado a aplicação de recursos no programa de habitação de interesse social do governo e, no primeiro semestre deste ano, destinou o maior volume de recursos pagos ao Minha Casa, Minha Vida para atender famílias de baixa renda. Disse ainda que a execução do programa vem sendo conduzida com transparência e responsabilidade fiscal, especialmente diante do cenário econômico do país.
Equipes técnicas do Governo – MDR, Ministério da Economia e Caixa Econômica Federal – também estão dedicadas à reformulação do Programa de Habitação de Interesse Social, para que os recursos públicos sejam melhor aplicados e possam assegurar moradia digna às famílias que mais precisam.
Confira as cidades da Serra atingidas pelo corte e o número de unidades habitacionais que estava previsto para cada uma delas: