Lúcio, Vegas e Antônio têm presença marcante no ambiente de trabalho. Lúcio recebe com simpatia os clientes que chegam a um spa na Rua Os Dezoito do Forte, em Caxias do Sul. Vegas olha com calma os processos em um escritório de advocacia no bairro Fátima. Já Antônio é o garoto-propaganda de uma loja de parafusos na Perimetral Norte.
O que diferencia esses funcionários dos demais da equipe é que eles têm quatro patas, um focinho e ronronam para receber o público. Isso mesmo, eles são gatos. Os três enfrentaram maus-tratos, abandono, fome e dor até terem escolhido famílias que os acolheram.
Manter os animais de estimação no trabalho só trouxe benefícios aos proprietários. O ambiente, segundo os empreendedores, fica mais tranquilo e até os clientes sentem a leveza. A ideia de manter os felinos no trabalho surgiu por motivos diferentes, mas os profissionais são unânimes: não imaginam mais como trabalhar sem a companhia dos gatos.
O número de empresas brasileiras que pensam na possibilidade de levar um animal de estimação para o trabalho chama atenção, tanto que o assunto é tema de levantamento inédito feito pela DogHero, que é um aplicativo que conecta donos de cães a passeadores e anfitriões que hospedam os bichos em casa. A pesquisa mostra que 9 em cada 10 brasileiros querem levar o cachorro para o trabalho.
— O levantamento só referendou aquilo que já sentíamos no nosso dia a dia: o brasileiro ama cachorro e gosta de tê-lo por perto em todos os ambientes, inclusive no trabalho. A nossa vivência no escritório comprova que é possível tornar real esse desejo dos trabalhadores e que isso é benéfico não apenas para eles, mas também para os peludos_ analisa Eduardo Baer, CEO da DogHero.
O resultado do levantamento está alinhado a conclusões de uma pesquisa divulgada pela Virginia Commonwealth University, nos Estados Unidos, que concluiu que os colaboradores que levavam animais para o ambiente de trabalho apresentavam níveis de estresse menores. O estudo demostra ainda que parte dos colegas acreditava que a presença dos bichos gerava um impacto positivo sobre a própria produtividade.
Em um outro estudo realizado pela Banfield, rede de hospitais norte-americana, 86% dos colaboradores entrevistados afirmaram sentir redução nos níveis de estresse com a presença de cachorros no trabalho e 67% identificaram aumento na produtividade. A pesquisa é focada em cachorros, mas para quem é gateiro parece ainda mais fácil transformar a empresa em um lar. Dois pontos principais são levados em consideração: a higiene e o fato dos gatos não precisarem sair para passear.
A médica veterinária especialista em felinos Raquel Redaelli afirma que os gatos são limpos e silenciosos:
— Quem tem gato sabe que ele é um animal muito limpo, ele não tem cheiro, faz as necessidades no lugar certo, e são animais mais tranquilos que os cães neste sentido _ ressalta Raquel.
Ela acrescenta que eles se tornam muito sociáveis e o ambiente de trabalho é o seu lar:
— Os gatos convivem com um maior número de pessoas e acabam se tornando mais amigáveis e o clima de tensão do dia a dia de trabalho fica mais tranquilo e todos se divertem e se animam na companhia de um gatinho. Eles agregam ao ambiente e há muitos estudos que compravam que aumenta a produtividade das pessoas e o bem-estar de todos que convivem com um felino.
Lúcio, o gatocionista
Ao chegar num spa no bairro Lourdes, a reportagem foi recepcionada pelo felino Lúcio. De cara, ele fica atento aos movimentos, principalmente, aos do fotógrafo. Acompanha a câmera com a curiosidade típica dos gatos.
— Ele é assim, chegou gente ele está na porta esperando e acompanha a cliente em todos os ambientes. Se estamos no administrativo, ele está conosco e se estamos no salão, ele vai junto — entrega a administradora Valeska Boufleur 42 anos.
Conhecida como encantadora de gatos por sua habilidade em adaptar felinos ariscos ou com muito medo, ela conta que não há mistério.
— É preciso paciência e amor — dispara a dona de Lúcio.
O amor pelos gatos foi herdado da mãe, Lúcia. Valeska mantém o felino no ambiente de trabalho e outros cinco em casa:
— Tenho gatos desde pequena. O Lúcio veio para mim retirado de maus-tratos e, às vezes, ele reage por medo, mas nós o conhecemos bem. Ele passa mais segurança que um cachorro porque a nossa massoterapeuta esteve aqui no salão fora do horário de trabalho e o Lúcio não deixou ela entrar — conta sorrindo.
Valeska lembra que o felino "adotou" a mãe dela e o amor e cuidado era tanto que, com intenção de proteger a primeira dona, Lúcio impedia algumas pessoas de se aproximarem dela:
— Minha mãe partiu em dezembro do ano passado. Ela estava acamada após um AVC e ele dormia na cama dela. Como ele era muito protetor e algumas pessoas têm medo, trouxe ele para o spa e ele amou.
À vontade no espaço, o bichano circula no balcão da recepção e se aproxima das clientes mais abertas ao contato.
— Tenho clientes de anos e uma delas me dizia: "odeio bicho, tenho medo de bichos", e agora ele sobe no colo dessa cliente, enquanto estou fazendo a unha dela. Ele foi conquistando as clientes e ele sabe quem gosta de bichos, principalmente, as vovozinhas, e tem uma que ele adora, e sobe no colo enquanto estou lavando o cabelo dela. Aqui é o lugar dele — ressalta ela.
Valeska telou uma parte do pátio do spa para que Lúcio não corra riscos, já que fica longe da rua. Ela pretende levar outra felina, a Jujuba, para fazer companhia ao Lúcio. A gatinha foi resgatada em um matagal em 2017 e até hoje ainda tem muito medo de humanos. Ela acredita que a proximidade de Lúcio e dos clientes fará bem a gata, assim como a presença dos felinos energiza o spa.
— O clima fica calmo e tranquilo porque a energia deles é positiva. Para adotar basta querer e ter consciência de que é uma troca: assim como eles te cuidam, você também tem que cuidar deles. É um compromisso e um ato de amor.
Vegas, a advogata
— Ela é a titular do escritório porque tem toda a personalidade de uma advogada _ entrega Josene Mazzochi Berti, 32.
Vegas chama a atenção pela beleza exuberante. Circula pelo escritório de advocacia, ao lado da residência da família, com desenvoltura. Sobe na mesa e olha atentamente os processos como se estivesse focada em cada caso. A cama da felina e os paninhos ficam embaixo da mesa de Josene:
— A Vegas tinha um irmão que morreu há quatro anos. Nós morávamos em Porto Alegre porque fui fazer uma pós-graduação e hoje o escritório é só dela. Ela tomou esse espaço. A Vegas fica uma estátua, bem paradinha, não atrapalha em nada, ela fica olhando os processos e os clientes, como se estivesse em atendimento também, e prestando atenção na conversa.
Quando os clientes não estão em atendimento, Vegas acalma tanto a profissional quanto quem busca os serviços de advocacia.
— Ela passa tranquilidade e deixa o clima mais suave, ela está sempre perto, e eu me sinto mais segura com ela. Ela recebe bem, se esfrega e fica roçando nas pernas dos clientes, cheira e interage bem com todos — ressalta.
Josene conta que a gatinha foi jogada ainda filhote no pátio de sua casa, onde ficava sua cachorra.
— Acredito que jogaram ela para que a minha cachorra, que era uma rottweiler de 45 quilos, a matasse, mas ela salvou a Vegas porque empurrou a porta para nos chamar como se quisesse nos avisar que a Vegas tinha chegado e precisava de ajuda. Ela era muito pequena e eu tive muito medo de perder aquela gatinha, mas ela foi forte e hoje está aqui, linda, cheia de personalidade, um doce, e amo muito ela.
Josene era hiperativa e quando tinha sete anos, o pediatra aconselhou os pais a adotarem um gato. O amor aos animais despertou na infância e a medida que ela cresceu, aumentou também o número de felinos e cães que fazem parte da família. Hoje são cinco gatos: a Vegas, o Shiva, a Tequila e as filhotinhas Shanti e Isis e dois cachorros, o Theo e o Homer. A presença dos animais mudou a rotina da família, que antes mais resistente, se rendeu totalmente aos bichinhos:
— O Théo é todo da minha mãe. Os cães dormem com os meus pais, na cama deles. As filhotinhas também. A mãe passou por uma cirurgia no quadril há alguns anos e foi ele que ajudou ela a se recuperar mais rápido. Ele e a Tequila que dormia na cama com a mãe todos os dias.
Para Josene, basta estar disposto a cuidar e amar e, se preciso, adaptar o ambiente de trabalho para deixar os animais em segurança e confortáveis.
— Quem tem condições pode mudar a vida de um cão ou gato e pode ter certeza que no fim das contas a sua vida muda ainda mais. Se eu mudar de escritório, com certeza a Vegas vai comigo, porque ela sente que esse é o lugar dela — garante.
Antônio, o gerengato
— Ele se tornou um membro da família — conta o empresário Ricardo Guimarães Varela, 32.
Ricardo e o irmão Rafael, 24, assumiram a loja da família, no bairro São José, e dividem a responsabilidade de cuidar de Antônio, carinhosamente chamado de Toninho ou Gatão.
Os irmãos estão convictos: o lugar dele é na empresa e não há empecilhos para manter um animal de estimação no trabalho:
— Ele acompanha a nossa rotina. Sobe no balcão como se atendesse aos clientes, circula pela loja e nos acalma. Não é difícil. Ele sabe que às 18h vamos fechar e, se está ali na frente, entra e vem para a cama dele. Nunca tivemos problemas com higiene porque ele usa a caixa de areia e não tem bagunça_ afirma Rafael, que acrescenta que Antônio inspira as pessoas a adotar e cuidar de um bichinho.
— Não gostava de bicho. Não tinha esse sentimento e o Antônio fez isso mudar — confessa Ricardo.
— Quando ele não está aqui na empresa é como se faltasse algo, um pedaço de nós. Fica um buraco — complementa.
Já Ricardo sempre gostou de animais, mas enfrentava a resistência do pai e do irmão.
— Tive um cachorrinho na infância e um dia me falaram que ele tinha fugido. Quando cresci, soube que tinham doado ele. Fui ter animal de estimação adulto e agora não imagino como ficar sem.
Ricardo conta que a sede da empresa era próximo ao hospital do Círculo e foi lá que Toninho apareceu.
— Ele estava muito machucado e sem pelos na cabeça. Não tinha fratura exposta, mas não estava bem e simplesmente entrou na caixinha como se soubesse que íamos cuidar dele.
A chegada do felino ocorreu cinco meses depois de os irmãos enfrentarem um dos momentos mais difíceis de suas vidas: a morte do pai Rubens Varela, 60.
— A ideia inicial era doar o Antônio porque achamos que não daria certo um gato morando em uma empresa que fica num ponto movimentado como a Perimetral Norte. Fazia pouco tempo que nosso pai havia morrido e o clima estava triste e muito pesado. Percebemos que a chegada dele ajudou muito a ir superando a dor — conta Ricardo.
Quando mudaram para o São José, os irmãos pensaram em levar Antônio para a casa de um deles, mas sabiam que o gato, assim como eles, sentiria falta do ambiente de trabalho.
— O clima é leve e todos ficam mais tranquilos de trabalhar com ele por perto. Se estamos estressados vamos até ele para fazer um carinho e ouvir ele ronronar. Alivia a tensão — ressalta Rafael.
Ricardo afirma que os clientes adoram a ideia e Antônio tornou o garoto-propaganda, ou melhor, o bichano-propaganda:
— A interação nas nossas postagens aumentou desde que começamos a usar fotos dele porque todos acham ele lindo e muito fofo — derrete-se.
Ele acrescenta que é importante abrir o coração:
— As pessoas se impõem limitações e nós podemos garantir que não tem nada melhor que conviver o dia todo com o Antônio. Ele despertou sentimentos em mim e hoje sei o que é amar e cuidar de um bichinho.
PESQUISA
A pesquisa da DogHero ouviu mais de 700 profissionais de diversas área de atuação. O levantamento foi feito em abril deste ano. Apesar de o foco ter sido cães, os dados demostram que a produtividade aumenta se o profissional tiver proximidade com um pet.
z 94% dos entrevistados gostariam de trabalhar em um ambiente que aceite pets.
z No recorte com profissionais que atuam especificamente em escritórios, o número aumenta: 96,5% dos entrevistados afirmaram gostar da possibilidade de levar o seu cachorro para o trabalho ou de contar com a presença de cães de colegas no local.
z 91,85% das pessoas que não têm um cachorro também gostam da ideia de trabalhar em um ambiente em que os cachorros são bem-vindos.
z 68,15% do mesmo grupo acreditam que trabalhar em locais em que cães são aceitos facilitaria a adoção de um bichinho