Caxias do Sul conta com 81 escolas municipais que atendem cerca de 38 mil crianças. Cerca de3% deste universo de alunos é composto de portadores de necessidades especiais. Ao todo,são 1,1 mil estudantes especiais e cerca de 370 deles contam com o auxílio decuidadores. Algumas instituições se destacam, especialmente, pelo afinco das professoras que atuam nas salas de recursos, espaços destinados exclusivamente para que os estudantes com alguma deficiência sejam incluídos na escola regular.
Há quatro anos, a Lei Federal de Inclusão da Pessoa com Deficiência, nº 13.146/2015, está em vigor. Ela prevê que todos sejam tratados como iguais, tendo os mesmos direitos e deveres, e com o objetivo de incluir socialmente as pessoas que apresentam alguma deficiência. Neste quesito entram as escolas, que devem receber todos os estudantes que quiserem ingressar na rede pública e tratá-los sem distinção.
Entre as instituições que são destaque em educação especial, está a Escola Municipal de Ensino Fundamental Senador Teotônio Vilela, no bairro Nossa Senhora das Graças, com o trabalho das professoras de sala de recursos: Fabiana de Oliveira Pereira e Noeli Meneguzzi Susin. Na escola Governador Roberto Silveira, no bairro Rio Branco, o trabalho está a cargo da professora Andrea Bertassi.
As três professoras têm experiência em sala de recursos há cerca de cinco anos e todas possuem pós-graduação voltadas ao tema da inclusão e educação especial. As docentes complementaram as formações com cursos mais específicos, como braille. libras, extensão em autismo, e buscaram também se aperfeiçoar com recursos tecnológicos que auxiliam nas atividades com alunos especiais.
Mesmo sem muitos recursos nas salas que lecionam, as professoras realizam atividades dos mais variados formatos, para atender todas as necessidades dos alunos. Em ambas escolas,diversos materiais são custeados ou desenvolvidos sem recursos públicos, por meio de rifas ou festas. Segundo elas, há material destinado para a educação especial, mas eles são escassosem relação a todas as necessidades dos alunos.
A professora Fabiana explica que a última verba específica para a sala de recursos que a escola recebeu foi há cerca de três anos. Ela acrescenta outros empecilhos comuns para proporcionar atividades diferenciadas aos alunos.
— Todo o material que nós temos chegou entre 2014 e 2016, no período que a sala de recursos foi instalada. Então, chegaram os aparelhos para o espaço multifuncional. Em seguida, vieram os notebooks com impressoras, mas, depois, nada mais chegou. Nós também temos alguns CD's com programas diferentes, mas que não rodam nos computadores, porque estão desatualizados. Às vezes, também descobrimos algum aplicativo novo e criamos expectativas sobre o auxílio que ele oferecerá à vida dos estudantes, mas também não funciona. E, quando funciona, tem uma série de barreiras — conta Fabiana.
A professora Andrea conta que parte dos materiais disponíveis na sala de recursos da Governador Roberto Silveira são doações próprias.
— Eu tenho filhos, então, acabei trazendo o que tinha em casa. Pois, o que tínhamos na escola era pouco. Comecei a olhar materiais diversos e pensar que serviria perfeitamente para determinados alunos. Além disso, também tenho muito material confeccionado nas férias ou quando sobra um tempo. Tudo para facilitar o ensino dos alunos — esclarece Andrea.
Segundo Viviane Marques, gerente pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, explica porque estas professoras são referência:
— Elas são muito boas no que fazem, apresentam acessibilidade atitudinal (conceito ligado à inclusão). Então, devem servir de exemplo para o grupo de profes. Por vezes, as escolas sofrem com falta de recursos, mas com vontade e acessibilidade atitudinal o trabalho flui. Reitero que o município tem muitas professoras excelentes e isso é perceptível no número de alunos especiais que ingressam na rede. Só neste ano recebemos 94 novos estudantes com deficiência e esta procura aumenta com o decorrer do tempo, devido ao trabalho diferenciado oferecido — conta Viviane Marques.
A Secretaria Municipal de Educação também afirma oferecer formações mensais para ajudar no trabalho das professoras de sala de recursos.
Evolução é perceptível tanto para criança quanto para colegas
A menina Isadora Pereira da Silva, de nove anos, é uma das crianças que se destaca na Senador Teotônio Vilela. Com 27 semanas de gestação, a mãe teve que fazer uma cesariana prematura, para que ela sobrevivesse. Os médicos perceberam que a criança tinha uma restrição de crescimento, o que poderia comprometer sua vida. Algumas semanas depois do nascimento, a menina realizou diversos exames e foi comprovado que ela tinha uma má formação intitulada disgenesia de corpo caloso. A deficiência é um estreitamento responsável por afetar o desenvolvimento, cognição motora, fala, idade mental e restrição de crescimento. Isadora começou no ensino fundamental um ano depois do recomendado. A menina ingressou na escola no bairro Nossa Senhora das Graças apenas aos sete anos, devido ao receio dos pais de que ela não recebesse o atendimento apropriado.
— Eu tinha bastante receio, porque eu não queria que ela ficasse de lado, excluída. Então, eu achava que ela ficaria no final da sala, sozinha, sem ser assistida pelos professores. Mas, agora eu percebo como os coleguinhas interagem com a Isa, receberam ela muito bem e entendem muito a diversidade. Ela adora estar com eles e eu vejo que é recíproco. Além disso, agora eu vejo como a inclusão é muito importante. A Isa se desenvolveu muito nos movimentos e, principalmente, na socialização — relata a mãe Michele Cristina Pereira.
As professoras concordam que a evolução da menina é facilmente perceptível. Mesmo dentro das suas limitações, Isadora desenvolve as atividades oferecidas pela equipe pedagógica.
— Ela cresceu muito. Ano passado, pensei diversas vezes que o nosso trabalho não estava funcionando. Mas, este ano, ofereci algumas atividades para ela e fui surpreendida ao perceber a evolução da Isa — afirma a professora Fabiana Pereira, um das docentes da sala de recursos.
A professora da sala de recursos, que atende a estudante desde que ingressou na escola, ressalta a importância da inclusão. Conforme Noeli Susin, especializada em educação inclusiva, a estudante apresenta uma evolução enorme, especialmente na socialização.
— No começo ela não aceitava contato com os colegas e com as profes. A Isa também não admitia fazer trabalhinhos com tinta, ou similares. Hoje, ela aceita todas as nossas propostas. Percebemos muita evolução nela em todos esses sentidos — relata a professora.
E não é apena Isadora e sua família que saem ganhando. Segundo Fabiana, quem convive com crianças especiais também sai beneficiado.
— Eu acredito muito na inclusão, que ela beneficia famílias, crianças incluídas, e todos os colegas que convivem com elas. Quanto mais os alunos convivem com crianças diferentes, melhor eles lidam com as situações. Por vezes, até melhor do que os próprios adultos — defende a professora Fabiana.
Na escola Senador Teotônio Vilela, são atendidos também outros 14 alunos com necessidades especiais. A maioria têm Deficiência Intelectual (DI) ou são cadeirantes, mas há também estudantes que sofrem de Paralisia Cerebral (PC), Síndrome de Down, deficiência visual,deficiência múltipla e Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Pais têm professores como aliados
Um dos primeiros desafios de quem tem alguma deficiência é o diagnóstico. No caso de Ricardo Luís de Lima Silveira, de nove anos, foi ainda mais complicado. Ele é um dos alunos que se destaca na escola Governador Roberto Silveira. O menino foi diagnosticado aos seis anos com autismo moderado. A mãe, Taisa Silveira, conta que aos dois anos começaram a estranhar o comportamento de Ricardo, pois a criança não olhava nos olhos, e nem tinha começado a falar. Então, os pais procuraram atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) para descobrir se ele tinha algum problema.
Inicialmente, o pediatra disse que Ricardo não apresentava deficiência ou transtorno. Segundo ele, o menino era apenas preguiçoso. Como na época o SUS não tinha nenhum neuropediatra, ele não foi diagnosticado corretamente. Aos seis anos, quando ingressou na Governador Roberto Silveira, a mãe teve uma conversa com a professora Andrea Bertassi, que logo percebeu que Ricardo era diferente das outras crianças. Então, Taisa procurou novamente o SUS, à época já com neuropediatra, e aí, sim, o menino foi diagnosticado com autismo.
A partir deste momento, o desafio foi outro. Para auxiliar a vida das crianças especiais, a secretaria de Educação oferece cuidadores, que ficam disponíveis para ajudar com higiene, locomoção e alimentação. Entretanto, no primeiro momento, a mãe teve muita dificuldade em conseguir que a secretaria disponibilizasse um profissional para atender o filho. O problema só foi resolvido quando ela fez uma denúncia ao Ministério Público (MP), que interferiu para que Ricardo recebesse o auxílio do cuidador. Ainda sobre o tema, Taisa relata que é muito difícil a adaptação, pois a empresa terceirizada, que contrata os cuidadores, remaneja-os anualmente.
Atualmente, Ricardo está no 4º ano, com os mesmos colegas desde que ingressou na escola, o que facilita a adaptação e o convívio dele em aula. E, especialmente, colabora com a inclusão, a partir do momento que a turma entende as limitações e dificuldades da criança especial.
— Ele foi muito bem incluído na escola. As turmas incluem os alunos, e acho que isso é um grande ganho para todos, para que eles conheçam, convivam e respeitem — aponta a professora Andrea Bertassi.
Além das aulas no turno da manhã, Ricardo também frequenta o turno contrário da escola. Durante a tarde, ele faz atividades direcionadas.
— Ele se desenvolveu muito bem na escola. O Ricardo frequenta o turno contrário também, então ele participa de várias oficinas, expõe muitos sentimentos através de desenhos e jogos. Além disso, a convivência com outras crianças, no âmbito escolar, ajudou muito ele a se desenvolver, especialmente a fala. Então, acredito que seja muito importante que as crianças tenham a oportunidade de serem incluídas numa escola normal, com pessoas que saibam trabalhar com crianças especiais — afirma a mãe Taisa Silveira.
A professora Andrea exalta que o trabalho coletivo construído dentro da própria escola facilita o aprendizado de todos os alunos especiais, atendidos na sala de recursos.
— Eu e a professora da sala de aula planejamos juntas. Então, dentro do planejamento dela para o quarto ano, eu flexibilizo algumas atividades para que ele as desenvolva através do desenho, por exemplo, que é algo que ele gosta muito e desempenha com perfeição. Além disso, ele é muito curioso. Às vezes, parece que o Ricardo está em outra órbita, mas se tu questiona, ele sabe tudo que a professora falou. Consegue desenvolver todos os trabalhinhos dentro do tempo e com o jeitinho dele.
Por fim, a mãe de Ricardo, Taisa, dá um conselho aos pais que estão descobrindo agora que os filhos são especiais. Ela acredita que o primeiro passo para ajudar a criança, é aceitá-la.
— Eu sempre aceitei o meu filho do jeito que ele é. Se eu tive um filho especial, é porque eu sou uma mãe especial e tenho condições de lidar com isso. Então, eu sempre carreguei o Ricardo como um presente, porque ele ensina mais para mim do que eu a ele. Sobre a escola, é a minha parceria de verdade, foram os professores que me encaminharam para todos os serviços gratuitos oferecidos pelo município. Então, se eu pudesse dar um conselho para quem recebe o diagnóstico que o filho tem alguma deficiência, diria para fazer uma parceria com a escola.
Na escola Governador Roberto Silveira, ao todo, são 16 estudantes com necessidades especiais. A maior parte dos alunos tem o Transtorno do Espectro Autista (TEA), mas há também crianças com Deficiência Intelectual (DI), Deficiência Auditiva (DA) e Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD).