A terapeuta Melissa Zotti Bittencourt, 41 anos, tenta obter na Justiça o direito de recolocar o filho de 10 anos numa escola da rede privada de Caxias do Sul. O menino é portador de três transtornos mentais e envolveu-se numa confusão em sala de aula na manhã de 29 de março. Bastante agitado naquele dia, o guri bateu com a régua sobre uma mesa. Um pedaço do material atingiu o rosto de uma monitora.
Sem saber o que fazer, a monitora acionou a coordenação da escola, que encontrou a criança segurando uma tesoura sem ponta e supostamente colocando em risco colegas e funcionários. Na visão da direção, a segurança de colegas e funcionários foi ameaçada e, por outras questões comportamentais que foram se somando ao longo do tempo dele na escola, a opção foi determinar a transferência para outro estabelecimento.
Desde então, a criança está há 26 dias sem estudar. O caso aconteceu na Escola Impulso. Insatisfeita com a decisão, Melissa recorreu a um advogado e tem esperança de ver o único filho incluído novamente entre os colegas. Para ela, teria sido ignorado o aspecto especial que envolve o cotidiano do guri.
O pedido liminar foi protocolado na semana passada pelo advogado Gustavo Chiarani. Segundo ele, está registrado na ata escolar que a criança foi convidada a se retirar devido ao comportamento considerado agressivo. O objetivo é reintegrá-lo na Impulso, pois o menino está acostumado com os colegas e o ambiente — ele frequenta o local desde 2016 e tem inclusive um colega autista. Por outro lado, Chiarani afirma que é difícil encontrar escola disposta a receber alunos especiais.
Melissa soube da confusão num período em que passava pela recuperação de uma cirurgia. Como a escola insistiu que ela fosse até a escola, a terapeuta precisou ir de carona e deitada de bruços no banco traseiro do carro para participar da reunião que definiu o desligamento do filho.
— Eu perguntei o que aconteceria com meu filho e a resposta foi de que ele teria que se retirar da instituição. Perguntei se ele estaria sem escola na semana seguinte e a resposta foi sim. Pediram se eu tinha alguém para me acompanhar na busca por outro local. Depois, fui orientada a passar na secretaria para rescindir o contrato — conta Melissa.
A profissional diz ter peregrinado em diversas escolas particulares de Caxias, mas não obteve retorno.
— Foi muito triste, pois meu filho começou a chorar dizendo que não deveria ter nascido e que queria morrer, que estava tudo acabado — desabafa.
O que diz a direção da Escola Impulso
O menor sempre teve atenção dispensada pela Escola desde o início de 2016, com o devido cumprimento de todas as normas legais exigidas.
Com o surgimento de comportamento recorrente de agressividade, de falta de medicação e de vários registros disciplinares, a mãe foi chamada na escola e houve a concordância que a gravidade dos fatos colocou em risco a integridade física do próprio menor, da professora, da monitora e dos colegas, motivando a transferência para outra instituição de ensino; tendo a escola se colocado à disposição da mãe para auxiliar em todos os procedimentos necessários para a realização da transferência consensual e assistida, com o objetivo de assegurar a continuidade dos estudos pelo menor.
A escola tem alunos especiais e cumpre integralmente com todos os dispositivos legais vigentes.
Advogado aponta falhas
O advogado de Melissa entende que a escola não aplicou, no dia 29 de março, uma medida sugerida pelo médico da criança. A orientação consiste em afastá-lo do convívio de outras pessoas em momentos de agitação para acalmá-lo aos poucos, o que possibilitaria o retorno para a sala.
— Quando a escola aceita a matrícula, tem consciência da deficiência. Mas o estabelecimento não estava dando as condições de suporte e simplesmente desistiu do aluno. Essa criança está desassistida — enfatiza Chiarani.
O advogado também contesta a informação de que a criança foi afetada pela falta de medicamentos e afirma que ele também teve acompanhamento constante de psicóloga e psiquiatra.
— A alegação de que ele tinha comportamento agressivo recorrente não é verdadeira. Houve alguns episódios e todos foram devidamente contornados. Ele não colocou em risco colegas e a monitora. Ele ficou nervoso e a escola não tratou como devia — diz Chiarani.
Segundo diagnóstico do psiquiatra da família, o filho de Melissa tem transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno do humor bipolar (THB) e transtorno opositivo desafiador (TOD), o que exige acompanhamento médico e medicamentos, além do monitoramento em sala de aula de profissional capacitado.
Legislação preconiza inclusão
O caso de Melissa é uma das pontas da inclusão na educação. A lei determina que toda criança tem direito a uma escola, independentemente se é portadora de necessidades especiais, pois a Constituição garante o tratamento igualitário. O acesso, porém, não é tão simples quanto preconiza a legislação. Muitas escolas não aceitam alunos especiais justificando não ter estrutura para atendê-los.
A advogada Vanessa Gomes dos Santos, que lida com o tema, reforça que não é permitido recusar a matrícula de estudantes, salvo quando não há vagas.
— Não se pode alegar que não tem estrutura para atender e tampouco podem acrescer valor a mais na mensalidade em razão do aluno ser especial. O problema é que a lei da inclusão não tratou do treinamento e aperfeiçoamento dos professores e muitos não sabem como lidar com o aluno — enfatiza Vanessa.
O presidente do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS), Bruno Eizerik, garante que as escolas associados recebem orientação sobre inclusão e considera a rede gaúcha preparada e preocupada com a questão, pois estabelecem projeto pedagógico e plano de desenvolvimento individual (PDI). Contudo, ele ressalta que é preciso avaliar o lado de alunos que não fazem parte da inclusão e podem ficar expostos diante de comportamentos agressivos.
— Há outros alunos e temos de preservá-los. Se um aluno, mesmo com monitores, segue agressivo e agitado, ele não está tendo inclusão. Quando chega nesse ponto, a escola chama a família, conversa e esclarece que talvez a troca de ambiente pode favorecer a criança. Aí ocorre uma transferência assistida. É bom lembrar que só largar uma criança na escola não é incluir — pondera Eizerik.
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