Diversidade de raças, etnias, idiomas, jeitos, vidas e sonhos. Caxias do Sul é plural. Colonizada por italianos, a cidade mantém viva a tradição dos imigrantes, que chegaram a cidade, por volta de 1875, com as festas nas colônias, a religiosidade e a gastronomia típica, mas ao longo de 129 anos de emancipação, abriu as portas para o mundo.
Ao passear pelas ruas e andar pelos bairros é marcante a pluralidade de culturas e etnias de quem ajuda a escrever a história de Caxias. São personagens que nasceram aqui, possivelmente, no Hospital Pompéia, ou que cruzaram os mares para fazer da cidade o que ela é hoje.
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Mesmo com problemas típicos dos grandes centros urbanos, Caxias é uma das melhores cidade do país para se viver. Das lindas paisagens do interior à tradição gaúcha dos CTGs, pulsa cultura, arte e esporte, revelando nomes que brilham no cenário mundial. Terra do bauru com molho verde servido ao prato, do galeto ao primo canto, do tortéi, da sopa de agnoline e de um dos melhores xis do mundo, ao menos para quem nasceu aqui, a cidade aprendeu a acolher.
A irmã Maria do Carmo é uma das figuras mais importantes nessa acolhida. Ela deixou a coordenação do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) no início do ano para se dedicar ao doutorado em Ciências Sociais na PUC, mas passou oito anos à frente deste trabalho de acolhimento a quem desbrava um novo mundo.
– Tenho esperança que a sociedade perceba que esse fluxo é permanente, que as pessoas vêm para residir aqui, com religiões diferentes, com a sua marca cultural histórica, e que vem somar e criar esse encontro bonito que é muito positivo para Caxias. Para quem nasceu aqui, o encanto pode até passar despercebido na correria do dia a dia, mas para quem elegeu Caxias como destino, é mais fácil tecer elogios. Gente que chegou aqui com a mala carregada de sonhos e expectativas, seja em busca de emprego, para cursar a universidade ou para construir e dividir a vida ao lado de um amor ou da família – ressalta a religiosa.
"Amo a natureza de Caxias", afirma turca
Serena e com o tom de voz calmo e tranquilo, a turca Melek Ozorpak, 35 recebeu a reportagem em uma sala decorada com objetos de sua terra natal. Ela e o marido Fatih, 40, são professores e integram um movimento educacional, que os trouxe para o Brasil há 14 anos. Desde o ano passado, Caxias se tornou o novo lar do casal e das filhas Dilek 13, e Ipek, 5, que nasceu no Brasil. Eles vieram para a cidade para ajudar uma família de turcos e respirar novos ares, literalmente:
– Eu gosto da natureza, vou confessar, depois de São Paulo eu voltei a respirar ar puro em Caxias. É uma cidade mais verde, muito mais verde, limpa e com mais qualidade de vida.
Em Caxias, a família teve que se readaptar novamente:
– O sotaque e a gastronomia são bem diferentes, inclusive, de São Paulo. Aqui as pessoas falam mais harmoniosas, meio cantando no final, meu sotaque está caindo para o dos caxienses, eu acho! – afirma ela.
A gastronomia, que mistura as culturas italianas e gaúchas, conta com carne na maioria dos pratos, o que limita o cardápio, principalmente das crianças, que seguem a religião do pais. Eles são muçulmanos.
– Não comemos qualquer tipo de carne, nem gordura animal e nada que venha do porco. As restrições afetam nossa vida, principalmente na escola, mas aos poucos vamos nos adaptar.
A troca cultural e religiosa ocorre com frequência, entre a família e moradores de Caxias, em jantares na Casa das Etnias:
– Promovemos um encontro ao fim do Ramadã, que é o nono mês, no calendário islâmico. Celebramos com pessoas de vários grupos étnicos e apresentamos a história da nossa religião de quem somos e como conseguimos viver com nossas crenças.
"Mantenho os costumes da minha religião", diz senegalês
Conhecido como Billy, Abdoulahat Ndiaye, 32, é uma referência entre os senegaleses que desembarcaram em um terra nova, longe da família, sem entender o português, sem emprego ou casa para morar. Assim como os demais, ele também enfrentou barreiras linguísticas e culturais, que hoje tira de letra ao receber a reportagem e se sentir à vontade para falar sobre aspectos de sua religião: o islamismo. Essa naturalidade faz com que os senegaleses o indiquem como representante, já que ele os recebe de portas abertas ao longo dos anos.
— Mesmo longe de casa, mantenho os costumes da minha religião. Rezo cinco vezes ao dia. É um momento de falar com Deus, em silêncio, com muita fé e pureza.
Ele explica que o ato obedece a uma série de regras, por exemplo, o fiel tem que orar sempre voltado para a Meca, cidade da Arábia Saudita onde está seu principal santuário.
— Só podemos rezar em locais limpos, por isso, sempre tenho comigo um pequeno tapete que carrego para qualquer parte porque é uma garantia de que se estou rezando sobre um local puro. Tem toda uma preparação, agradeço a Deus em árabe e me conecto com o criador.
Ele admite que nem sempre consegue rezar nos horários programados ao longo do dia, mas quando a rotina é mais tranquila cumpre o ritual.
— Quando posso rezo as cinco durante o dia, e caso não consiga faço o ritual ao chegar em casa.
Dono de uma loja no Centro de Caxias, ele acredita que hoje há mais respeito, não só pela crença, mas em relação a raça e a cultura também.
— Preconceito existe em qualquer lugar do mundo, mas sei que no nosso caso é mais forte pela cor da pele. Vemos muitos olhares que nos dizem que aqui não é nosso lugar, mas para cada olhar, há dez caxienses que torcem pela nossa felicidade. É um dia de cada vez. Até as empresas hoje entendem que precisamos rezar e que no Ramadã, temos que jejuar, e aceitam nossos costumes.
"Aqui eu vivo livre", confessa japonês
Aos 78 anos, o japonês Teruhisa Takanashi, viveu a maior parte de sua vida em Caxias do Sul. Formado em Engenharia, ele desembarcou no Porto de Santos, em 18 de outubro de 1961, para trabalhar em uma empresa paulista. Eram nove vagas e ele concorreu com 22 mil japoneses para conseguir o emprego. Depois de cinco anos em São Paulo, ele chegou a Caxias:
— Cheguei no dia 21 de julho de 1966 para trabalhar na Robertshow. Nevou naquele ano, e eu tremia de frio no hotel, porque não trouxe roupas para encarar o inverno. Não fazia ideia que fizesse temperaturas tão baixas aqui, mas eu gostei do clima, que é parecido com o de Tóquio. Quando conheci minha esposa e casei, sabia que não voltaria ao Japão e que iria morar em Caxias até o fim da minha vida.
Ele montou uma filial da Associação da Cultura Japonesa, em Caxias, em 1971. Takanashi ensinou o idioma, a cultura e a culinária japonesa para descendentes de japoneses e caxienses por 46 anos. Quando não pode mais se dedicar a associação, ele solicitou ao governo japonês que designasse professores para seguir as atividades.
Pensativo, admite que aprender o português foi o mais difícil, mas afirma que aqui ele pode viver em liberdade:
— Aqui eu vivo livre porque é uma cidade onde é possível escolher e ter o pensamento livre e agir como quiser. Tenho liberdade de pensamentos e atos. Nós que tivemos uma educação rigorosa e fomos ensinados sobre o que é certo e errado, podemos escolher sempre o bem. Eu sei que o mal prejudica a mim, aos meus familiares, à comunidade e ao país, então sempre vou fazer o bem.
Hoje em Caxias, há 212 descendentes de japoneses, sendo que apenas oito são de primeira geração os issei, nascidos no Japão, sessenta são nissei, que nasceram aqui e são de segunda geração e sansei, são de terceira geração:
— Os pensamentos são muito diferentes entre quem veio pra cá e os que nascem aqui, por mais que aja os costumes. Até a terceira geração eles têm oportunidade de estudar e trabalhar no Japão mesmo que tenham nascido e sido registrados aqui, mas tem que estudar no Estado em que os pais nasceram, e isso vale até a terceira geração. Hoje tem 18 filhos de japoneses que vivem no Japão.
Após trabalhar 23 anos na Intral, Takanashi se aposentou em 1992 e foi para o Japão, onde passou três meses, para encontrar um negócio próprio. Quando voltou ele abriu uma empresa de aquecedor de água e um restaurante, que vendeu em 2017.
— Fiquei muito doente e fechei a empresa para tratar a minha saúde, comecei a fazer hemodiálise, e então apareceu uma doadora, e recebi um rim novo, sou transplantado desde agosto do ano passado, e graças a Deus estou bem. Sou grato a doadora, que não conheço mas agradeço imensamente, porque renasci e hoje estou cuidando de mim, ainda procuro algo para fazer, não sei se ainda tem algo para alguém de 78 anos, mas estou procurando_ diz sorrindo.
Ele é casado com Solange 71, pai de Denise, 38 e avô de Eduarda, 16, e Juliana, seis.
"Vim viver um amor e buscar oportunidades", conta Latiéle
Ana Latiéle Fagundes Duarte, 33, veio de São Gabriel, na fronteira do RS, há quase cinco anos. Incentivada por um ex namorado, ela conta que Caxias foi a cidade que escolheu para construir sua vida:
— Vim viver um amor e buscar oportunidades, tanto para estudar, quanto para trabalhar. A mudança teve o incentivo de um ex-namorado que me ajudou muito no começo porque eu me sentia muito sozinha e não conhecia ninguém.
Latiéle estuda o curso técnico em enfermagem e trabalha na farmácia do Pronto-Socorro do Hospital Pompéia. Ela admite que mesmo que o povo seja muito fechado, hoje aprendeu a lidar com esse jeitão dos caxienses e confessa que não se vê mais morando fora daqui:
— O povo aqui é muito fechado bem diferente de São Gabriel porque lá na fronteira todo mundo conversas mesmo sem se conhecer e aqui o povo é desconfiado, leva um tempo para conquistar as pessoas. Hoje eu sei como conversar e me entrosar com os caxienses.
Rindo, ela entrega que incorporou um hábito dos caxienses a sua vida:
— Um costume desse povo que descende de italianos, que eu adquiri é ter uma mesa espaçosa na cozinha e sempre com alguma coisa para comer. Na fronteira, a mesa está sempre farta, mas aqui é diferente, porque lá não mantemos comida em cima da mesa fora da hora das refeições, e em Caxias, sempre tem que ter algo - observa ela.
"Eu adoro tórtei", diz baiana
— A educação do caxiense me encanta. Os professores têm paciência para ensinar nossos filhos e percebo a transformação e o aprendizado que eles têm tido desde que chegaram aqui — conta Débora Silva da Conceição, 39 anos.
A baiana, que chegou a Caxias do Sul há quatro anos, veio visitar o marido Carlito Lima Costa, 52, que estava na cidade para trabalhar. Natural de Salvador, Débora é mãe de dois adolescentes Camile, 16 e Kelvis Luís, 15.
A baiana recebeu a reportagem com um prato típico da sua terra e com uma das delícias da gastronomia caxiense, que mais agrada seu paladar:
— Gosto da culinária de Caxias, tem massa, polenta, galeto, mas adoro mesmo o tórtei, é bem gostoso. A massa é diferente porque o molho e o tempero são leves. Se voltasse para Salvador sentiria muita falta do tórtei. Faz parte dos meus pratos favoritos.
Débora não voltou mais para Salvador, e se voltar é apenas para passear. Para ela, o único "defeito" da cidade é o frio.
— Prefiro ficar em Caxias do Sul, mesmo com o frio. A gente não se acostuma, mas consegue aguentar.
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