Se antes do assassinato de Naiara Soares Gomes, já havia receio em deixar que as crianças fossem para a escola sem a companhia de um adulto, a lembrança do crime é agora um reforço para que isso não ocorra. A operadora de caixa Vanessa Nerer Rezende optou por deixar a filha Érika Rezende de Oliveira, 10 anos, fora da escola nesse início de ano letivo. A menina foi designada para estudar na Escola Silvio Dal Zotto, no bairro Marechal Floriano, a dois quilômetros da moradia da família, no bairro Pio X, portanto, dentro do zoneamento escolar. A mãe quer a transferência para a escola João Triches, a menos de um quilômetro da residência, onde também onde estuda a irmã de Vanessa.
— Eu não tenho como levar, como buscar e nem como pagar o transporte para ela _ afirma a operadora de caixa, ao explicar que a mãe dela é responsável por levar as duas meninas para a escola e não teria como deixá-las em pontos diferentes.
Conforme Thais Boss, responsável pela rede estadual na Central de Matrículas, a menina é a primeira na lista de espera para vagas na João Triches, mas nenhuma vaga foi aberta desde o início do período letivo e as turmas estão com capacidade máxima. A titular da 4ª Coordenadoria Regional da Educação, Janice Moraes, explica que o Estado fornece transporte escolar apenas para a zona rural.
— Esse caso da Naiara veio abrir de vez os olhos da gente que não dá para confiar. A gente tem de estar junto ou ter um transporte. Jamais mandaria minha filha para a Silvio Dal Zotto porque a pé ou de ônibus é muito longe. Não ficaria tranquila nunca — reclama Vanessa.
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"Tem que acompanhar, não pode deixar sozinho"
A dificuldade da família em fornecer o transporte para escolas mais distantes de casa é comum. Naiara estudava na Escola Renato João Cesa, dois quilômetros longe de casa, embora a mais próxima fosse a Basílio Tcacenco, no Aeroporto. Em meados 2017, a tia da menina, Maria de Lurdes Gomes, protocolou na Central de Matrículas um pedido de transferência de Naiara para a Basílio. Os dois irmãos da criança, que também frequentavam a Renato João Cesa, conseguiram ser efetivados na Basílio na metade de 2017. Para Naiara, a família recebeu a informação de que deveria aguardar a vaga e a resposta nunca veio. A tia, imaginando que o pedido de transferência estava de pé, não cobrou uma posição da Central e Naiara foi ficando no São Caetano.
A promotora regional da Educação, Simone Martini, explica que existe um entendimento do Tribunal de Justiça que a designação para crianças para escolas para escolas que ficam a mais de dois quilômetros de casa exige o fornecimento de transporte escolar. Em Caxias, a lei não prevê transporte para crianças dentro da zona urbana. Ela salienta, no entanto, que as famílias também têm a responsabilidade de garantir o acesso dos estudantes à escola. A promotora destaca ainda que isso pode ser feito com a organização da rede familiar ou com o auxílio de vizinhos, em sistema de rodízio para levar crianças que moram próximas às escolas, por exemplo.
— A escola pode estar na quadra seguinte, pode estar na esquina de casa, tem que acompanhar, não pode deixar sozinho. A gente precisa ter essa noção de que as pessoas têm de cuidar das suas crianças. Então, as famílias têm que organizar para colocar os filhos na escola. Porque a responsabilidade pelas crianças e adolescentes é de todos nós. A gente não diz que é só da família, mas também não é só do poder público. A gente não pode terceirizar tudo.
A diretora da escola onde Naiara estudava, Vanessa Reis dos Santos, explica que o número de estudantes que chega a pé e desacompanhado diminuiu, não só entre crianças como também entre adolescentes.
— A gente não tem como evitar esse tipo de pessoa (criminosos), mas temos como fortalecer a nossa comunidade. Então, eu como cidadã, tenho que me preocupar com uma criança que está sozinha. Escola perto pode ajudar, mas mesmo que seja na esquina pode acontecer alguma coisa. Então, assim, tem que ser um problema de todo mundo.
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