Ao circular pelas ruas de Caxias do Sul, é visível que o comércio ambulante irregular segue em expansão. Está impressão é confirmada pelas apreensões de produtos. A Avenida Júlio de Castilhos, na região central da cidade, é o ponto com maior concentração de vendas de produtos diversos. Na quarta-feira (15), a reportagem contou 41 pontos mantidos por ambulantes nas calçadas da Júlio, no trecho entre a Marquês do Herval e a Moreira César.
Eletrônicos, roupas, brinquedos, DVDs piratas, calçados, flores e frutas estão entre os produtos que podem ser adquiridos nesta região. Mas existe uma variação conforme o período do ano. No inverno, por exemplo, aumenta a quantidade de luvas e toucas. Embora a prefeitura tenha recolhido neste ano 1.170 itens por mês, o que se nota é um aumento no número de ambulantes.
De janeiro até a última segunda-feira (13), a prefeitura apreendeu 5.163 itens do comércio irregular em Caxias. O número, que ainda vai crescer em maio, é 26% superior aos primeiros cinco meses de 2018, quando foram 4.645 produtos retirados dos ambulantes, uma média de 929 a cada mês. Em 2017, a prefeitura anunciou fiscalização mais intensa para inibir o comércio irregular no Centro. No entanto, os efeitos não têm sido permanentes.
Um ambulante, que não quis se identificar, vende produtos nas ruas de Caxias do Sul há cerca de um ano. O imigrante, que saiu do Senegal para morar no Brasil há três anos, não vendeu nada entre a manhã e o início da tarde no da Avenida Júlio de Castilhos de quarta-feira. A exposição de roupas na calçada da Júlio, entre a Marquês do Herval e a Dr. Montaury, não foi suficiente para atrair consumidores. Além de meias, ele vende calças e agasalhos de moletom com marcas falsificadas comprados em São Paulo.
Conforme o ambulante, parte dos itens tem nota fiscal, mas fornecedores não oferecem o documento para outra parte dos produtos. Com isso, peças apreendidas não são resgatadas.
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O imigrante era eletricista no país africano e, no Brasil, chegou a trabalhar em uma metalúrgica com salário de R$ 1 mil. Quando imigrou, não pensava em se tornar um vendedor nas calçadas de rua do Brasil, mas essa foi a alternativa para se sustentar na maior cidade da Serra Gaúcha. A vontade de se regularizar até existe, mas o ambiente não é favorável. Segundo o ambulante, ele e colegas pensam em alugar uma loja para concentrar os produtos.
— Tem muita burocracia, não conseguimos o alvará, e os aluguéis são muito caros —resume.
Roupas e eletrônicos predominam
Em cerca de 20 minutos, enquanto circulava pela Avenida Júlio de Castilhos, a reportagem avistou cinco ambulantes com potenciais compradores, ou seja, pessoas que pararam para "dar uma olhadinha" ou buscando informações sobre os produtos.
Apesar da predominância de roupas e eletrônicos, também é possível encontrar outros itens, que muitas vezes passam despercebidos por ocupar menos espaço ou por estarmos mais acostumados a eles. Antônio Coimbra, 45 anos, vendia flores na Júlio, próximo à esquina com a Visconde de Pelotas. Ele conta que está nesta região há cerca de 20 dias.
— O homem que vendia aqui foi para outro lugar, então vim para cá — comenta, confirmando que os espaços nas calçadas da via central de Caxias são alvo de procura constante.
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Natural de Minas Gerais, Coimbra já trabalhou como safrista e em frigoríficos no Rio Grande do Sul, onde mora desde 2008. Agora, vende flores com origem de São Paulo e Nova Petrópolis e paga aos fornecedores apenas o que consegue repassar ao consumidor final.
O que diz a secretária de Urbanismo, Mirangela Rossi
A secretária reconhece a dificuldade em reduzir a atividade ilegal. Entre os motivos, ela cita o baixo número de fiscais. Diariamente, até quatro servidores são designados, sendo que o ideal seriam ao menos seis. Como os ambulantes ficam em diferentes pontos, as equipes não conseguem fazer a fiscalização constante.
Além do Centro, ações ocorrem principalmente nas perimetrais, nas estações de integração do transporte coletivo e em locais onde há denúncias, como sinaleiras. Outro aspecto que dificulta o trabalho é que os ambulantes têm uma rede de comunicação que faz com que eles sejam ágeis em sair dos locais.
As ações são voltadas a verificar o comércio em locais proibidos e os alvarás. A procedência dos produtos normalmente não é verificada. Caso comprovem que o material é legal, os comerciantes podem retirá-los. Para aplicação de multas, seria necessário identificar os comerciantes no momento da apreensão, e eles normalmente alegam que estão sem documentos.
O que diz a presidente do Sindilojas Caxias do Sul, Idalice Manchini
A dirigente afirma que a situação se agravou nos últimos anos. Em abril, a entidade lançou a campanha O Barato Sai Caro. Na apresentação, apontou que as perdas em Caxias do Sul são de R$ 3,95 bilhões em vendas revertidas para o comércio pirata. O município também tem prejuízos, porque impostos deixam de ser recolhidos. E a ilegalidade favorece o desemprego: com redução nas vendas, os lojistas demitem.
Para a presidente do Sindilojas, a fiscalização não tem sido eficiente. Ela considera que deveria haver integração com outros órgãos de segurança, inclusive para investigar a procedência dos produtos. E o consumidor é fundamental no processo para reduzir as vendas irregulares.
— É o consumidor que está fazendo essa economia informal girar. É um produto com acesso fácil e poder de barganha de 30%. Então, o consumidor pensa em pagar mais barato. Só que pesquisas mostram que 80% se arrependem após essa compra — afirma, destacando que a qualidade e a segurança desses produtos são inferiores.