"(...) Um senhor simpático, de bigode fino, cabelo penteado e calçando um par de chinelos, abre a porta com um sorriso. Recepciona o convidado e o conduz para a sala. Lá, depois de uma breve conversa, o senhor pega a bíblia, enrola um dos terços na mão direita e colhe um galho pequeno de arruda no quintal. Equipado, inicia o trabalho. Com a voz baixa, sussurra uma reza quase que inaudível sobre a pessoa que está sentada no sofá. Às vezes usa tesoura, agulha, moeda, aliança, água benta ou até fogo. Em poucos minutos o senhor finaliza a reza com um sinal da cruz e, com um sorriso amigável, anuncia o término da sessão de benzimento."
O trecho citado acima faz parte da introdução do trabalho de conclusão de curso do acadêmico de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda Guilherme Carniell, 23, apresentado em julho na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo.
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Morador de Garibaldi, ele teve na convivência com o avô, Jesuíno Rodrigues Ramos, 80, benzedeiro, a inspiração para a pesquisa acadêmica aprovada pela banca avaliadora com distinção e indicada para publicação.
O relato, fiel e ao mesmo tempo poético, traduz o procedimento comum a benzedeiros da região.
— Eu entrevistei o meu avô e consegui o contato de mais duas benzedeiras: a dona Nedina e a dona Tere, ambas de Garibaldi. A simpatia, humildade e sabedoria dessas pessoas fizeram valer a pena toda a pesquisa — conta Carniell, que focou o estudo nesses sujeitos que, mesmo com pouco ou nenhum acesso à tecnologia, conseguem preservar o benzimento onde vivem.
Pensando na fala oral como mídia, no patrimônio cultural imaterial, na tradição de benzimento e no sujeito cidadão que benze, o pesquisador analisou como se dá a transmissão da sabedoria popular, buscando compreender esse tipo de comunicação e quais os aspectos que colaboram para a preservação do benzimento.
O estudante ainda atentou para os elementos comunicativos presentes no ritual de benzimento. Este olhar resultou em um monólogo teatral, intitulado "A Cura", apresentado pela primeira vez em dezembro do ano passado, como conclusão do Curso Profissionalizante de Ator da Tem Gente Teatrando, em Caxias do Sul. O roteiro escrito em forma de cordel ainda abordou a temática da homofobia.
— No dia da estreia meu avô estava na plateia e eu tive a oportunidade de benzê-lo. Para mim, aquele momento foi como o encerramento de um ciclo. Era como se eu pudesse retribuir tudo o que ele já fez por e para mim.
Na tela
A atuação de benzedeiras de Caxias do Sul e região também pode ser conferida no documentário "A Sagração do Cotidiano, Benzeduras" produzido em 2009. Com roteiro de Alessandra Rech e direção de Janete Kriger, o trabalho reúne depoimentos de seis benzedeiras e benzedeiros, com duração de 24 minutos. O documentário encontra-se disponível online.