Um velho e surrado tênis rosa é o que Maiara mais gosta na vida. É o brinquedo preferido, o equivalente ao paninho de estimação ou até mais do que isso. Infelizmente, o amigo de toda hora está dando adeus. De tanto manuseio e devido ao avanço do tempo, o calçado está se decompondo, o que é ruim. Não há outro modelo igual que substitua ele. Em outras ocasiões, Maiara foi parar no hospital com febre alta porque ficou sem o tênis. A família teme que ela não aguente uma separação definitiva e pede ajuda da comunidade.
Com graves limitações desde o nascimento por conta de uma paralisia cerebral, Maiara tem 27 anos e passa o dia numa cadeira de rodas. Depende de alimentação via sonda e dos cuidados ininterruptos da devotada mãe, Ilsa Maria Silva Pereira, 52. As duas vivem numa casa simples no bairro Serrano. Com o salário mínimo da pensão recebida por Maiara, a rotina exige esforço contínuo, dificuldade que pode aumentar se o tênis desaparecer.
O problema é que ela não aceita qualquer brinquedo, apenas o calçado amigo. Dona de uma coleção de mais de 50 bonecas de todos os tipos e tamanhos, a jovem só se satisfaz com o tênis. Uma verdadeira paixão. A esperança é que alguma fábrica ou designer se compadeça e reproduza o produto. Ou que alguma outra família tenha um par igualzinho guardado em casa e se disponha a vender ou doar. Não adianta ser parecido, precisa ser fiel ao original.
A ligação dela com o singelo objeto começou quando Maiara ganhou o primeiro par de tênis da mesma marca e modelo. Ela devia ter oito anos. Usou durante um bom tempo nos pés e Ilsa percebeu que a filha havia se apegado ao calçado de outra forma. Até então, seu melhor amigo era um paninho que servia para mordiscar. O tênis ganhou status no universo de Maiara. Deixou de ser o protetor dos pés e foi alçado a uma posição que outros brinquedos jamais vão ter. Maiara dorme com o amigo aconchegado junto ao pescoço e passa o dia segurando o tênis como se fosse a mão de alguém. E ai de quem ousar tirá-lo dela.
Há 10 anos, Ilsa conheceu uma mulher que tinha um tênis igual, mais novo e com número menor.
— Essa senhora me deu o tênis. Bom, como minha filha já não usava mais o outro nos pés, decidi colocá-lo fora, estava muito usado, e ficar com esse novo. Que arrependimento, teria ele agora para trocar — diz Ilsa.
Veja o apelo da mãe de Maiara:
Febre, perna quebrada e correria
Ilsa cita diversas situações para mostrar a importância do tênis para Maiara. Há alguns anos, o calçado caiu no chão e a filha se jogou para pegá-lo. O resultado foi uma perna quebrada. No hospital, quando ainda conseguia caminhar, ela desceu da cama para catar o calçado preso num vão. Saiu do quarto e foi até a sala onde a equipe médica estava reunida como se quisesse mostrar o amigão. Meses atrás, mãe e filha foram até o centro e Maiara derrubou o tênis na rua.
— Nossa, ela ficou muita agitada e vi que estava sem o tênis. Corri pelas ruas tentando encontrar. Um haitiano achou e devolveu. Foi um alívio — conta Ilsa.
Certa vez, mãe e filha foram até um shopping ver o Papai Noel. Maiara, claro, levou o amigo consigo. Na época, ela preferia o pé direito — o esquerdo ficava guardado. No passeio, o tênis amado se perdeu, o que Ilsa só percebeu ao chegar em casa. A mãe tentou buscar o amigo da filha de todas as formas no shopping, sem sucesso.
— A Maiara ficou muito ruim, com febre, teve que ficar no hospital. Fizeram tudo que é exame e não descobriram nada. Era o dito tênis — relembra Ilsa.
A filha teve muita dificuldade para aceitar o par que sobrara. Ilsa colocava na mão de Maiara, que imediatamente devolvia. Foram dias de negociação.
— Tive que botar na cabeça dela que só tinha aquele. Eram iguais. No fim, acabou pegando e não desgrudou mais.
A nova amizade curou a febre e a agitação.
Pedido de ajuda nas redes sociais
Por conta desses contratempos, a busca de um substituto começou há meses. Ilsa levou o velho tênis num sapateiro, que disse ser impossível recuperá-lo. A sola, por exemplo, está esburacada. Ilsa e outra filha, Tainara, percorreram inúmeras lojas e não acharam o modelo. A família comprou um tênis parecido, mas Maiara não aceita. A família já espalhou pedidos de ajuda pelas redes sociais, na vizinhança, por meio de amigos e profissionais que atendem Maiara.
É possível identificar a marca Kidy na língua do tênis. Contatada pela reportagem, a fabricante, com sede em Birigui (SP), soube da história de Maiara e avalia a possibilidade de tentar achar uma solução. A tarefa não é simples, pois trata-se de um produto fora de catálogo há muitos anos, fabricado possivelmente no fim dos anos 1990.
— Se alguém tivesse um igual, seria o melhor presente — pede Ilsa.
Se você tem um tênis assim e está disposto a ajudar Maiara e Ilsa, contate a redação do Pioneiro pelo WhatsApp (54) 99921.2228.
Doença
A paralisia cerebral é uma deficiência que afeta as funções neurológicas e compromete o desenvolvimento motor e cognitivo. O grau do comprometimento varia de pessoa para a pessoa, mas pode afetar a fala, a locomoção e o intelecto. O quadro também pode vir acompanhado de epilepsia. Maiara não fala, não caminha e também tem convulsões.
— Pelo o que os médicos disseram, minha filha já teria morrido. Só que ela está firme, fico em cima sempre. Antes eu ia trabalhar, mas ficava cuidando dela de noite e ia trabalhar de dia, sem dormir, acabei perdendo empregos. Ninguém fica com a Maiara porque ela precisa de muitos cuidados — ressalta Ilsa.