Quem atender aos recenseadores no ano que vem vai responder a um número menor de questões do que no censo de 2010. Isso porque o Instituto Brasileiro de de Geografia e Estatística (IBGE) reduziu os dois questionários, o básico – menor e aplicado a maioria das pessoas – e o da amostra – mais completo e que abrange apenas uma parcela da população. No caso dos caxienses, segundo o coordenador de subárea do IBGE em Caxias do Sul, Clademir Guielcer de For, apenas 5% dos moradores farão parte da amostragem e 95% responderão ao básico.
O questionário de amostra que há nove anos tinha, no máximo, 119 questões passou para 76. Já o questionário básico caiu do máximo de 49 para 26 perguntas. Dentro de um mesmo questionário, a quantidade de perguntas pode variar de uma pessoa para outra, já que uma resposta pode ou não levar a uma pergunta sequente.
As principais diferenças estão na supressão de levantamento sobre abastecimento de energia elétrica, quantidade de equipamentos e eletrodomésticos, valor do aluguel em caso de ser imóvel alugado, tipo de ocupação dada ao domicílio (casa, hotel, asilo, etc), se há mais de um responsável pelo imóvel, entre outros itens que irão interferir no diagnóstico econômico e habitacional. Outras questões foram retiradas como a contagem de pessoa com deficiência geral (serão computadas apenas as deficiências específicas) e, na educação, o tipo de rede de ensino frequentada (se pública ou privada).
A polêmica sobre a redução de questões ganhou corpo quando o ministro da Economia Paulo Guedes criticou o tamanho do censo e determinou corte de custos no início deste ano. O investimento que era de 3,4 milhões passou para R$ 2,5 milhões, uma redução de 25%.
Mas para o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE o corte de questões não tem cunho econômico, e sim, político, e vai impactar diretamente na vida dos cidadãos nos próximos anos. A entidade tem uma campanha em andamento chamada Censo sem Cortes, desde que os cortes (nos questionários e de custos) foram anunciados no final de abril. De lá para cá, já foram quatro audiências públicas na Câmara de Deputados e uma no Senado. Em material de divulgação, o sindicato chama a medida de intervenção do governo e diz que teme que ela reduza o censo a uma "mera contagem populacional, o que teria graves implicações para as políticas públicas". Os trabalhadores tentam ganhar apoio para que as questões suprimidas voltem a fazer parte dos questionários.
– Impacta no número de contratados (recenseadores), mas o que se estará perdendo de dados, não tem o que pague. Quando se tira quesitos como aluguel, imigração internacional e migração interna isso é impactante porque mexe com FPM, o Fundo de Participação dos Municípios, que é o que os municípios recebem em cima da população que têm – declarou o coordenador do núcleo do Rio Grande do Sul do Assibge, Antônio Carlos da Mata.
O sindicalista defende que um dado como o de migração de pessoas entre os municípios precisa estar no questionário básico que tem alcance de 90% da população e não no da amostragem, como estabeleceu o novo modelo para 2020.
Outras fontes de dados
Para alguns dados, a direção do IBGE alegou que eles podem ser obtidos por outras fontes, como de registros administrativos, ou no caso dos aluguéis, de pesquisa específica feita pelo órgão. Da Mata diz que levaria anos para criar um banco de dados de registro administrativo e que nesse período se criaria um hiato, um vazio de dados. Sobre os aluguéis, a pesquisa feita pelo IBGE só tem um recorte de famílias de baixa renda, não alcança classes média e alta, pondera o sindicalista.
Da Mata explica que as questões do censo são debatidas com a sociedade científica, acadêmica e civil, é elaborado pelo corpo técnico e passa por dois testes (provas) antes de ser aplicado de forma experimental em determinado município. As provas servem justamente para fazer os ajustes necessários. Mas, foi entre uma e outra etapas que vieram os cortes, segundo Da Mata, desrespeitando o escopo técnico do IBGE e sem a anuência do conselho consultivo. Em função disso, cinco gerentes do Instituto entregaram os cargos.
O Ministério Público Federal pediu esclarecimentos ao IBGE sobre os cortes. Da Mata alerta que, a depender da decisão da Justiça, existe ainda a possibilidade de o censo experimental ser suspenso. Caso o censo volte ao número de questões original, o sindicato está tentando conseguir recursos para viabilizar a aplicação, completando o valor que foi cortado ou por emenda parlamentar ou pelo próprio orçamento do governo.
O teste dos novos questionários ocorrerá com a aplicação experimental que será feita em Poços de Caldas, Minas Gerais, deste mês a novembro. O censo oficial ocorre entre agosto e outubro do ano que vem em todos os 5.570 municípios do país.
Descontinuidade pode trazer prejuízos
O professor de Economia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Mosár Leandro Ness, pondera que a supressão de algumas informações não inviabiliza o levantamento, contudo, a descontinuidade pode trazer prejuízo em se tratando de séries temporais de consumo, trabalho e renda.
Entre os pontos destacados na análise do professor estão a ausência de pesquisa sobre bens duráveis, como geladeira, veículo e televisão. Segundo Ness, esses itens, assim como a migração urbana, entre outros, podem ser pesquisados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, mas essa informação ficará restrita as regiões metropolitanas.
Além disso, nas características da ocupação do domicílio, a principal perda se refere ao valor do aluguel. A informação, em termos de série histórica, ajuda a observar como a renda do imóvel é avaliada em diferentes regiões do país. A mesma é associada ao nível de atividade, concentração populacional e renda do trabalho.
No quesito de escolaridade, para o professor, as principais informações foram observadas e as que foram retiradas podem ser acessadas via censo escolar. No entanto, conforme Ness, a condição de concluir o curso na rede pública ou privada, poderia ser preservada, para que se identifique a participação de cada segmento na formação escolar dos brasileiros.
Outra descontinuidade observada pelo docente trata da condição dos filhos e nascidos mortos, a qual considera uma perda porque remete às condições de vida do meio – sociedades desenvolvidas tem baixa taxa de mortalidade infantil.
– A mudança promovida no censo de maneira geral representa em parte as mudanças por que passa a sociedade de tempos em tempos. A preservação de algumas dessas contribuiria para que se pudesse perceber as transformações, as tendências e a velocidade das mesmas ao longo do tempo, o prejuízo não será sentido imediatamente, mas a longo prazo. Os ingleses foram os primeiros a medir e anotar a temperatura, sem essa informação, não saberíamos que a temperatura global está aumentando – ponderou Ness.
Confira a que se referem as perguntas de 2020
Do questionário básico:
De 1 a 6) Moradores do domicílio
De 7 e 8) Abastecimento e distribuição de água
De 9 a 11) Banheiros e esgoto
12) Lixo
De 13 a 18) Étnico-racial
19) Registro de nascimento
20) Educação
21) Rendimento bruto
De 22, 23, 24 e 25) Falecidos
26) Quem prestou informações
Do questionário da amostra (completo):
De 1 a 6) Moradores do domicílio
De 7 a 10) Sobre o domicílio
De 11 a 12) Abastecimento de água
De 13 a 15) Banheiros e esgoto
16) Lixo
De 17 e 18) Eletrodoméstico e internet
De 19 a 24) Étnico-racial
25) Registro civil
27) Nupcialidade
De 28 a 31) Núcleo familiar e fecundidade
32) Religião
De 33 a 37) Pessoas com deficiência
De 38 a 42) Migração
De 43 a 50) Educação
De 51 a 71) Trabalho e rendimentos
De 72 a 75) Mortalidade
76) Quem prestou as informações